quinta-feira, 23 de maio de 2013

Crônica - Music and Me



"PLAY IT AGAIN, GOD!"





A vida da gente tem trilha sonora, e isto é bom. O que não é bom é que só conhecemos a trilha sonora de nossa vida quando é tarde demais. Estamos aqui para viver papéis – quem dirige o filme (e ataca de DJ) é o Sr.Acaso, a Lei das Probabilidades ou Deus. Se é que existe Deus.

Antes fosse diferente: se tivéssemos o roteiro em mãos (ou, em uma metáfora mais adequada, a playlist do show), não sairíamos por aí torcendo o nariz para qualquer música. Não rejeitaríamos gêneros ou artistas. Talvez fôssemos melhores ouvintes do que costumamos ser.

E nunca, jamais julgaríamos.

Vai que... Né?

* * *

Lá para frente, esta ou aquela música “cafona” talvez venha a nos representar, torne-se a síntese de momentos importantes, adquira um significado análogo a uma parte de nossa história. Não existe unanimidade e aposto meu fígado (que está em bom estado, ao contrário do pulmão) que, em 1792, houve quem achasse a Marselhesa um tremendo abacaxi. Quem poderia saber, na época, que ela representaria a Revolução Francesa para sempre? E tão bem?

Veja o Humphrey Bogart naquele filme, “Casablanca”: ele odiava “As Time Goes By”, mas só porque a música estava inexoravelmente ligada ao seu destino.

* * *

Assistindo a um trecho de uma nova série da TV Globo – "Pé na Cova", com Miguel Falabella – tive um revival imediato do Terceiro Grau ao escutar, pela primeira vez em 20 anos (ou mais), “Let the River Run”, uma canção melosa do início dos anos 90. Eu a conhecia bem – lera a bula do “xarope” muito tempo atrás. Naquela época, a música foi tema de um filme com Sigourney Weaver (“Uma Secretária de Futuro”), que eu não assisti, mas que ganhou um Oscar e teve notoriedade suficiente para se fazer notar. O refrão era assim:

“Let the river run,
let all the dreamers
wake the nation
Come, the New Jerusalem”

Eu deveria ter gostado, então, pois era uma música de Carly Simon – que, como qualquer cinéfilo medianamente letrado sabe, também interpretou um dos temas mais famosos da série 007, “Nobody Does it Better” (do filme “O Espião que me Amava”). Mas naquele tempo, não gostei. Ouvia a música ad nauseam no rádio do carro do meu irmão, indo para a faculdade, todas as noites. "Let the River Run" ganhou a "cara" da época. E aquela, para mim, foi uma época cinza. Não uma época negra, veja bem– mas cinza.

* * *

Por que, então, meu coração bateu forte quando a escutei novamente, duas décadas depois, algumas horas atrás, displicentemente deitado no sofá do meu apartamento? Ora – porque, a essas alturas, devo estar na metade do livro que conta a minha história. E consigo colocar quase tudo em perspectiva, até aqueles primeiros e claudicantes capítulos.

Qualquer boa história parte de um prólogo sem contexto; qualquer boa narrativa tem momentos insossos; e até a melhor das canções tem uma estrofe da qual ninguém se lembra direito... Porém, excluí-las da obra final é descontextualizá-la, é arruiná-la dramaticamente. Até a estrofe ou capítulo mais recalcitrante tem relevância na trajetória que conduz ao clímax.

* * *

Então, “Let the River the Run” talvez seja uma boa metáfora do que foi ser jovem, para mim. Como aquela música apoteótica (e um pouco cafona, sim), que não fui capaz de apreciar na época, ter vinte e poucos anos é uma dádiva ingrata. Não existe tempo mais lírico e cheio de sabores do que este. Não se experimenta mais emoção, antes ou depois. Jamais se viverá tão perigosa ou ardentemente. O que sobrevém a este período costuma ser melhor (se você der sorte), mas dificilmente será tão memorável.

Infelizmente, a regra é que, na juventude, estamos tão confusos e preocupados em nos destacar que não reparamos nas nuances e na beleza simples de uma composição. Queremos ser relevantes, temos sede de sermos críticos e caímos em uma armadilha – vemos apenas o que achamos que deveríamos ver; o que achamos que seria inteligente ver. Não notamos, sequer, que o cinza é uma ilusão de óptica; que o cinza, a rigor, não existe. É um logro, um amálgama de brancos e de pretos, de luz e de sombras. No entanto, é outra regra que só percebemos isto quando ficamos maduros. Assim, não há muito a se fazer.

Exceto, claro, tirar vantagem do mundo randômico onde vivemos, no qual o passado e o presente se conectam a um clique do mouse.

* * *

Baixei “Let the River Run” na Internet.

Amanhã, vou escutá-la no som do carro.

Desta vez, sem medo de ser feliz.

P.S.: Eu queria registrar que esta série, “Pé na Cova”, é um horror. Mas, claro, esta é só a minha opinião no momento. Nem imagino o que vou achar amanhã.




quinta-feira, 16 de maio de 2013

Crônica - Churrascarias



"CORAÇÃOZINHO, SENHOR?"




Churrascaria é o que há, meu amigo.

Muitos preferem Sushi e Sashimi a uma sangrenta peça de picanha (e o Dr. Drauzio Varella deve estar orgulhoso desse pessoal). Mas acredito que 65% dos humanos ainda se recusam a comer em restaurantes japoneses, aqueles locais onde a comida é servida fria e os guardanapos são servidos quentes.

O tempo e a experiência transformam qualquer autêntico carnívoro em um connaisseur desses ambientes. Porque os rodízios podem ser categorizados como tudo o mais nessa vida – inclua-se aí os uísques, charutos e até os refrigerantes. O Fogo de Chão, por exemplo, é a Coca-Cola das churrascarias. O Picanha de Ouro, na Avenida Dr. Ricardo Jafet (zona sul de São Paulo), é o Guaraná Dolly da categoria.

* * *

Carnívoros sabem que uma churrascaria falhou em seu objetivo primordial quando, uma vez lá, se veem entre mulheres, crianças e idosos na fila do bufê de saladas. Porque salada – e isto não é nenhum segredo – não é propriamente comida; é o que a comida come.

* * *

No Picanha de Ouro, as carnes são tão ruins, mas tão ruins, que o bufê de saladas é um must.

De repente, você se vê usando a força e o tamanho para impedir que uma mulher consiga o rabanete mais polpudo ou a folha de rúcula mais verdinha do balcão.

É vexatório, mas é a luta pela sobrevivência: um homem não pode ser responsabilizado pelo que faz em uma churrascaria como a “Picanha de Ouro”, onde sempre existe o risco de a costela ou da fraldinha mugirem e pularem da mesa escoiceando, ao serem cutucadas por um garfo. Porque estabelecimentos como a “Picanha de Ouro” não entendem a sutileza do termo “mal-passado”.

