terça-feira, 14 de maio de 2013

Quadrinhos - Entrevista / Maurício de Sousa



O PAI DA MÔNICA




Artista, cronista, empresário, pioneiro. Todas essas definições se aplicam a Maurício de Sousa, um personagem e tanto que, nos anos 60, começou a desbravar o mercado de quadrinhos nacional. Suas criações atravessaram décadas (seja na forma dos tradicionais gibis, seja por meio de filmes, parques temáticos e projetos para a Internet) e se inscreveram em nossa Cultura Pop. O mundo fictício onde vivem a Mônica, o Cebolinha, o Cascão e o Anjinho é conhecido por todos (e se tornou parte de nossa memória afetiva).

Nesta entrevista a “Zoom Magazine” (publicada na edição 64 da revista), Maurício contou que seu interesse por arte se manifestou aos nove anos de idade (quando ele ganhou um kit de desenho do pai) e que, antes de ser cartunista, exerceu a profissão de repórter policial (dá pra imaginar?). Também deixou claro que, hoje, sua faceta artística precisa conviver com a de homem de negócios. Com a palavra, o “pai” da Mônica.

QUANDO O SENHOR COMEÇOU A PRODUZIR TIRAS, O MERCADO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PRATICAMENTE SE RESUMIA À DISNEY. FOI DIFÍCIL QUEBRAR ESTE MONOPÓLIO?
No início dos anos 60, a Disney tinha presença pesada e quase exclusiva nas bancas. Experiências de desenhistas brasileiros, realizadas nos anos 50, não tinham vingado. Não só por motivos econômicos, mas porque, durante aquele período, desenvolveu-se uma campanha feroz contra as histórias em quadrinhos no país. Na época, eu já tinha um ano de publicação de tiras diárias na “Folha da Manhã” – hoje, “Folha de São Paulo”. Na mesma década, aceitei um convite da editora Outubro para lançar uma revista mensal chamada “Bidu”, que só chegou à sexta edição. Eu não tinha estrutura para escrever, desenhar e arte-finalizar uma revista por mês – sendo, ainda, repórter policial nas horas normais do dia. Enfim, as tiras de jornal começavam a fazer bonito, mas ainda rendiam pouco quando publicadas em um só jornal.

E QUANDO O NEGÓCIO COMEÇOU A DAR CERTO?
Quando passei à fase seguinte do meu plano de expansão: criei um sistema de redistribuição que permitia que a tira publicada na “Folha” também fosse publicada em jornais de outras capitais ou em grandes cidades do interior. Ao mesmo tempo, iniciei a contratação de artistas para compor uma equipe que me permitiria aumentar e diversificar a produção. E, durante a década de 60 inteirinha, trabalhei com jornais de todo o país, oferecendo tiras diárias e páginas tabloides para suplementos semanais. Chegamos a atingir mais de 300 jornais durante aquele período, vencendo, assim, diversas barreiras que impediam os personagens brasileiros de serem aceitos por jornais e pelo público diferenciado de quase todos os estados do país. A simpatia dos personagens, o jeito de se comunicarem, o cuidado com os temas, com o conteúdo e com a arte ajudaram nesta receptividade.

A MÔNICA FOI INSPIRADA EM UMA DE SUAS FILHAS. E O CASCÃO? E O CEBOLINHA?
Eu não inventei nada – só observei e coloquei, nos personagens, características de seus “inspiradores”. Todo mundo conhece uma Mônica, uma Magali, um Cascão ou um cachorrinho parecido com o Bidu. Os personagens que fui criando nos primeiros cinco anos baseavam-se em observações. O Cebolinha era um garoto que andava perto da minha casa durante minha infância. Foi meu pai quem lhe deu esse nome, por causa do cabelo espetado. Ele era amigo do Cascão, que também existiu e inspirou o personagem; Franjinha era um sobrinho meu, que morava em Bauru; Chico Bento era um tio-avô que não cheguei a conhecer, mas cujas histórias me foram contadas por minha avó. A maioria dos personagens foi baseada em gente que existiu. No caso das meninas, fui para casa e comecei a prestar atenção em minhas filhas. E lá estava a Mariângela, minha primeira filha, brincando com a Mônica, que arrastava um coelho pela casa tentando bater na Magali, que comia uma melancia inteira. Assim, criei os personagens baseados nas meninas, fiz uma caricatura psicológica e deu certo. Primeiro foi a Mônica, depois a Magali; a Mariângela virou a Maria Cebolinha.

