terça-feira, 16 de julho de 2013

Crônica - A vida tem dessas coisas



MICO: PAGUE O SEU AQUI!




Devemos aos cariocas a expressão “pagar um mico” – que, como todo mundo sabe, significa “entrar em uma fria”, “comprar gato por lebre” ou, em um exemplo concreto, ser presenteado com um CD do "Aviões do Forró" naqueles amigos-secretos da “firma”.

Pense nisso...

* * *

Os cariocas patentearam a expressão, mas a verdade é que o “mico” é uma coisa universal.

Quer ver?

O Brasil pagou um mico histórico ao perder a Copa do Mundo de 1950, em casa, para o Uruguai. Zeca Camargo pagou muitos micos televisivos apresentando o “Fantástico” (meu predileto ainda é sua bocejada ao vivo, durante uma chamada do programa). E Bill Gates pagou um mico planetário durante a apresentação do Windows 98 transmitida pela CNN, quando o sistema operacional – vingança, vingança! – “executou uma operação ilegal e foi fechado”. 

Porém, antes de começar a rir dessas pessoas, lembre-se: você também já pagou micos.

Quem passou por essa vida e não os pagou, não viveu.

Não foi homem.

Foi espectro de homem!

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Tenho motivos para acreditar que 25% dos micos são pagos na infância. Não tem jeito: ser humilhado publicamente é um “ritual de passagem” para todos nós. Assim a Divina Providência antecipa-nos o que está por vir. Assim somos preparados para a vida.

Micar é evoluir, meu bom!

* * *

Não por acaso, muitas de nossas lembranças mais vexatórias são micos que pagamos na escola. Eu tenho uma coleção deles, pagos à vista, a prestação ou no cheque “pré”. Entretanto, se tivesse que categorizá-los, daria Medalha de Ouro e Medalha de Prata para:

1) Minha estreia nos palcos (foi durante uma Festa da Páscoa; era um espetáculo de canto e dança e, como eu não sabia cantar nem dançar, me vestiram de coelho e me obrigaram a sair de um ovo de papel crepom; beautiful).

2) O concurso da “Mãe do Ano” realizado pelo Colégio SAA em 1980 (infelizmente, vencido por minha própria mãe).

Veja bem: entregar um buquê de flores à Dona Marilene não foi nada demais. Duro, mesmo, foi fazê-lo sob o coro dos amigos, que me incentivavam do fundo do salão entoando aquele mantra nacional:

“Gostosa! Gostosa! Gostosa!”

Viados!
* * *

Engana-se quem pensa que os micos são mais raros na vida adulta. Que nada! Eles crescem com a gente, ganham tônus e massa muscular e, às vezes, alteram seu status de “Mico” para “King Kong” (visualize um mico MUITO grande).

De que outro modo eu descreveria a viagem que fiz em companhia de dois amigos, em 1993, seduzido pelo briefing: “feriado com tudo pago em hotel-fazenda; inclui piscina, cavalos e quadra desportiva”?

O convite foi feito por um dos dois, que acabara de arrumar emprego em uma grande seguradora. Era um procedimento-padrão, entre os funcionários daquela “firma”, passar temporadas no tal lugar. Ora: o investimento era pouco, a única exigência era levarmos sacos de dormir... Que mal tinha?

* * *

Mesmo sem carro, descolamos uma carona para o suposto hotel, que ficava em Cotia (isto deveria ter me alertado, tanto quanto a exigência em levar sacos de dormir). E que, no curso da viagem, já foi rebaixado de “hotel” para “sítio”.

_ Como assim? – perguntei, encafifado. É hotel ou sítio?

_ É chácara! Mas tem de tudo. – respondeu o articulador da aventura, que, apesar da ingenuidade perene e do excesso de otimismo, é pessoa boníssima e meu amigo do peito desde os sete anos de idade.

Uma vez lá, constatamos que não era hotel. Nem sítio. Nem chácara.

Era um tremendo mico, mesmo.

* * *

_ Onde estão os cavalos? – perguntei, protegendo a vista do sol com a mão, tão logo apeei do carro.