* * *

Outra curiosidade sobre as churrascarias é que elas têm um tácito código hierárquico. É, sim: igualzinho aos daquelas sociedades secretas (Rosa Cruz, Maçonaria, Pró-Vida, Hogwarts...).

Sentado à mesa, vendo as carnes passarem e assistindo ao Vídeo Show em uma TV de Plasma fixada à parede, o cliente nem imagina que um código primal de organização rege aquele estabelecimento. As regras foram definidas muito tempo atrás, quando ainda usávamos roupas de peles e caçávamos mamutes nas pradarias.

Nos rodízios de carnes, esta hierarquia começa no “coraçãozinho”.

* * *

Não há o que discutir: o pobre diabo a quem confiam o “coraçãozinho” (de galinha ou de frango, ninguém sabe ao certo) é um neófito, um iniciante, um GV (“garçom virgem”). O elo mais fraco da corrente.

Comiserado, magrinho, ele se esgueira pelo salão e amarga a mais inglória das tarefas: oferecer “coraçãozinho” a machos esfomeados que, por volta das 13h30, salivam pavlovianamente à simples menção da palavra “picanha”.

* * *

"Coraçãozinho, senhor?" 

Silêncio sepulcral na mesa. Alguém esbarra em um copo, que quase cai.

Caberá ao macho mais sensível do grupo (sempre existe um) acabar com aquele constrangimento, dando um tapinha amistoso na mão do rapaz e o libertando daquele pesadelo:

“Vamos esperar pela próxima, obrigado.”


* * *

Mas um lampejo de esperança ilumina a alma de nosso herói, tão logo lhe confiam o primeiro espeto de linguiça temperada.

Veja bem – não é assim uma Brastemp. Mas a linguiça temperada prova algo importante: o problema não era ele, afinal... Era o coraçãozinho.

Agora, ele se sente aceito e querido. Um dia, poderá ser o maioral do pedaço. Usando bombachas e com um lenço no pescoço – facão em uma mão e espeto na outra –, manobrará cortes de picanha entre as mesas e será olhado com inveja pelos colegas. A clientela disputará sua atenção. As mulheres lhe dirigirão sorrisos enigmáticos.

* * *

Foi uma batalha dura, seu orgulho ficou ferido, mas ele perseverou e venceu. Recobrou o respeito próprio. Sobreviveu ao teste do coraçãozinho.

Nas churrascarias, tanto quanto no tempo dos Neandertais, é isto o que separa os meninos dos homens.


terça-feira, 14 de maio de 2013

Quadrinhos - Entrevista / Maurício de Sousa



O PAI DA MÔNICA




Artista, cronista, empresário, pioneiro. Todas essas definições se aplicam a Maurício de Sousa, um personagem e tanto que, nos anos 60, começou a desbravar o mercado de quadrinhos nacional. Suas criações atravessaram décadas (seja na forma dos tradicionais gibis, seja por meio de filmes, parques temáticos e projetos para a Internet) e se inscreveram em nossa Cultura Pop. O mundo fictício onde vivem a Mônica, o Cebolinha, o Cascão e o Anjinho é conhecido por todos (e se tornou parte de nossa memória afetiva).

Nesta entrevista a “Zoom Magazine” (publicada na edição 64 da revista), Maurício contou que seu interesse por arte se manifestou aos nove anos de idade (quando ele ganhou um kit de desenho do pai) e que, antes de ser cartunista, exerceu a profissão de repórter policial (dá pra imaginar?). Também deixou claro que, hoje, sua faceta artística precisa conviver com a de homem de negócios. Com a palavra, o “pai” da Mônica.

QUANDO O SENHOR COMEÇOU A PRODUZIR TIRAS, O MERCADO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PRATICAMENTE SE RESUMIA À DISNEY. FOI DIFÍCIL QUEBRAR ESTE MONOPÓLIO?
No início dos anos 60, a Disney tinha presença pesada e quase exclusiva nas bancas. Experiências de desenhistas brasileiros, realizadas nos anos 50, não tinham vingado. Não só por motivos econômicos, mas porque, durante aquele período, desenvolveu-se uma campanha feroz contra as histórias em quadrinhos no país. Na época, eu já tinha um ano de publicação de tiras diárias na “Folha da Manhã” – hoje, “Folha de São Paulo”. Na mesma década, aceitei um convite da editora Outubro para lançar uma revista mensal chamada “Bidu”, que só chegou à sexta edição. Eu não tinha estrutura para escrever, desenhar e arte-finalizar uma revista por mês – sendo, ainda, repórter policial nas horas normais do dia. Enfim, as tiras de jornal começavam a fazer bonito, mas ainda rendiam pouco quando publicadas em um só jornal.

E QUANDO O NEGÓCIO COMEÇOU A DAR CERTO?
Quando passei à fase seguinte do meu plano de expansão: criei um sistema de redistribuição que permitia que a tira publicada na “Folha” também fosse publicada em jornais de outras capitais ou em grandes cidades do interior. Ao mesmo tempo, iniciei a contratação de artistas para compor uma equipe que me permitiria aumentar e diversificar a produção. E, durante a década de 60 inteirinha, trabalhei com jornais de todo o país, oferecendo tiras diárias e páginas tabloides para suplementos semanais. Chegamos a atingir mais de 300 jornais durante aquele período, vencendo, assim, diversas barreiras que impediam os personagens brasileiros de serem aceitos por jornais e pelo público diferenciado de quase todos os estados do país. A simpatia dos personagens, o jeito de se comunicarem, o cuidado com os temas, com o conteúdo e com a arte ajudaram nesta receptividade.

A MÔNICA FOI INSPIRADA EM UMA DE SUAS FILHAS. E O CASCÃO? E O CEBOLINHA?
Eu não inventei nada – só observei e coloquei, nos personagens, características de seus “inspiradores”. Todo mundo conhece uma Mônica, uma Magali, um Cascão ou um cachorrinho parecido com o Bidu. Os personagens que fui criando nos primeiros cinco anos baseavam-se em observações. O Cebolinha era um garoto que andava perto da minha casa durante minha infância. Foi meu pai quem lhe deu esse nome, por causa do cabelo espetado. Ele era amigo do Cascão, que também existiu e inspirou o personagem; Franjinha era um sobrinho meu, que morava em Bauru; Chico Bento era um tio-avô que não cheguei a conhecer, mas cujas histórias me foram contadas por minha avó. A maioria dos personagens foi baseada em gente que existiu. No caso das meninas, fui para casa e comecei a prestar atenção em minhas filhas. E lá estava a Mariângela, minha primeira filha, brincando com a Mônica, que arrastava um coelho pela casa tentando bater na Magali, que comia uma melancia inteira. Assim, criei os personagens baseados nas meninas, fiz uma caricatura psicológica e deu certo. Primeiro foi a Mônica, depois a Magali; a Mariângela virou a Maria Cebolinha.

