CITAR É PRECISO!
Meu novo passatempo no Facebook é atribuir frases de efeito
a pessoas ilustres que nunca as disseram. Taí: essa é minha vingança contra o
excesso de citações atribuídas a Clarice Linspector e Bob Marley que
diariamente pipocam nas redes sociais. Clarice e Bob Marley estão se virando
nos túmulos por causa do Google e da “Revista Caras”. Mas como isso aconteceu?
Ora: feita “por” e “para” gente tapada, a “Revista Caras”
começou com essa moda de publicar citações de famosos fora de contexto. Desse
modo, suas leitoras mentecaptas poderiam fingir ser inteligentes em brunchs,
happy hours e afins, destilando pérolas de cultura enquanto besuntavam uma
torrada com requeijão ou, sei lá, ajeitavam o mega hair com um menear de
cabeça.
E o que o Google tem a ver com isso? Ora: onde diabos você
acha que pessoas pouco imaginativas (contratadas ou não da “Revista Caras”)
encontram tais frases de efeito?
Em um livro é que não é!
* * *
Indiscutivelmente, o Google é um tipo de deus pagão onisciente
e onipresente. Pena que vive chapado! Pense em Zeus cheirando uma carreirinha.
Taí – esse é o Google.
Com sua prodigiosa memória, o buscador tem o poder de
acondicionar, por anos, palavras há muito lançadas ao vento e materializá-las
bem à sua frente em dois passos (“procurar” e “carregar página”). Também pode
ensiná-lo a fazer pontos-cruz, consertar vazamentos ou construir uma bomba
atômica (desde que você adquira plutônio no Mercado Livre).
* * *
Infelizmente, o Google não sabe contextualizar nada – de
fato, esta nem é sua obrigação. Porém, aí é que está: junte um deus sem noção e
hordas de fiéis desprovidos de senso crítico e o Apocalipse se torna apenas uma
questão de tempo.
Nos hilariantes desvãos da Internet, tenho a impressão de
que Bob Marley já opinou sobre tudo – do corte de cabelo da Dilma às condições
sub-humanas de Bangu 2. Não é culpa do Bob, claro – o homem está morto há anos.
As pessoas é que saem atribuindo a ele todo tipo de aforismo. Quando o Bob não
está disponível, vão amolar a Clarice Linspector (1920-1977), que, claro está,
também não se acha mais em condições de advogar em causa própria.
* * *
Se os mortos são vilipendiados pelo Google e o Facebook,
imagine o que acontece com os vivos (aos quais, tradicionalmente, não se
dispensa a mesma deferência concedida a quem já partiu)? Arnaldo Jabor,
tadinho, que o diga: não adianta o comentarista jurar de pés juntos (seja por
meio do jornal impresso ou da TV) que nunca, never, jamé emitiu esta ou aquela
opinião sobre tiazinhas gordas, falta de autoestima ou relacionamentos
amorosos. Frases a ele atribuídas (que, de fato, não são dele) continuam a
invadir nossos e-mails e profiles.
Chegou um ponto em que o Arnaldo se tornou dois Arnaldos: um
é ele mesmo – aquele que o articulista vê todos os dias no banheiro, peladão ou
arreganhando os dentes para checar a eficácia de um novo creme dental
clareador; o outro é o das citações indevidas. Um Arnaldo “virtual”, que não
tem R.G., jamais dirigiu um filme (nesse ponto, é preciso dar algum crédito ao
Jabor imaginário!) e que só existe no pensamento de hordas de néscios
digitalmente “inclusos”.
* * *
Ao menos, Arnaldo Jabor tem um precedente histórico de
vulto: algumas correntes de pensamento afirmam que Sócrates – não o grande
jogador do Corinthians, que Deus o tenha; o outro Sócrates, grego de nascença e
pensador de profissão – jamais existiu. Ele teria sido uma invenção de seus
discípulos, um tipo de “avatar”, uma idealização do pensamento humano.
O que quer dizer o seguinte: se aqueles gregos folgazões
(que passavam o dia enrolados em togas a brincar com os "pipis" uns
dos outros) não estivessem tão ocupados fazendo mind games com a humanidade, o
Facebook, o Google e o Twitter teriam sido inventados dois mil e quatrocentos
anos atrás.
Não quero nem imaginar o que teria sido do mundo em face
dessa aterradora possibilidade.