_ Lá. – meu amigo apontou para uma baia distante e avistei, penalizado, um pangaré peso-pena se arrastar entre o matagal alto e um muro de concreto. Ao dar de cara conosco, a montaria mudou de rumo, com aquela sabedoria misteriosa dos animais. Sumiu em um pinote e não se viu sequer o borrão de outra crina de cavalo pelos próximos dias.

Quando fui apresentado ao pessoal com quem passaria as próximas 72 horas, fiquei tentado a seguir o exemplo do cavalo. Nunca vira tamanha concentração de gente feia, nem na fila de excluídos do exame médico para o Exército. Dente não-cariado, ali, era luxo. Considerando que o “hotel-fazenda” só tinha um banheiro em funcionamento (o outro estava alagado desde os tempos do Brasil Colonial), logo percebi que nossa vida social, ali, seria uma barra.

Dito e feito: tentamos encarar a fila do banho cinco vezes, mas, como nossa vez nunca chegava, nos conformamos em ficar sujos. É ruim no começo. Mas você se acostuma!

* * *

A vantagem de sermos comunicadores, os três, é que rapidamente dominamos o dialeto local e nos misturamos à massa. Pra falar a verdade, nos ajeitamos até muito bem. Chegamos a propor um jogo de vôlei na “quadra desportiva” e a galera adorou. Teria sido uma boa forma de confraternizar, não fosse um pequeno detalhe: a “quadra” era apenas um canteiro de grama bastante íngreme, quase na diagonal.

Tamanho era o ângulo de inclinação que ninguém conseguia sacar a bola ou dar uma manchete sem cair de lado e rolar sobre o próprio ombro. Jogar vôlei, ali, era desafiar a física. Tanto que o placar ficou assim: zero para os dois times e dez para o campo.

 * * *

Quando fomos dormir, ali pelas 02h30, nos disseram que não havia mais camas disponíveis na casa principal. Descemos com um segundo grupo para o alojamento 2, no meio da mata e acessado por um barranco que não era exatamente um barranco – em termos geográficos, era mais uma cânion.

Fomos os primeiros a entrar no casarão vazio e às escuras e, sem cerimônia, acendemos a única lâmpada do aposento central. Trinta e tantas cabeças despenteadas e iradas subitamente emergiram de almofadas, mantas e cobertores espalhados em um contrapiso úmido.

_Apaga essa luz, porra! – gritou alguém.

_ É! – apoiou um outro.

“Será um assentamento de sem-terras?”, pensei.

Mas, nem!

Eram apenas os nossos aposentos, mesmo.

* * *


Até hoje não sei quem eram aquelas pessoas.

Nenhuma delas fora vista na propriedade durante o dia. Eram desconhecidos, todos. E além do mais, ali havia velhos e crianças, quando a idade média dos demais “hóspedes” do sítio era de 20 a 27 anos, no máximo.

Só sei que, cansados, nos arrumamos cada um em um canto, abrimos nossos sacos de dormir e caímos em sono profundo. Só na manhã seguinte nos recriminamos por nossa desconfiança – afinal, já era domingo, fazia um sol danado e ninguém tentara nos degolar ou roubar nossos órgãos durante a noite. Viu? É nisso que dá julgar os outros pela aparência!

Ainda assim, após o café, tivemos uma reunião de diretoria que durou 15 segundos (cravados no relógio!) e concluímos que o melhor era voltar a São Paulo, mesmo sem gozar os três dias prometidos de diversão no campo. Pegamos outra carona (desta vez, até uma vendinha próxima, onde nos deram direções sobre o caminho a seguir), andamos mais alguns quilômetros e, com a graça de Deus, embarcamos em um “busão” com ar-condicionado rumo à capital do estado.

Fedidos pra cacete, claro.

Mas felizes!

* * *

Um King Kong, sim senhor.

Mas, olhe: podia ser pior.

Poderiam ter me dado um CD do “Aviões do Forró” no último amigo-secreto da “firma”.

Pense nisso...