QUAIS ERAM SUAS REFERÊNCIAS EM TERMOS DE TRAÇO?
Em termos de desenho, levo muita coisa do velho Brucutu (um homenzinho pré-histórico), do Ferdinando (um caipira americano), de Tereré (uma sátira ao Príncipe Valente) e da Luluzinha e do Bolinha. Em termos de narrativa, tenho muito do Ferdinando (Al Capp), do Brucutu e do Gordo, um personagem criado por Gustavo Arriolla, mexicano radicado nos EUA. Mas onde vou buscar, até hoje, a liberdade e ousadia para criar é no estilo e na narrativa de Will Eisner, com o personagem “Espírito” (Spirit). E mais recentemente, em suas sensacionais graphic novels.

ALÉM DOS PERSONAGENS DA TURMA, OUTROS FORAM ADICIONADOS AOS GIBIS – O PELEZINHO E, DEPOIS, A MENINA DORINHA, QUE ERA CEGA. O QUE DETERMINA O SURGIMENTO DESSES PERSONAGENS? FAMA? CONSCIÊNCIA SOCIAL?
Sempre há novos personagens querendo “pular” da prancheta. Mas não podemos dar toda a atenção que merecem. Por isso, temos que ir dosando os lançamentos. Mas o tempo chega para alguns, que vão se revelando. Às vezes, por necessidade de falarmos coisas diferentes, de temas novos, de novas propostas. Não tanto por necessidade (em nosso caso) de renovação. Os personagens clássicos da turma estão fortes como nunca. Mas o artista é um insatisfeito por natureza.

NO CINEMA, O SENHOR TAMBÉM FOI PIONEIRO. COMEÇOU A PRODUZIR LONGAS DE ANIMAÇÃO QUANDO NINGUÉM INVESTIA NESSAS PRODUÇÕES. O MERCADO MELHOROU, DE LÁ PARA CÁ?
O mercado melhorou e aumentou. Além disso, há facilidades que eu não tinha na década de 1980, quando lancei meus primeiros filmes. Há bilheterias honestas, computadores, incentivos e um público ávido por nossos produtos.

E NO QUE DIZ RESPEITO À TV? O PANORAMA É OTIMISTA?
O panorama é otimista, mas as séries ou programas ainda são difíceis de fazer. Custam caro e precisamos resolver o problema da redistribuição, para que os investimentos necessários sejam cobertos. Mais ou menos como quando precisei criar a redistribuidora de tiras de jornal. Só que, agora, a redistribuição terá que ser para veículos de comunicação de outros países. A estratégia e a infraestrutura necessárias para isto são mais complicadas. Mas não impossíveis...

RETROSPECTIVAMENTE, O SENHOR CHEGOU A ACREDITAR, NO INÍCIO DA CARREIRA, QUE SEUS PERSONAGENS TERIAM TANTA LONGEVIDADE?
Como artista, não pensava assim, no início. Mas, como empresário, responsável por um complexo de produção de histórias em quadrinhos, filmes, livros e parques temáticos, tenho que pensar na manutenção, na perinização da organização. Até por respeito aos nossos leitores, que se acostumaram e gostam do que produzimos. E por respeito aos que trabalham comigo.

QUAIS FORAM AS EVOLUÇÕES OCORRIDAS NO SEGMENTO DE ANIMAÇÃO NOS ÚLTIMOS ANOS? AS FERRAMENTAS DIGITAIS FACILITARAM O PROCESSO?
O processo digital, sem dúvida, revolucionou o setor. Os resultados são sensacionais. Mas, em termos de custo, a coisa fica mais ou menos empatada.

O PAPEL FOI DEFINITIVAMENTE ABOLIDO NESSES TEMPOS DE CRIAÇÃO DIGITAL? OU, DE VEZ EM QUANDO, AINDA É PRECISO VOLTAR À PRANCHETA?
O papel é eterno. Pelo menos, até descobrirem algo tão sensacional. Desenhar “no vácuo” não é a mesma coisa.

Artigo originalmente publicado em "ZOOM MAGAZINE", em fevereiro de 2005


segunda-feira, 13 de maio de 2013

Cinema - Entrevista / Zé do Caixão



ZÉ DO CAIXÃO (POR ELE MESMO)




Gênio ou maluco? Visionário ou impostor? Eu também estava na dúvida quando entrevistei José Mojica Marins para a "Zoom Magazine", na época do lançamento de Encarnação do Demônio (em agosto de 2008). Zé do Caixão foi um personagem icônico da minha infância. De lá para cá, se tornou (a um só tempo) uma referência “cult” e um ícone da breguice.

Antes de apedrejar o Zé, é preciso reconhecer que seus primeiros filmes (os quais muita gente NÃO VIU) são sensacionais (inclusive tecnicamente), apesar de Mojica jamais ter tido uma educação formal em cinema (para mais informações, leia o excelente “Maldito”, de André Barcinski e Ivan Finotti). Se ele banalizou seu famoso personagem desde então (por exemplo, transformando-o em host do extinto “Cine Trash”, apresentado pela TV Bandeirantes há alguns anos), isto se deveu à escassez de ofertas e de verbas para voltar a filmar.

O resto está aí, ó:
           
ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO FOI ACLAMADO NO FESTIVAL PAULÍNIA DE CINEMA. FINALMENTE, O SENHOR SE TORNOU (POSITIVAMENTE) UMA UNANIMIDADE DE CRÍTICA.
Você viu? Ganhei sete prêmios, inclusive, os de Filme e Fotografia. Não esperava por isso. Foram os “jovens” de quarenta anos que me defenderam lá. Meu produtor, Paulo Sacramento, tem 33 anos e muitos críticos que gostam dos meus filmes estão nessa faixa, de 30 a 40 anos. Quantos anos você tem?

TRINTA E OITO.

Então, é o que eu disse. Os críticos de hoje entendem os meus filmes.

ISTO NÃO SE DEVE AO FATO DE O SENHOR TER COMEÇADO A FAZER FILMES DE TERROR QUANDO ESTE GÊNERO SEQUER EXISTIA NO BRASIL?
Nos anos 60 e 70, sofri muita perseguição de caras que (descobri depois) tinham feito curso de cinema, mas cujos projetos estavam engavetados. Enquanto isto, eu – que nunca estudei cinema e que me criei nos fundos de um cinema –, conseguia fazer e lançar meus filmes. Até montei uma escola de cinema no Brasil. 

O LEGAL DESTE NOVO FILME É QUE, APESAR DOS RECURSOS TÉCNICOS, ENCARNAÇÃO TEM A SUA CARA. NÃO É UM FILME METIDO A BESTA.
A luta era esta! Quando Paulo Sacramento e o roteirista Dennison Ramalho me procuraram, queriam exatamente isso. Os dois são fãs das minhas fitas e queriam que eu mantivesse as características do Zé do Caixão. Mas o personagem nunca saiu da minha cabeça. No filme novo, é o mesmo personagem, só que mais violento e envelhecido. É preciso ter em mente que o mundo também está mais violento.

