quinta-feira, 6 de junho de 2013

Crônica - Os nerds e a "Deep Web"



PISTOLEIROS SOLITÁRIOS




No meio do meu caminho tem um nerd. Tem um nerd no meio do meu caminho.

Preciso dele pra postar notícias e notas nos sites das revistas em que trabalho. E isto lhe dá um certo poder sobre mim.

Na vida de minhas retinas fatigadas, nunca me esquecerei que, no meio do meu caminho, tem um nerd.

(...)

Foi mal, Drummond.

* * *

Preciso do nerd porque não saco nada de Internet. Quer dizer, sei postar asneiras no “Facebook”, sei tirar meus e-mails, sei navegar em sites de sacanagem. Mas não conheço extensões de formatos, não sei diferenciar um JPEG de um GIF, não sei qual é a macumba pra se fazer um upload muito complicado. No jogo da informática, estou sempre no banco.

E foi por isso que me deram um nerd de estimação. Ele é a minha ponte para o mundo virtual. Ele é o Robin.

E eu sou o Eduardo, mesmo.

* * *

O nerd simpatiza comigo porque gosto de cinema e (ai de mim!) aprecio de montão aqueles gêneros em que todo nerd “pira”: terror, suspense, ficção, filme de pancadaria.

Mas o nerd não entende que também gosto de comédia romântica. De Gaudi. De filme brasileiro. De comer churros em manhã de domingo. De Woody Allen. De ler as tirinhas do Calvin. De Russ Meyer e de Tinto Brass. De abusar do vinho, de vez em quando. De Jerry Lewis e dos Três Patetas. De namorar em sábado chuvoso. De western italiano. De decotões e de mulher que deixa rastro de perfume. De “Entre Tapas e Beijos” e da novela “Renascer”. De sentar em mesa de boteco com um monte de pinguços e rir e rir e rir.

O nerd é brilhante. Mas tem coisas que o nerd não entende.

* * *

Na via contrária, também não entendo o nerd.

Veja só: ele, agora, anda fascinado com uma coisa chamada “Deep Web” – que, em suas palavras – pausa dramática, o clarão de um relâmpago no céu, Kabooom! –, é “o lado negro da Internet”.

OH!

* * *

O nerd acha que, por eu ser um quarentão e estar meio passado (ao contrário dele, que está na flor da idade), não tem como eu perceber a relevância dessa incrível descoberta. Ele se esquece que eu estava lá – que passei pelas BBS, pelas primeiras formatações de disquete, pela pré-história da informática – enquanto ele ainda mamava no peito. Ou alimentava o seu primeiro Tamagoshi. Ou assistia aos Teletubbies. Sei lá.

Pode até ser que, na “Deep Web”, estejam disponíveis as respostas para todos os enigmas da humanidade, incluindo a cura do câncer, a concepção do Supla (considere que ele nasceu de uma relação sexual entre Eduardo e Marta Suplicy e, como eu, admire-se!) e a verdadeira idade da Susana Vieira.

Mas, do jeito que ele me apresenta a coisa, tudo me parece ser uma grande bobagem, mesmo. Notei o mesmo entusiasmo febril nos olhos de pessoas que acreditavam no E.T. Bilu (“Buuuusquem conhecimeeeento!”), na inocência do Lula e na genialidade de Mallu Magalhães.

* * *

Mas, OK: o nerd me desencorajou a ir fundo nesse assunto, segundo ele, “para o meu próprio bem”. É ele quem me adverte: “não entre nesse submundo.” E eu acho que nem poderia, mesmo, pois, segundo o nerd, nem o Google acessa as páginas negras da “Deep Web”. Onde, presumo, existem chocantes imagens de estupro, de crianças sendo molestadas, de rituais satânicos, receitas de canibalismo e a fórmula da bomba de Cobalto (que, segundo os nerds dos anos 70, poderia ter acabado com a vida na Terra).

Digo ao nerd que não tenho o menor interesse em ver essas coisas e ele revira os olhos, condescendente.

Ih, que burro, dá nota zero pra mim!

* * *

Quando vejo essas pessoas, me lembro dos Pistoleiros Solitários, daquela série “Arquivo X”. Eles moravam em um trailer, passavam as noites entrando em sites do governo e, claro, não comiam ninguém. Mas aquilo era televisão e, nessas circunstâncias, eles podiam ser heróis.

Penso em dizer ao meu nerd, qualquer dia, que a “Deep Web” não existe – e mesmo se existir, pra que chafurdar ainda mais na baixeza humana, se expor a conteúdos que só depõem contra o nosso status de seres pensantes? Pra que piorar o que virtualmente não pode ser piorado?

Nerd do “tio”: brinque, fantasie, sonhe em ser Bond, Jack Bauer ou os heróis de “Game of Thrones”, porque isto é um escape legítimo e faz bem à pele e ao coração. Mas não se acostume tanto com este teclado a ponto de perder a sensibilidade do toque.

* * *

O tempo voa mais rápido que um daqueles caças da “Guerra nas Estrelas”. E a vida, na companhia de gente legal – e quando se faz coisas legais – pode ser tão “super” quanto o é na TV ou em uma tela de cinema.

Out there, brother.

The truth is out there.