QUAIS ERAM SUAS REFERÊNCIAS EM TERMOS DE TRAÇO?
Em termos de desenho, levo muita coisa do velho Brucutu (um homenzinho pré-histórico), do Ferdinando (um caipira americano), de Tereré (uma sátira ao Príncipe Valente) e da Luluzinha e do Bolinha. Em termos de narrativa, tenho muito do Ferdinando (Al Capp), do Brucutu e do Gordo, um personagem criado por Gustavo Arriolla, mexicano radicado nos EUA. Mas onde vou buscar, até hoje, a liberdade e ousadia para criar é no estilo e na narrativa de Will Eisner, com o personagem “Espírito” (Spirit). E mais recentemente, em suas sensacionais graphic novels.

ALÉM DOS PERSONAGENS DA TURMA, OUTROS FORAM ADICIONADOS AOS GIBIS – O PELEZINHO E, DEPOIS, A MENINA DORINHA, QUE ERA CEGA. O QUE DETERMINA O SURGIMENTO DESSES PERSONAGENS? FAMA? CONSCIÊNCIA SOCIAL?
Sempre há novos personagens querendo “pular” da prancheta. Mas não podemos dar toda a atenção que merecem. Por isso, temos que ir dosando os lançamentos. Mas o tempo chega para alguns, que vão se revelando. Às vezes, por necessidade de falarmos coisas diferentes, de temas novos, de novas propostas. Não tanto por necessidade (em nosso caso) de renovação. Os personagens clássicos da turma estão fortes como nunca. Mas o artista é um insatisfeito por natureza.

NO CINEMA, O SENHOR TAMBÉM FOI PIONEIRO. COMEÇOU A PRODUZIR LONGAS DE ANIMAÇÃO QUANDO NINGUÉM INVESTIA NESSAS PRODUÇÕES. O MERCADO MELHOROU, DE LÁ PARA CÁ?
O mercado melhorou e aumentou. Além disso, há facilidades que eu não tinha na década de 1980, quando lancei meus primeiros filmes. Há bilheterias honestas, computadores, incentivos e um público ávido por nossos produtos.

E NO QUE DIZ RESPEITO À TV? O PANORAMA É OTIMISTA?
O panorama é otimista, mas as séries ou programas ainda são difíceis de fazer. Custam caro e precisamos resolver o problema da redistribuição, para que os investimentos necessários sejam cobertos. Mais ou menos como quando precisei criar a redistribuidora de tiras de jornal. Só que, agora, a redistribuição terá que ser para veículos de comunicação de outros países. A estratégia e a infraestrutura necessárias para isto são mais complicadas. Mas não impossíveis...

RETROSPECTIVAMENTE, O SENHOR CHEGOU A ACREDITAR, NO INÍCIO DA CARREIRA, QUE SEUS PERSONAGENS TERIAM TANTA LONGEVIDADE?
Como artista, não pensava assim, no início. Mas, como empresário, responsável por um complexo de produção de histórias em quadrinhos, filmes, livros e parques temáticos, tenho que pensar na manutenção, na perinização da organização. Até por respeito aos nossos leitores, que se acostumaram e gostam do que produzimos. E por respeito aos que trabalham comigo.

QUAIS FORAM AS EVOLUÇÕES OCORRIDAS NO SEGMENTO DE ANIMAÇÃO NOS ÚLTIMOS ANOS? AS FERRAMENTAS DIGITAIS FACILITARAM O PROCESSO?
O processo digital, sem dúvida, revolucionou o setor. Os resultados são sensacionais. Mas, em termos de custo, a coisa fica mais ou menos empatada.

O PAPEL FOI DEFINITIVAMENTE ABOLIDO NESSES TEMPOS DE CRIAÇÃO DIGITAL? OU, DE VEZ EM QUANDO, AINDA É PRECISO VOLTAR À PRANCHETA?
O papel é eterno. Pelo menos, até descobrirem algo tão sensacional. Desenhar “no vácuo” não é a mesma coisa.

Artigo originalmente publicado em "ZOOM MAGAZINE", em fevereiro de 2005