O RÓTULO DE “DIRETOR TRASH” O INCOMODA?
Isto é o que me revolta no Brasil. Lá fora, ninguém diz que minhas fitas são trash. Mas há jornalistas, principalmente mulheres, que volta e meia me chamam de “Rei do Trash”. Eu não gosto disso. Apresentei filmes trash na TV Bandeirantes durante uma época, mas isto não significa que faço filmes trash. Se eu fizer uma fita sobre um problema social, por ser eu, logo vão dizer que o filme é trash. Enquanto isso, os americanos enaltecem o meu trabalho. Ontem, dei uma entrevista de três horas para a “Fangoria”, a maior revista especializada em filmes de terror dos EUA. Mas, aqui, insistem nessa história de trash. Um dia vou pegar esses caras e perguntar se eles sabem o que significa trash...

E POR QUE ESTA OBSESSÃO POR TERROR, HEIM?
Quando eu era criança, vi uma cena que nunca esqueci: o cara que vendia batatas lá no meu bairro faleceu. Eu e outros três garotos fomos ao velório. A esposa do defunto se debruçava sobre o caixão e gritava: “Por quê?! Por quê?! Por que eu não fui no seu lugar?” Os filhos do morto me disseram que devíamos rezar para que ele voltasse à vida e achei aquilo legal. De repente, o homem mexeu a mão e todo mundo correu para a calçada. O defunto se sentou no caixão e queria saber onde estava, o que tinha acontecido... O cara era cataléptico. Resultado: ele voltou da morte, mas ninguém nunca mais comprou batatas na quitanda dele...

SÉRIO?
Sério. A esposa pediu o divórcio e o cara enlouqueceu, foi parar em um manicômio. Foi aí que comecei a me interessar pelo que existia depois da morte – assim surgiu o meu interesse por assuntos macabros. Mas só depois que fiz meus filmes descobri que existiam o Boris Karloff, o Lon Chaney, todos aqueles atores famosos de filmes de terror. Eu nem tinha ideia das comparações que faziam entre os meus filmes e aquelas produções. Quando finalmente pude assisti-las, gostei muito. Inclusive, tenho um anel que ganhei da filha do Boris Karloff, sabia?

O CURIOSO É QUE O ZÉ DO CAIXÃO É UM CARA CÉPTICO. NÃO ACREDITA EM DEUS E NEM NO DIABO...
Já me disseram que isto é contraditório, mas eu discordo. O que acontece é que o personagem exerce um domínio psicológico sobre os outros, que são suscetíveis a essas crendices – pragas, essas coisas. Zé utiliza este artifício a seu favor.

OUTRA COISA SOBRE O ZÉ DO CAIXÃO É QUE ELE NÃO É BEM UM “CAVALHEIRO”... ELE TORTURA E MALTRATA AS MULHERES. ALGUMA FEMINISTA JÁ QUIS TOCAR FOGO NO SEU CARRO POR CAUSA DISSO?
Ainda não, mas acho que, depois deste novo filme, vou ter problemas com elas. Mas tem uma coisa: o Zé é machista, faz de tudo com as mulheres, mas elas levam a melhor sobre ele. Afinal, o Zé precisa delas para ter o raio do “filho perfeito”.. Depois que ele encontrar a mulher certa, até dará a vida por ela.

EM ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO, VOCÊ REFEZ UMA CENA DE ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER QUE TINHA SIDO CENSURADA NOS ANOS 60...
Na época, eles me obrigaram a mudar tudo. No desfecho da fita, em 30 segundos, Zé se convertia e aceitava a cruz. A cena terminava até com música sacra! Mas, neste filme, refiz a cena como a imaginei nos anos 60. Ele não se converte e até mata o padre com a cruz. O dublê que faz o Zé do Caixão “jovem” em Encarnação é um dos meus fãs nos EUA. Ele veio ao Brasil por conta própria, só para aparecer no filme.

É ENGRAÇADA A PERSEGUIÇÃO AO ZÉ DO CAIXÃO, PORQUE SEU PERSONAGEM MAIS BLASFEMO É FINNIS HOMINIS, UM LOUCO QUE FOGE DO HOSPÍCIO E SE TORNA UM MESSIAS PARA O POVO IGNORANTE.
O Finnis é um louco inconsciente, enquanto o Zé do Caixão é um louco consciente. Quem queria ver esses dois personagens juntos em um mesmo filme era o Glauber Rocha. Eu tenho um roteiro que promove a união dos dois. Quem sabe não fazemos este filme, futuramente? Aliás, considero Finnis Hominis o meu melhor filme.

E O PROJETO DE O DEVORADOR DE OLHOS? HÁ CHANCES DE O FILME SER PRODUZIDO EM BREVE?
Vamos ver o que acontece. Se Encarnação do Demônio for um sucesso, faremos uma continuação, Sete Ventres Para um Demônio.O Devorador de Olhos tem um personagem ainda mais sádico que o Zé. Ele sofre de uma doença que o faz arrancar os olhos de mulheres. Às vezes, com saca-rolhas. É bem violento.

VOCÊ ASSISTE A FILMES DE TERROR?
Não. Meus filhos, às vezes, me falam de alguns filmes, mas não assisto para não dizerem que estou sendo influenciado. Até compararam Encarnação com Jogos Mortais. Mas eu nunca assisti a Jogos Mortais.

QUAL É O SEU FILME DE TERROR PREDILETO?
O Bebê de Rosemary. É uma fita assustadora, sobre uma coisa que pode acontecer. Nunca mais Roman Polanski conseguiu fazer um suspense tão perfeito! Quem sabe, Encarnação do Demônio não incentiva outros diretores do Brasil e da América Latina a realizarem mais fitas do gênero?

VOCÊ PASSOU POR TODAS AS FASES DO CINEMA NACIONAL. EM QUAL DELAS O ZÉ DO CAIXÃO ROGARIA UMA PRAGA?
Cada fase teve suas dificuldades. No passado, se eu não tivesse feito A Sina do Aventureiro, financiado por um sistema de cotas, o cinema talvez tivesse morrido. A Vera Cruz quebrou e, com isso, também a proposta de um cinema industrial. Mas aquele não era o fim. O sistema de cotas foi utilizado por mim, por (Carlos) Reichenbach e por (Rogério) Sganzerla. Depois, passei pelo cinema de sexo explícito pra sobreviver. E agora vivemos “a grande época”. Se bem que é preciso repensar algumas coisas: toda a verba disponível para o cinema, no Brasil, sai para a turma do Rio de Janeiro, o pessoal “Global”. Espero ganhar força com Encarnação, para juntar um grupo de representantes de vários estados e ir falar diretamente com o Lula. Também acho que é preciso um júri para definir a destinação desta verba. Pessoas com talento e histórico, já aposentadas, poderiam compor o júri. E também é importante que os diretores façam filmes para o povo, não para ganhar prêmios. Se ganhei aqueles prêmios em Paulínia, é porque fizemos um belo trabalho. Mas a minha alegria é o povo assistir aos meus filmes e gostar deles.

