quinta-feira, 23 de maio de 2013

Crônica - Music and Me



"PLAY IT AGAIN, GOD!"





A vida da gente tem trilha sonora, e isto é bom. O que não é bom é que só conhecemos a trilha sonora de nossa vida quando é tarde demais. Estamos aqui para viver papéis – quem dirige o filme (e ataca de DJ) é o Sr.Acaso, a Lei das Probabilidades ou Deus. Se é que existe Deus.

Antes fosse diferente: se tivéssemos o roteiro em mãos (ou, em uma metáfora mais adequada, a playlist do show), não sairíamos por aí torcendo o nariz para qualquer música. Não rejeitaríamos gêneros ou artistas. Talvez fôssemos melhores ouvintes do que costumamos ser.

E nunca, jamais julgaríamos.

Vai que... Né?

* * *

Lá para frente, esta ou aquela música “cafona” talvez venha a nos representar, torne-se a síntese de momentos importantes, adquira um significado análogo a uma parte de nossa história. Não existe unanimidade e aposto meu fígado (que está em bom estado, ao contrário do pulmão) que, em 1792, houve quem achasse a Marselhesa um tremendo abacaxi. Quem poderia saber, na época, que ela representaria a Revolução Francesa para sempre? E tão bem?

Veja o Humphrey Bogart naquele filme, “Casablanca”: ele odiava “As Time Goes By”, mas só porque a música estava inexoravelmente ligada ao seu destino.

* * *

Assistindo a um trecho de uma nova série da TV Globo – "Pé na Cova", com Miguel Falabella – tive um revival imediato do Terceiro Grau ao escutar, pela primeira vez em 20 anos (ou mais), “Let the River Run”, uma canção melosa do início dos anos 90. Eu a conhecia bem – lera a bula do “xarope” muito tempo atrás. Naquela época, a música foi tema de um filme com Sigourney Weaver (“Uma Secretária de Futuro”), que eu não assisti, mas que ganhou um Oscar e teve notoriedade suficiente para se fazer notar. O refrão era assim:

“Let the river run,
let all the dreamers
wake the nation
Come, the New Jerusalem”

Eu deveria ter gostado, então, pois era uma música de Carly Simon – que, como qualquer cinéfilo medianamente letrado sabe, também interpretou um dos temas mais famosos da série 007, “Nobody Does it Better” (do filme “O Espião que me Amava”). Mas naquele tempo, não gostei. Ouvia a música ad nauseam no rádio do carro do meu irmão, indo para a faculdade, todas as noites. "Let the River Run" ganhou a "cara" da época. E aquela, para mim, foi uma época cinza. Não uma época negra, veja bem– mas cinza.

* * *

Por que, então, meu coração bateu forte quando a escutei novamente, duas décadas depois, algumas horas atrás, displicentemente deitado no sofá do meu apartamento? Ora – porque, a essas alturas, devo estar na metade do livro que conta a minha história. E consigo colocar quase tudo em perspectiva, até aqueles primeiros e claudicantes capítulos.

Qualquer boa história parte de um prólogo sem contexto; qualquer boa narrativa tem momentos insossos; e até a melhor das canções tem uma estrofe da qual ninguém se lembra direito... Porém, excluí-las da obra final é descontextualizá-la, é arruiná-la dramaticamente. Até a estrofe ou capítulo mais recalcitrante tem relevância na trajetória que conduz ao clímax.

* * *

Então, “Let the River the Run” talvez seja uma boa metáfora do que foi ser jovem, para mim. Como aquela música apoteótica (e um pouco cafona, sim), que não fui capaz de apreciar na época, ter vinte e poucos anos é uma dádiva ingrata. Não existe tempo mais lírico e cheio de sabores do que este. Não se experimenta mais emoção, antes ou depois. Jamais se viverá tão perigosa ou ardentemente. O que sobrevém a este período costuma ser melhor (se você der sorte), mas dificilmente será tão memorável.

Infelizmente, a regra é que, na juventude, estamos tão confusos e preocupados em nos destacar que não reparamos nas nuances e na beleza simples de uma composição. Queremos ser relevantes, temos sede de sermos críticos e caímos em uma armadilha – vemos apenas o que achamos que deveríamos ver; o que achamos que seria inteligente ver. Não notamos, sequer, que o cinza é uma ilusão de óptica; que o cinza, a rigor, não existe. É um logro, um amálgama de brancos e de pretos, de luz e de sombras. No entanto, é outra regra que só percebemos isto quando ficamos maduros. Assim, não há muito a se fazer.

Exceto, claro, tirar vantagem do mundo randômico onde vivemos, no qual o passado e o presente se conectam a um clique do mouse.

* * *

Baixei “Let the River Run” na Internet.

Amanhã, vou escutá-la no som do carro.

Desta vez, sem medo de ser feliz.

P.S.: Eu queria registrar que esta série, “Pé na Cova”, é um horror. Mas, claro, esta é só a minha opinião no momento. Nem imagino o que vou achar amanhã.