MICO: PAGUE O SEU AQUI!
Devemos aos cariocas a
expressão “pagar um mico” – que, como todo mundo sabe, significa “entrar em uma
fria”, “comprar gato por lebre” ou, em um exemplo concreto, ser presenteado com um CD do "Aviões
do Forró" naqueles amigos-secretos da “firma”.
Pense nisso...
* * *
Os cariocas patentearam a
expressão, mas a verdade é que o “mico” é uma coisa universal.
Quer ver?
O Brasil pagou um mico
histórico ao perder a Copa do Mundo de 1950, em casa, para o Uruguai. Zeca
Camargo pagou muitos micos televisivos apresentando o “Fantástico” (meu
predileto ainda é sua bocejada ao vivo, durante uma chamada do programa). E
Bill Gates pagou um mico planetário durante a apresentação do Windows 98
transmitida pela CNN, quando o sistema operacional – vingança, vingança! – “executou
uma operação ilegal e foi fechado”.
Porém, antes de começar a
rir dessas pessoas, lembre-se: você também já pagou micos.
Quem passou por essa vida e
não os pagou, não viveu.
Não foi homem.
Foi espectro de homem!
* * *
Tenho motivos para acreditar
que 25% dos micos são pagos na infância. Não tem jeito: ser humilhado
publicamente é um “ritual de passagem” para todos nós. Assim a Divina Providência
antecipa-nos o que está por vir. Assim somos preparados para a vida.
Micar é evoluir, meu bom!
* * *
Não por acaso, muitas de
nossas lembranças mais vexatórias são micos que pagamos na escola. Eu tenho uma
coleção deles, pagos à vista, a prestação ou no cheque “pré”. Entretanto, se tivesse
que categorizá-los, daria Medalha de Ouro e Medalha de Prata para:
1) Minha estreia nos palcos
(foi durante uma Festa da Páscoa; era um espetáculo de canto e dança e, como eu
não sabia cantar nem dançar, me vestiram de coelho e me obrigaram a sair de um
ovo de papel crepom; beautiful).
2) O concurso da “Mãe do Ano”
realizado pelo Colégio SAA em 1980 (infelizmente, vencido por minha própria mãe).
Veja bem: entregar um buquê
de flores à Dona Marilene não foi nada demais. Duro, mesmo, foi fazê-lo sob o
coro dos amigos, que me incentivavam do fundo do salão entoando aquele mantra
nacional:
“Gostosa! Gostosa! Gostosa!”
Viados!
* * *
Engana-se quem pensa que os micos
são mais raros na vida adulta. Que nada! Eles crescem com a gente, ganham tônus
e massa muscular e, às vezes, alteram seu status de “Mico” para “King Kong”
(visualize um mico MUITO grande).
De que outro modo eu descreveria
a viagem que fiz em companhia de dois amigos, em 1993, seduzido pelo briefing: “feriado com tudo pago
em hotel-fazenda; inclui piscina, cavalos e quadra desportiva”?
O convite foi feito por um
dos dois, que acabara de arrumar emprego em uma grande seguradora. Era um procedimento-padrão,
entre os funcionários daquela “firma”, passar temporadas no tal lugar. Ora: o
investimento era pouco, a única exigência era levarmos sacos de dormir... Que
mal tinha?
* * *
Mesmo sem carro, descolamos
uma carona para o suposto hotel, que ficava em Cotia (isto deveria ter me
alertado, tanto quanto a exigência em levar sacos de dormir). E que, no curso
da viagem, já foi rebaixado de “hotel” para “sítio”.
_ Como assim? – perguntei,
encafifado. _ É hotel ou sítio?
_ É chácara! Mas tem de
tudo. – respondeu o articulador da aventura, que, apesar da ingenuidade perene e do excesso de
otimismo, é pessoa boníssima e meu amigo do peito desde os sete anos de idade.
Uma vez lá, constatamos que
não era hotel. Nem sítio. Nem chácara.
Era um tremendo mico, mesmo.
* * *
_ Onde estão os cavalos? –
perguntei, protegendo a vista do sol com a mão, tão logo apeei do carro.