NÓS, DA REVISTA “ZOOM MAGAZINE”, LHE ROGAMOS UMA PRAGA: QUE ENCARNAÇÃO FAÇA MUITO SUCESSO.
Muito obrigado! Fiquem com Deus.

Artigo originalmente publicado em "ZOOM MAGAZINE", em agosto de 2008



quinta-feira, 9 de maio de 2013

Crônica - Comportamento / Barracos Urbanos



A INVASÃO




Cidadão!

Este é um pronunciamento público e diz respeito a você e a seus familiares.

Não troque de canal, não mude de estação, não desligue o telefone.

Esta frequência é segura, mas estamos sob ocupação já há uma década e, a essas alturas, o inimigo penetrou em nossas trincheiras, se instalou no governo e monopolizou as comunicações.

Agora mesmo, existe o risco desta mensagem ser interceptada...

... ser interceptada...

... ser interceptada...

Aaaaaaaaah... Lelek lek lek lek lek lek lek lek lek lek!

“Esse é o novo passinho / pra geral se amarrar /
Ele é muito maneiro / qualquer um pode mandar!”


* * *

Esqueça os zumbis e os vampiros, meu filho.

O apocalipse bateu à nossa porta, sim, mas não foi do jeito que Hollywood previu. O ano 2000 passou batido por nós e saímos comemorando cedo a catástrofe que nunca aconteceu.

Olha aí: assinamos atestado de otários.

Ligue o rádio, agora mesmo. Veja os modos do seu vizinho. Olha o que está passando na TV. Converse com um professor da rede pública sobre o universo e as perspectivas de seus alunos, peça licença e vá se sentar na calçada. Chore.

Foram os boçais, meu chapa.

Os boçais é que dominaram o mundo.

* * *

Outro dia, eu e a rapaziada da redação fizemos um happy hour no Bar da Imprensa, botequinho familiar e bem ajeitado das redondezas. Sem aviso prévio, o invasor chegou: eram vários. Tomaram conta de uma mesa ao lado, sacaram seus celulares (“Fazer ‘fotinha’! Fazer ‘fotinha’!”), largaram as blusas e as bolsas no chão e o Armaggedon ficou solto.

Ou já estavam bêbados ou tomaram umas e outras via “intravenosa”. Porque, em poucos instantes, todo mundo já estava pra lá de Bagdá. No modo “dançar-sensualizar-destruir”, a mulherada do grupo (nada que se salvasse ali, garanto) começou a se expandir pelo recinto feito massa de pão, usando o seu espaço e os dos outros. Dançaram na calçada – chique! – e o inevitável aconteceu: uma delas, que deveria pesar uns 150 quilos (sem meias e sapatos e em jejum), deu uma bundada nas garrafas e petiscos da mesa, espalhando tudo pelo chão.

“Mano! Põe mais cervêêêêja!”

“Mano! Tira ‘fotinha’!”

“Mano! Que vontade de mijar da porra!”

(Esta era uma das moças).

* * *

A galera do boteco aumentou o tom de voz, pois era impossível qualquer entendimento em meio àquela algazarra. O desconforto piorou quando um dos farofeiros manobrou o carro para a calçada próxima ao bar e PÁ! Ligou a porra do som nas alturas.

A vontade era sair esmurrando, mas um gigante do nosso grupo (meu colega Vitor Giglio, que já jogou rugby e que poderia quebrar suas costelas com um peteleco) manteve a cabeça fria e, com um autocontrole invejável, foi lá parlamentar com eles. A contragosto, os joselitos-sem-noção baixaram a música – pero no mucho. Só reinou a paz, mesmo, quando um garçom veio pedir que o som fosse totalmente desligado, pois os clientes que estavam dentro do restaurante não conseguiam ouvir o show do artista contratado pela casa.

* * *

E é isso.

O cara paga pra tomar um choppinho e ouvir um pouco de MPB e leva um repertório de Funk e de Forró nos ouvidos. Cortesia do babaca-mor da vizinhança, que comprou um kit de som a 400 prestações e (“Câmera em mim! ‘Fotinha’!”) acha que está abafando.

Idiota.

* * *

Que será que aconteceu?

Ainda boto fé no Homem, então, vamos considerar que o joselito-sem-noção (cada vez mais, o protótipo do brasileiro) não tem consciência do que faz... É tudo parte daquela conspiração mencionada lá em cima. Quem sabe, os paraguaios não lançaram algum bacilo ou vírus contagioso e idiotizante em nossa água, transformando o Brasil em uma nação de retardados? Olha, é algo pra gente considerar... Já vi um troço parecido em um filme do George Romero!

Por via das dúvidas, daqui pra frente, vamos observar atentamente os nossos próprios modos em público. Nunca se sabe: nós mesmos podemos já ter bebido a água. Talvez a nossa porção “joselito” esteja incubada e prestes a irromper no mundo. Já pensou?


* * *

Tem que ver isso aí, ó:

SOM: Ninguém precisa escutar o que você gosta de ouvir. Foi pensando nisso que, em 1958, os norte-americanos (ô, raça boa!) inventaram uma coisa chamada “fone de ouvido”, testada e aprovada em países desenvolvidos, mas que já está à venda em qualquer boa loja do ramo do Brasil há um tempão. Experimente: é joia.

FILAS: Tanto quanto a penicilina, elas são um sustentáculo da civilização. Não fure filas. Espere. Pode parecer uma besteira agora, porque você está estressado e não consegue pensar com clareza, mas uma coisa bacana sobre as filas (talvez, a única) é que elas andam. Um passo de cada vez... Devagar... Mas andam.

NEXTEL, SMARTHPHONE E CELULAR: A gente sabe que você está superorgulhoso de si pelo negócio que fechou ontem. A gente também sabe que você ama a Dani, e tudo, mas a real é que ninguém na praça de alimentação, elevador ou banheiro do shopping liga a mínima pra isso. Se o telefone tocar quando você estiver cercado por desconhecidos, baixe a voz para um sussurro e diga: “Dani, gata... Não posso atender agora. Te ligo em dois minutinhos, pode ser? Também te amo, mô.” E daí, atenda a ligação em outro lugar.

ÁLCOOL: Beba, fique alto, toque o terror. Mas não seja idiota. Não é nenhum segredo da CIA que só gente depressiva e fracassada bebe até vomitar. Excesso de euforia pode ser um sinal de que você é um loser – o tipo de informação que é bom guardar pra si, não espalhar pra geral.

FESTA NA RUA: A rua é pública, sim, mas você entendeu tudo errado. O fato de ser pública não significa que a calçada é uma extensão do seu quintal. Quer fazer festa? Faça dentro de casa. Não quer bagunça em casa? Não faça festa. Não sabe respeitar os vizinhos? Alugue uma chácara (de preferência, isolada). Já que a vizinhança não é convidada pra esses barracos que você chama de “festas”, ela não é obrigada a aturar os seus amigos.

