PISTOLEIROS SOLITÁRIOS
No meio do meu caminho tem
um nerd. Tem um nerd no meio do meu caminho.
Preciso dele pra postar notícias
e notas nos sites das revistas em que trabalho. E isto lhe dá um certo poder
sobre mim.
Na vida de minhas retinas
fatigadas, nunca me esquecerei que, no meio do meu caminho, tem um nerd.
(...)
Foi mal, Drummond.
* * *
Preciso do nerd porque não
saco nada de Internet. Quer dizer, sei postar asneiras no “Facebook”, sei tirar
meus e-mails, sei navegar em sites de sacanagem. Mas não conheço extensões de
formatos, não sei diferenciar um JPEG de um GIF, não sei qual é a macumba pra
se fazer um upload muito complicado. No jogo da informática, estou sempre no
banco.
E foi por isso que me deram
um nerd de estimação. Ele é a minha ponte para o mundo virtual. Ele é o Robin.
E eu sou o Eduardo, mesmo.
* * *
O nerd simpatiza comigo
porque gosto de cinema e (ai de mim!) aprecio de montão aqueles gêneros em que todo
nerd “pira”: terror, suspense, ficção, filme de pancadaria.
Mas o nerd não entende que
também gosto de comédia romântica. De Gaudi. De filme brasileiro. De comer
churros em manhã de domingo. De Woody Allen. De ler as tirinhas do Calvin. De
Russ Meyer e de Tinto Brass. De abusar do vinho, de vez em quando. De Jerry
Lewis e dos Três Patetas. De namorar em sábado chuvoso. De western italiano. De
decotões e de mulher que deixa rastro de perfume. De “Entre Tapas e Beijos” e
da novela “Renascer”. De sentar em mesa de boteco com um monte de pinguços e
rir e rir e rir.
O nerd é brilhante. Mas tem
coisas que o nerd não entende.
* * *
Na via contrária, também não
entendo o nerd.
Veja só: ele, agora, anda
fascinado com uma coisa chamada “Deep Web” – que, em suas palavras – pausa
dramática, o clarão de um relâmpago no céu, Kabooom! –, é “o lado negro da
Internet”.
OH!
* * *
O nerd acha que, por eu ser
um quarentão e estar meio passado (ao contrário dele, que está na flor da
idade), não tem como eu perceber a relevância dessa incrível descoberta. Ele se
esquece que eu estava lá – que passei pelas BBS, pelas primeiras formatações de
disquete, pela pré-história da informática – enquanto ele ainda mamava no
peito. Ou alimentava o seu primeiro Tamagoshi. Ou assistia aos Teletubbies. Sei
lá.
Pode até ser que, na “Deep
Web”, estejam disponíveis as respostas para todos os enigmas da humanidade,
incluindo a cura do câncer, a concepção do Supla (considere que ele nasceu de
uma relação sexual entre Eduardo e Marta Suplicy e, como eu, admire-se!) e a
verdadeira idade da Susana Vieira.
Mas, do jeito que ele me
apresenta a coisa, tudo me parece ser uma grande bobagem, mesmo. Notei o mesmo
entusiasmo febril nos olhos de pessoas que acreditavam no E.T. Bilu (“Buuuusquem
conhecimeeeento!”), na inocência do Lula e na genialidade de Mallu Magalhães.
* * *
Mas, OK: o nerd me
desencorajou a ir fundo nesse assunto, segundo ele, “para o meu próprio bem”. É
ele quem me adverte: “não entre nesse submundo.” E eu acho que nem poderia,
mesmo, pois, segundo o nerd, nem o Google acessa as páginas negras da “Deep Web”.
Onde, presumo, existem chocantes imagens de estupro, de crianças sendo
molestadas, de rituais satânicos, receitas de canibalismo e a fórmula da bomba
de Cobalto (que, segundo os nerds dos anos 70, poderia ter acabado com a vida
na Terra).
Digo ao nerd que não tenho o
menor interesse em ver essas coisas e ele revira os olhos, condescendente.
Ih, que burro, dá nota zero
pra mim!
* * *
Quando vejo essas pessoas,
me lembro dos Pistoleiros Solitários, daquela série “Arquivo X”. Eles moravam
em um trailer, passavam as noites entrando em sites do governo e, claro, não
comiam ninguém. Mas aquilo era televisão e, nessas circunstâncias, eles podiam
ser heróis.
Penso em dizer ao meu nerd,
qualquer dia, que a “Deep Web” não existe – e mesmo se existir, pra que
chafurdar ainda mais na baixeza humana, se expor a conteúdos que só depõem
contra o nosso status de seres pensantes? Pra que piorar o que virtualmente não
pode ser piorado?
Nerd do “tio”: brinque,
fantasie, sonhe em ser Bond, Jack Bauer ou os heróis de “Game of Thrones”,
porque isto é um escape legítimo e faz bem à pele e ao coração. Mas não se
acostume tanto com este teclado a ponto de perder a sensibilidade do toque.
* * *
O tempo voa mais rápido que
um daqueles caças da “Guerra nas Estrelas”. E a vida, na companhia de gente legal
– e quando se faz coisas legais –
pode ser tão “super” quanto o é na TV ou em uma tela de cinema.
Out there, brother.
The truth is out there.