O PAI DA MÔNICA
Artista, cronista,
empresário, pioneiro. Todas essas definições se aplicam a Maurício de Sousa, um personagem e tanto que, nos anos 60, começou a desbravar o mercado de
quadrinhos nacional. Suas criações atravessaram décadas (seja na forma dos
tradicionais gibis, seja por meio de filmes, parques temáticos e projetos para
a Internet) e se inscreveram em nossa Cultura Pop. O mundo fictício onde vivem
a Mônica, o Cebolinha, o Cascão e o Anjinho é conhecido por todos (e se tornou
parte de nossa memória afetiva).
Nesta entrevista a “Zoom
Magazine” (publicada na edição 64 da revista), Maurício contou que seu
interesse por arte se manifestou aos nove anos de idade (quando ele ganhou um
kit de desenho do pai) e que, antes de ser cartunista, exerceu a profissão de
repórter policial (dá pra imaginar?). Também deixou claro que, hoje, sua faceta
artística precisa conviver com a de homem de negócios. Com a palavra, o “pai”
da Mônica.
QUANDO O SENHOR COMEÇOU A PRODUZIR TIRAS, O MERCADO
DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PRATICAMENTE SE RESUMIA À DISNEY. FOI DIFÍCIL
QUEBRAR ESTE MONOPÓLIO?
No início dos anos 60, a Disney tinha presença
pesada e quase exclusiva nas bancas. Experiências de desenhistas brasileiros,
realizadas nos anos 50, não tinham vingado. Não só por motivos econômicos, mas
porque, durante aquele período, desenvolveu-se uma campanha feroz contra as
histórias em quadrinhos no país. Na época, eu já tinha um ano de publicação de
tiras diárias na “Folha da Manhã” – hoje, “Folha de São Paulo”. Na mesma
década, aceitei um convite da editora Outubro para lançar uma revista mensal
chamada “Bidu”, que só chegou à sexta edição. Eu não tinha estrutura para
escrever, desenhar e arte-finalizar uma revista por mês – sendo, ainda,
repórter policial nas horas normais do dia. Enfim, as tiras de jornal começavam
a fazer bonito, mas ainda rendiam pouco quando publicadas em um só jornal.
E QUANDO O NEGÓCIO COMEÇOU A DAR CERTO?
Quando passei à fase
seguinte do meu plano de expansão: criei um sistema de redistribuição que
permitia que a tira publicada na “Folha” também fosse publicada em jornais de
outras capitais ou em grandes cidades do interior. Ao mesmo tempo, iniciei a
contratação de artistas para compor uma equipe que me permitiria aumentar e
diversificar a produção. E, durante a década de 60 inteirinha, trabalhei com
jornais de todo o país, oferecendo tiras diárias e páginas tabloides para
suplementos semanais. Chegamos a atingir mais de 300 jornais durante aquele
período, vencendo, assim, diversas barreiras que impediam os personagens
brasileiros de serem aceitos por jornais e pelo público diferenciado de quase
todos os estados do país. A simpatia dos personagens, o jeito de se
comunicarem, o cuidado com os temas, com o conteúdo e com a arte ajudaram nesta
receptividade.
A MÔNICA FOI INSPIRADA EM UMA DE SUAS FILHAS. E O
CASCÃO? E O CEBOLINHA?
Eu não inventei nada – só
observei e coloquei, nos personagens, características de seus “inspiradores”.
Todo mundo conhece uma Mônica, uma Magali, um Cascão ou um cachorrinho parecido
com o Bidu. Os personagens que fui criando nos primeiros cinco anos baseavam-se
em observações. O Cebolinha era um garoto que andava perto da minha casa
durante minha infância. Foi meu pai quem lhe deu esse nome, por causa do cabelo
espetado. Ele era amigo do Cascão, que também existiu e inspirou o personagem;
Franjinha era um sobrinho meu, que morava em Bauru; Chico Bento era um tio-avô
que não cheguei a conhecer, mas cujas histórias me foram contadas por minha
avó. A maioria dos personagens foi baseada em gente que existiu. No caso das
meninas, fui para casa e comecei a prestar atenção em minhas filhas. E lá
estava a Mariângela, minha primeira filha, brincando com a Mônica, que
arrastava um coelho pela casa tentando bater na Magali, que comia uma melancia
inteira. Assim, criei os personagens baseados nas meninas, fiz uma caricatura
psicológica e deu certo. Primeiro foi a Mônica, depois a Magali; a Mariângela
virou a Maria Cebolinha.