LIMITE DE VELOCIDADE 1: Você comprou uma moto que faz 280 km/h? Comprou um carrão turbinado que, quando levado ao limite, rompe a barreira do som? Parabéns! Mas as vias públicas têm limite de velocidade e, no Brasil, são monitoradas com rigidez. Então, é o seguinte: 280 km/h você não vai poder fazer. E pare de colar na traseira do cara da frente! Ele é um cidadão comum, não é filho do Eike Batista (logo, é obrigado a respeitar as leis de trânsito). Por que razão ele deveria andar mais depressa, arriscando-se a levar uma multa? Só pra te fazer feliz? Vá se catar, vacilão.

LIMITE DE VELOCIDADE 2 – A MISSÃO: Supondo que você seja o oposto do babaca aí de cima e goste de passear pela cidade a 20 km/h, mesmo em vias públicas onde a média de velocidade é 60 km/h. Fica a dica: trafegue pela direita. Pra isso serve a direita: pra você tocar o carango tranquilão, ouvindo um CD do Richard Clayderman ou da Enya. Vá na sua, não se apresse – mas também não atrase o próximo. Dependendo do temperamento do “próximo”, a vítima pode ser você.

* * *

E está bom por hoje.

Com jeitinho e com bom-senso, os joselitos não prevalecerão.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

TV - Desastre das Nove



"SALVEM JORGE!"




Novela das oito costuma acabar em casamento. “Salve Jorge” quebrará esta tradição: ao invés de casório, haverá uma avaliação rigorosa de danos e prejuízos.

É que a novela de Gloria Perez está chegando à reta final com o pior Ibope em toda a história da TV Globo na faixa das 21h00. Um feito e tanto, considerando que a emissora vem perdendo progressivamente sua audiência cativa neste horário (nos anos 80, em picos de audiência, as grandes novelas da casa chegavam a 60 pontos; hoje, quando muito, conseguem 30).

Perdeu, Gloria Perez... Perdeu.

* * *

Também, quem manda viajar na maionese?

Como noveleira, Dona Gloria é uma comediante de mão cheia. Chegou a afirmar que os críticos ganhavam propina pra descer a lenha na novela, como se fosse preciso qualquer ajuda externa pra fazer esse Titanic (cada capítulo custa R$ 950 mil) afundar. Na ficção e no mundo real, Gloria Perez delira “forte”. Não tem censo de realidade.

* * *

Antes que o amigo me avacalhe: juro perante a Bíblia que não vejo novela. A menos que a novela seja ruim. Mas eu quero dizer ruim mesmo. Quanto pior, melhor!

Também curto uns programas de auditório ruins – aqueles que promovem encontros românticos entre gente feia ou que discutem temas estranhos (“Transei com minha ovelha”; “amo lamber sabão”; “faço escultura de Bom-Brill”; daí pra baixo). Teste de DNA no Ratinho e programa evangélico com exorcismo ao vivo, então, não perco por nada. Tô dentro!

Mas é raríssimo uma novela da Globo pisar no tomate desse jeito. A emissora carioca tem uma tradição respeitável em folhetins eletrônicos. Vê-la errar tanto em uma novela é tão bom quanto ver o Ridley Scott dirigir uma bomba como “Prometheus”. Não dá pra não ver!

O que é passível de discussão é: como “Salve Jorge” pode ser tão ruim? Eu, que não sou expert no assunto, arrisco uns palpites.

* * *

Pensa que escrever ficção é brinquedo?

Né brinquedo não, muleeeeke!

Tem muito jornalista bom que se embananaria todo se tivesse que escrever um filme, romance ou novela. Pra começar, nada daquilo é verdade – está-se lidando com acontecimentos imaginários, o que facilmente leva à contradição; e se lida com muito mais personagens do que em uma matéria impressa ou televisiva. Ah, e também é preciso pesquisar muito bem os assuntos em pauta, pra não cair no ridículo.

* * *

Dona Gloria acha que é possível escrever sobre a Capadócia (ou sobre os morros cariocas) fazendo pesquisa no Google. Pra você ter uma ideia: o vocabulário estrangeiro de “Salve, Jorge” se resume a Güle Güele (“tchau!”) e AllahAllah (“Ai, meu Deus!”).

E a realidade do morro? A favela fashion da novela lembra o cenário do “Esquenta”: só tem funkeiro “família” e periguete que, apesar de descer até o chão e mostrar a bunda pra geral, está à procura de um grande amor, é “moça pra casar”.

Pior são as bandeiras que “Salve Jorge” levanta (se de propósito ou sem querer, eu não sei). A mais surreal é: “vender o corpo na Capadócia não pode, mas vender o corpo na favela pode, porque isto é Cultura.”

Não sei o que Dona Gloria bebe antes de escrever tanta papagaiada, mas de uma coisa eu sei: quero um gole, meu irmão!

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E também tem os “núcleos”.

A Globo inventou essa moda de “núcleos” pra parecer que suas novelas têm a complexidade das séries que a gente vê na TV por cabo, cheias de personagens e arcos narrativos.

Em “Salve Jorge”, o que não falta é núcleo. Tem o núcleo da favela, o núcleo militar, o núcleo da Capadócia, o núcleo dos ricos abastados, mas infelizes (Zzzzz...) e o núcleo da polícia. Disparado, este último é o melhor: o Rio de Janeiro é uma cidade com seriíssimos problemas de segurança, mas o único caso em andamento na delegacia de Giovanna Antonelli é o de uma favelada chorona que foi obrigada a fazer programa na Capadócia.

A lógica da novela não está nem no núcleo da favela e nem no núcleo da Capadócia.

Está é pra lá de Marrakesh, mesmo.

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Veja bem: eu gosto de filme de lobisomem e sobre viagem no tempo.

Eu estou lendo “Sob a Redoma”, do Stephen King.

Eu era burro em Matemática na escola e bombei duas vezes em Estatística na faculdade.

Que moral eu tenho pra criticar quem assiste novela?

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O que estou dizendo é que, se eu fosse um figurão na dramaturgia da Globo, jamais escalaria a Claudia Raia pra fazer um papel de vilã. Porque a Claudia Raia não é ameaçadora; a Claudia Raia é engraçada.

Jamais aprovaria uma novela cujo mocinho é um babaca de 40 anos de idade que pede qualquer mulher que conheça em casamento (e que prontamente a convida pra ir morar com ele na casa da mãe).

Jamais aprovaria uma novela cuja mocinha se chama “Morena” (Morena do quê? Jambo, Tropicana ou Proibida?) – ainda mais, interpretada por uma “mini-mim” de Solineuza com olhar de Cocker Spaniel abandonado.

E por fim: jamais aprovaria uma novela com a Solineuza em pessoa – de longe a maior arroz-de-festa que o audiovisual brasileiro já conheceu (depois da Camila Pitanga, é claro). Desculpe citar a personagem e não mencionar o nome da atriz.

Não sei como se chama a moça.

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Dizem que as novelas são espelhos fidedignos da autoimagem e das ambições do povo brasileiro em cada momento histórico.

Se isto for verdade, depois de assistir a “Salve Jorge”, estou de malas prontas.