_ Lá. – meu amigo apontou
para uma baia distante e avistei, penalizado, um pangaré peso-pena se arrastar
entre o matagal alto e um muro de concreto. Ao dar de cara conosco, a montaria
mudou de rumo, com aquela sabedoria misteriosa dos animais. Sumiu em um pinote
e não se viu sequer o borrão de outra crina de cavalo pelos próximos dias.
Quando fui apresentado ao
pessoal com quem passaria as próximas 72 horas, fiquei tentado a seguir o exemplo do cavalo.
Nunca vira tamanha concentração de gente feia, nem na fila de excluídos do
exame médico para o Exército. Dente não-cariado, ali, era luxo. Considerando
que o “hotel-fazenda” só tinha um banheiro em funcionamento (o outro estava alagado
desde os tempos do Brasil Colonial), logo percebi que nossa vida social, ali,
seria uma barra.
Dito e feito: tentamos
encarar a fila do banho cinco vezes, mas, como nossa vez nunca chegava, nos
conformamos em ficar sujos. É ruim no começo. Mas você se acostuma!
* * *
A vantagem de sermos
comunicadores, os três, é que rapidamente dominamos o dialeto local e nos
misturamos à massa. Pra falar a verdade, nos ajeitamos até muito bem. Chegamos a
propor um jogo de vôlei na “quadra desportiva” e a galera adorou. Teria sido
uma boa forma de confraternizar, não fosse um pequeno detalhe: a “quadra” era apenas
um canteiro de grama bastante íngreme, quase na diagonal.
Tamanho era o ângulo de
inclinação que ninguém conseguia sacar a bola ou dar uma manchete sem cair de
lado e rolar sobre o próprio ombro. Jogar vôlei, ali, era desafiar a física.
Tanto que o placar ficou assim: zero para os dois times e dez para o campo.
* * *
Quando fomos dormir, ali
pelas 02h30, nos disseram que não havia mais camas disponíveis na casa
principal. Descemos com um segundo grupo para o alojamento 2, no meio da mata e
acessado por um barranco que não era exatamente um barranco – em termos
geográficos, era mais uma cânion.
Fomos os primeiros a entrar
no casarão vazio e às escuras e, sem cerimônia, acendemos a única lâmpada do
aposento central. Trinta e tantas cabeças despenteadas e iradas subitamente emergiram
de almofadas, mantas e cobertores espalhados em um contrapiso úmido.
_Apaga essa luz, porra! –
gritou alguém.
_ É! – apoiou um outro.
“Será um assentamento de
sem-terras?”, pensei.
Mas, nem!
Eram apenas os nossos aposentos,
mesmo.
* * *
Até hoje não sei quem eram aquelas
pessoas.
Nenhuma delas fora vista na propriedade
durante o dia. Eram desconhecidos, todos. E além do mais, ali havia velhos e
crianças, quando a idade média dos demais “hóspedes” do sítio era de 20 a 27
anos, no máximo.
Só sei que, cansados, nos arrumamos
cada um em um canto, abrimos nossos sacos de dormir e caímos em sono profundo. Só
na manhã seguinte nos recriminamos por nossa desconfiança – afinal, já era
domingo, fazia um sol danado e ninguém tentara nos degolar ou roubar nossos órgãos durante a noite. Viu? É nisso que dá julgar os outros pela aparência!
Ainda assim, após o café, tivemos
uma reunião de diretoria que durou 15 segundos (cravados no relógio!) e concluímos
que o melhor era voltar a São Paulo, mesmo sem gozar os três dias prometidos de
diversão no campo. Pegamos outra carona (desta vez, até uma vendinha próxima,
onde nos deram direções sobre o caminho a seguir), andamos mais alguns quilômetros
e, com a graça de Deus, embarcamos em um “busão” com ar-condicionado rumo à capital
do estado.
Fedidos pra cacete, claro.
Mas felizes!
* * *
Um King Kong, sim senhor.
Mas, olhe: podia ser pior.
Poderiam ter me dado um CD
do “Aviões do Forró” no último amigo-secreto da “firma”.
Pense nisso...