QUAIS ERAM SUAS REFERÊNCIAS EM TERMOS DE TRAÇO?
Em termos de desenho, levo
muita coisa do velho Brucutu (um homenzinho pré-histórico), do Ferdinando (um
caipira americano), de Tereré (uma sátira ao Príncipe Valente) e da Luluzinha e
do Bolinha. Em termos de narrativa, tenho muito do Ferdinando (Al Capp), do Brucutu e do Gordo, um
personagem criado por Gustavo Arriolla, mexicano radicado nos EUA. Mas onde vou
buscar, até hoje, a liberdade e ousadia para criar é no estilo e na narrativa
de Will Eisner, com o personagem “Espírito” (Spirit). E mais recentemente, em suas sensacionais graphic novels.
ALÉM DOS PERSONAGENS DA TURMA, OUTROS FORAM
ADICIONADOS AOS GIBIS – O PELEZINHO E, DEPOIS, A MENINA DORINHA, QUE ERA CEGA.
O QUE DETERMINA O SURGIMENTO DESSES PERSONAGENS? FAMA? CONSCIÊNCIA SOCIAL?
Sempre há novos personagens
querendo “pular” da prancheta. Mas não podemos dar toda a atenção que merecem.
Por isso, temos que ir dosando os lançamentos. Mas o tempo chega para alguns,
que vão se revelando. Às vezes, por necessidade de falarmos coisas diferentes,
de temas novos, de novas propostas. Não tanto por necessidade (em nosso caso)
de renovação. Os personagens clássicos da turma estão fortes como nunca. Mas o
artista é um insatisfeito por natureza.
NO CINEMA, O SENHOR TAMBÉM FOI PIONEIRO. COMEÇOU A
PRODUZIR LONGAS DE ANIMAÇÃO QUANDO NINGUÉM INVESTIA NESSAS PRODUÇÕES. O MERCADO
MELHOROU, DE LÁ PARA CÁ?
O mercado melhorou e
aumentou. Além disso, há facilidades que eu não tinha na década de 1980, quando
lancei meus primeiros filmes. Há bilheterias honestas, computadores, incentivos
e um público ávido por nossos produtos.
E NO QUE DIZ RESPEITO À TV? O PANORAMA É OTIMISTA?
O panorama é otimista, mas
as séries ou programas ainda são difíceis de fazer. Custam caro e precisamos
resolver o problema da redistribuição, para que os investimentos necessários
sejam cobertos. Mais ou menos como quando precisei criar a redistribuidora de
tiras de jornal. Só que, agora, a redistribuição terá que ser para veículos de
comunicação de outros países. A estratégia e a infraestrutura necessárias para
isto são mais complicadas. Mas não impossíveis...
RETROSPECTIVAMENTE, O SENHOR CHEGOU A ACREDITAR, NO
INÍCIO DA CARREIRA, QUE SEUS PERSONAGENS TERIAM TANTA LONGEVIDADE?
Como artista, não pensava
assim, no início. Mas, como empresário, responsável por um complexo de produção
de histórias em quadrinhos, filmes, livros e parques temáticos, tenho que
pensar na manutenção, na perinização da organização. Até por respeito aos
nossos leitores, que se acostumaram e gostam do que produzimos. E por respeito
aos que trabalham comigo.
QUAIS FORAM AS EVOLUÇÕES OCORRIDAS NO SEGMENTO DE
ANIMAÇÃO NOS ÚLTIMOS ANOS? AS FERRAMENTAS DIGITAIS FACILITARAM O PROCESSO?
O processo digital, sem
dúvida, revolucionou o setor. Os resultados são sensacionais. Mas, em termos de
custo, a coisa fica mais ou menos empatada.
O PAPEL FOI DEFINITIVAMENTE ABOLIDO NESSES TEMPOS DE
CRIAÇÃO DIGITAL? OU, DE VEZ EM QUANDO, AINDA É PRECISO VOLTAR À PRANCHETA?
O papel é eterno. Pelo
menos, até descobrirem algo tão sensacional. Desenhar “no vácuo” não é a mesma
coisa.
Artigo originalmente publicado em "ZOOM
MAGAZINE", em fevereiro de 2005