Rumo às colinas!


Crônica - Supermercados, Cafeterias e Aborrecimentos



A POLÍTICA DO MAU ATENDIMENTO




“Algum produto não encontrado, senhor?”

Paro e penso. Se fosse mesmo "pavio-curto", como alguns amigos dizem que sou, responderia: “Sim, dois: boa vontade e profissionalismo.”

Esta pergunta é pró-forma em uma famosa rede de supermercados brasileira. Trata-se de um paradoxo: por um lado, a empresa oferece produtos diferenciados e investe no layout de suas lojas, sempre moderníssimas e elegantes; por outro, o atendimento é péssimo.
 
* * *
 
E acho que isto se estendeu à rede de postos de gasolina do mesmo proprietário, inaugurada há alguns anos: na hora de encher o tanque, a única coisa que não se encontra ali é “gen-gen-gente feliz” (parafraseando um jingle criado para a marca há alguns anos). É comum, nestes empórios turbinados, o cliente se deparar com “caixas rápidos” (só pode ser ironia) lotados de gen-gen-gente infeliz, com carrinhos abarrotados de melancias, fraldas e afins.

Enquanto isso, os “caixas lerdos” (deve ser esta a denominação) se acham às moscas. Quando muito, as atendentes conversam, lixam as unhas ou discutem o capítulo de ontem da novela enquanto o consumidor se descabela e busca uma forma de pagar suas compras e fugir daquele inferno. Quase sempre, é mais difícil fazê-lo do que encontrar a saída do Labirinto de Creta.
 
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Nos postos, é a mesma coisa: em vésperas de feriado, filas de carros se estendem das imediações das bombas ao centro das grandes avenidas. Param o trânsito. Os atendentes, recrutados na mesma instituição mental de onde saem os caixas do supermercado, não têm noção de tempo. Servem um cliente de cada vez, em slow motion. Largam a bomba funcionando, passeiam ao redor dos carros, se entrosam no maior papo... Criar soluções para agilizar o serviço? Nem pensar.

Sequer se dão ao trabalho de nos fazer um “sinalzinho” tranquilizador – muitas vezes, isto já resolve tudo –, dando a entender que, mesmo incompetentes, eles se compadecem de nós (afinal, somos humanos!). “Só um minutinho, chefia”, dizem os frentistas de postos mais simples, sem o pedigree da família Diniz. É muito pedir que os da nova rede decorem esta frase e a recitem com um sorriso no rosto?

Heim? Heim?!
 
* * *

Outra curiosidade sobre os estabelecimentos com o “selo de qualidade” Diniz é que eles são “politicamente corretos”. Sim – as minorias têm empregos em suas lojas e, acredito, também nos postos de gasolina, o que é muito bom (e agora não estou sendo irônico). O café de uma loja que frequento, na Avenida Ricardo Jaffet, por exemplo, se transforma na “gaiola das loucas” depois das 15h00. É engraçadíssimo (agora sim, estou sendo irônico).

O que não é engraçado é que os gays, tanto quanto os heterossexuais, são uns imbecis. Sejam os machões do açougue, sejam as bichinhas que valsam entre o café e o Sushi Bar, todos os funcionários parecem formados na mesma escola da desinformação e da grosseria. Outro dia, uma “biba” indignada não deu pra discutir comigo quando afirmei que não tinha gostado da mudança de posição nas gôndolas? Segundo ela, que vociferava contra a minha ignorância de mãozinhas na cintura, serelepe: "as mudanças atendem aos clientes de bom gosto, senhor!" 

A biba também se inflamou com uma senhora que me deu razão, afirmando que o fato de as prateleiras se encontrarem enviezadas dificultava não só a localização dos produtos, como a locomoção dentro do supermercado. Com a mão na testa, coquete, a bicha nos ignorou e voltou aos seus afazeres. "Afffe!"

Aparentemente, a única exigência primordial para ser funcionário da família Diniz é ser gen-gen-gente imbecil.

Dar ou não a bunda é opcional.

* * *

No fim das contas, talvez tudo isto seja uma estratégia. Veja, por exemplo, o “Franz Café”. Sim – ninguém me tira da cabeça que o mau atendimento no “Franz” é um tipo avançado de estratégia comercial; digamos, um “marketing às avessas”. Os criadores da franquia podem ter descoberto que deixar o cliente ao léu, ou observá-lo a fazer acrobacias mímicas com as mãos enquanto os olhos dos atendentes estrategicamente o evitam, são modos de “fixar” a marca na mente do consumidor.

O atendimento letárgico do “Franz” já virou lenda. Quase não se fala mais do “Chocolate Submarino” (se não me engano, este era o nome do café servido com uma barra de chocolate “Surpresa”, que vinha boiando ludicamente na xícara) ou nas “sopas no pão italiano”: o barato é comentar a lerdeza dos atendentes, invariavelmente, uns indolentes.

* * *

Tomar café no “Franz” se tornou um modo cool de matar o tempo. Sempre vou ao “Franz” quando chego adiantado a uma entrevista ou a um compromisso profissional. Ao invés de esperar na recepção de uma produtora ou emissora de TV, procuro um “Franz” nas imediações, peço um café e me preparo para horas e horas de espera contemplativa na calçada, até que um mísero Espresso chegue à minha mesa. Nesse meio-tempo, crianças nascem, moribundos morrem, golpes de estado derrubam presidentes em nações estrangeiras e a Terra navega pelo espaço, sem pressa...

* * *

Deve ser por isso que as lojas do “Franz” têm aquelas gôndolas cheias de livros; provavelmente, alguém já leu “Guerra e Paz” ou “Moby Dick” na íntegra esperando por um prato mais complicado, como o “Rondelli Quatro Queijos” ou o “Raviolone de Abóbora com Queijo Parmesão”. Se você pedir sobremesa, então, terá tempo para escrever uma monografia sobre o assunto!

* * *

O inverno está chegando. E se você quer emoção e aventuras, sugiro que faça o seguinte: ao invés de gastar seu dinheiro em um tour pelas Serras Gaúchas, vá ao “Franz” mais próximo, escolha uma mesa na calçada, pergunte qual é o prato mais demorado e solicite-o à atendente tapada.

Depois, com um sorriso cínico no rosto, enrole-se em seu cachecol e curta a “viagem”.

Será uma noite longa e fria!


Crônica - Insetos e Esquisitices



"QUE BARATO!"




Foi fuçando casualmente o jornal, em busca de um programinha “light” para o fim de semana, que trombei com a seguinte nota:

“Domingo é o último dia para levar as crianças à corrida de baratas no Instituto Biológico. É uma das atrações do ‘Planeta Inseto’. Criadas com ração especial (como todo puro-sangue), os bichos competem em uma pista especial batizada de ‘Baratódromo’.”

* * *

Qualquer gracinha que o mantenedor deste blog queira fazer daqui para frente não superará a realidade dos fatos – e do próprio texto (suspeito ser a transcrição do primeiro parágrafo de um press release), simplesmente hilariante.

Afinal: por que diabos alguém levaria o filho, em pleno domingo, ao “Planeta Inseto”? Nem o casal Nardoni pensou em algo tão cruel para torturar crianças. Imagine só, na segunda-feira, o papo do guri com os coleguinhas, na fila do colégio:

“_Foi ‘da hora’! Papai e eu fomos ao ‘Planeta Inseto’! Assistimos à final da corrida de baratas! As baratas do ‘Planeta Inseto’ são criadas com ração especial, como os puros-sangues! E vocês sabiam que elas competem em uma pista batizada de ‘Baratódromo’?”

* * *

E eu achava ter sofrido na infância, quando era levado aos chatíssimos desfiles militares de 07 de setembro. Não tinha jeito: eu morava a duas quadras do Campo de Marte, em Santana (Zona Norte de São Paulo). Mesmo que eu não fosse ao desfile, o desfile passava ao lado da minha casa.

Também fui vítima da Ditadura!

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Estou de sacanagem – o Planetário (se é que já consertaram aquela joça), o Instituto Biológico, o Instituto Butantã e o Zoo são locais muito bacanas para levar a garotada. Mas sob um prisma didático. Melhor seria ir com o colégio a esses lugares. Ir com o pai e com a mãe é uma tremenda crocodilagem...

E depois: quem realmente acha que qualquer atividade exercida por baratas possa ser “divertida”? Que catzo interessa o que elas comem? E imagine o fuzuê da mulherada se a vencedora da corrida pular o alambrado e for comemorar a vitória com a torcida?

Pensando bem: não sei quem sofre mais com esse tipo de competição. Se as crianças ou as baratas.

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Expostas a toda sorte de perigos em um mundo de gigantes que as odeiam, as “cascudas” estão sujeitas aos maus-tratos e às ações genocidas dos humanos.

Eu mesmo, aos 12 anos, aniquilei dezenas delas munido de um frasco de Rodox. Descobri que borrifar Rodox no ralo do quintal de casa fazia com que o “inimigo” corresse para o bueiro da rua. Alternando-me entre um posto e outro, tive meu dia de General Custer, espalhando exoesqueletos pela calçada.

Com a idade, fiquei bundão. Hoje, chego ao cúmulo de espantar as baratas com o bico do sapato, conduzindo-as até a porta, ao invés de matá-las. Só extermino uma se não tiver jeito – primeiramente, tento uma negociação de paz.

A barata tem a opção de deixar meu território, onde não é bem-vinda, e ir chatear os meus vizinhos (estará me fazendo um favor), antes de levar um pisão ou uma chinelada. Algumas entendem, outras não – isto define seus destinos. Fato é: a ideia de matar qualquer coisa desnecessariamente, hoje, me parece muito idiota.

Tão ou mais idiota que uma “competição de baratas” no “Planeta Inseto”.


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Ao menos, competições esdrúxulas não são privilégios dos brasileiros. Outros povos as cultuam, o que deve fazer uma barata – se é que este bicho é capaz de qualquer reflexão abstrata – se perguntar de onde veio a denominação “sapiens” que sucede o “homo” em nosso pedigree evolutivo.

Há alguns anos, o terrier “Buddy” foi a atração do “Surf Dog Surf-A-Thon”, realizado nos EUA. É isso aí: trata-se de uma iniciativa do “Centro de Animais Helen Woodward”, na qual cães são mandados para o mar amarrados em pranchas de Surf. Bom, heim?


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Os japoneses também se amarram em uma bizarrice. Talvez seja um efeito-ressaca da bomba atômica, sei lá – mas o senso de humor nipônico desafia a nossa compreensão. Eles riem de tudo o que é terrível.

Há alguns anos, assisti a flashes de um programa de TV local em que os competidores eram enterrados vivos, ficando apenas com as cabeças acima da superfície. Enquanto isso, cães ferozes, de presas arreganhadas, rodeavam os crânios espetados na terra e avaliavam se deveriam começar o banquete pelas orelhas, pelo nariz ou pelos olhos. Tudo muito engraçado, saca?

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Aliás: é política de certas províncias japonesas criar atrações esquisitas para incentivar o turismo. Trata-se de um movimento denominado Chiiki Zukuri, inventado para potencializar a economia dessas cidades.

Um exemplo de asneira inventada pelo “Chiiki Zukuri” é a “Briga de Touros de Okinawa”: 800 animais se enfrentam em combates sangrentos, para apreciação de centenas de espectadores. E você achava que a “Farra do Boi” era coisa de país subdesenvolvido...

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No Japão, também temos a “Corrida de Lulas”. Para participar, basta desembolsar 600 ienes em uma lula e inscrevê-la na competição. Estava pensando em oferecer 1.200 ienes (e uma garrafa de pinga 51) ao “nosso” Lula, pra ver como o presidente se sai em uma competição contra outros cefalópodes. Lula tem grandes chances: que outro exemplar da espécie torce para o Corinthians, tem nove dedos e já foi chamado de “meu homem” por Obama? Não tem pra ninguém, rapaz.

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Pior é quando o homem desempenha o papel das lulas e das baratas.

Proibido na Flórida (EUA) desde 1989, o “campeonato de arremesso de anões” (sic) é um must naquele país. Apesar de pressões exercidas por associação como a Little People of America (LPA), há gente entrando com recursos na Justiça para que o “esporte” volte a ser praticado em bares e universidades. Basicamente, o “arremesso de anões” requer um sujeito grandalhão (no caso, o competidor), devidamente “engraxado” com cerveja Budwiser, e outro “verticalmente prejudicado” (fazendo o papel de disco de freezby).

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De todas as atividades excêntricas que existem por aí, acho que eu teria mais chances no “Torneio de Arremesso de Celular”. A prova foi inventada na Finlândia, em 2000. Os juízes levam em conta não só a distância a que o aparelho é arremessado, mas o modo como o competidor o faz. Quanto mais estilo, melhor.

Sem falsa modéstia: sou um Michael Phelps nessa categoria! Arremessei celulares do alto de prédios (verificando, antes, se a trajetória os levaria a terrenos baldios ou a qualquer área desabitada), paredes de hotéis (a esta distância, eles explodem como fogos de artifício; é lindo) e até de um carro em movimento, em plena Marginal do Tietê.

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Também sou perito em “luta de boxe contra eletrodomésticos” – nocauteei quatro ou cinco videocassetes (alguns nunca se recuperaram, mas aprenderam a não morder minhas fitas) – e em “vale-tudo” contra micro-ondas. E, em tempos anteriores à TV a cabo, desenvolvi uma técnica de “chute circular na antena interna”, último e desesperado recurso quando a palha de aço não conseguia remover os “fantasmas” da imagem. Dificilmente dava resultados. Mas meus amigos adoravam!

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É isso aí: iniciei este post condenando a “corrida de baratas”. Mas, na conclusão, já começo a pensar se não será uma boa ideia...

De racionais e de insanos, todos nós temos um pouco.