quarta-feira, 24 de abril de 2013

Crônica - Internet / Cultura Pop



CITAR É PRECISO!




Meu novo passatempo no Facebook é atribuir frases de efeito a pessoas ilustres que nunca as disseram. Taí: essa é minha vingança contra o excesso de citações atribuídas a Clarice Linspector e Bob Marley que diariamente pipocam nas redes sociais. Clarice e Bob Marley estão se virando nos túmulos por causa do Google e da “Revista Caras”. Mas como isso aconteceu?

Ora: feita “por” e “para” gente tapada, a “Revista Caras” começou com essa moda de publicar citações de famosos fora de contexto. Desse modo, suas leitoras mentecaptas poderiam fingir ser inteligentes em brunchs, happy hours e afins, destilando pérolas de cultura enquanto besuntavam uma torrada com requeijão ou, sei lá, ajeitavam o mega hair com um menear de cabeça.

E o que o Google tem a ver com isso? Ora: onde diabos você acha que pessoas pouco imaginativas (contratadas ou não da “Revista Caras”) encontram tais frases de efeito?

Em um livro é que não é!

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Indiscutivelmente, o Google é um tipo de deus pagão onisciente e onipresente. Pena que vive chapado! Pense em Zeus cheirando uma carreirinha. Taí – esse é o Google.

Com sua prodigiosa memória, o buscador tem o poder de acondicionar, por anos, palavras há muito lançadas ao vento e materializá-las bem à sua frente em dois passos (“procurar” e “carregar página”). Também pode ensiná-lo a fazer pontos-cruz, consertar vazamentos ou construir uma bomba atômica (desde que você adquira plutônio no Mercado Livre).

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Infelizmente, o Google não sabe contextualizar nada – de fato, esta nem é sua obrigação. Porém, aí é que está: junte um deus sem noção e hordas de fiéis desprovidos de senso crítico e o Apocalipse se torna apenas uma questão de tempo.

Nos hilariantes desvãos da Internet, tenho a impressão de que Bob Marley já opinou sobre tudo – do corte de cabelo da Dilma às condições sub-humanas de Bangu 2. Não é culpa do Bob, claro – o homem está morto há anos. As pessoas é que saem atribuindo a ele todo tipo de aforismo. Quando o Bob não está disponível, vão amolar a Clarice Linspector (1920-1977), que, claro está, também não se acha mais em condições de advogar em causa própria.

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Se os mortos são vilipendiados pelo Google e o Facebook, imagine o que acontece com os vivos (aos quais, tradicionalmente, não se dispensa a mesma deferência concedida a quem já partiu)? Arnaldo Jabor, tadinho, que o diga: não adianta o comentarista jurar de pés juntos (seja por meio do jornal impresso ou da TV) que nunca, never, jamé emitiu esta ou aquela opinião sobre tiazinhas gordas, falta de autoestima ou relacionamentos amorosos. Frases a ele atribuídas (que, de fato, não são dele) continuam a invadir nossos e-mails e profiles.

Chegou um ponto em que o Arnaldo se tornou dois Arnaldos: um é ele mesmo – aquele que o articulista vê todos os dias no banheiro, peladão ou arreganhando os dentes para checar a eficácia de um novo creme dental clareador; o outro é o das citações indevidas. Um Arnaldo “virtual”, que não tem R.G., jamais dirigiu um filme (nesse ponto, é preciso dar algum crédito ao Jabor imaginário!) e que só existe no pensamento de hordas de néscios digitalmente “inclusos”.

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Ao menos, Arnaldo Jabor tem um precedente histórico de vulto: algumas correntes de pensamento afirmam que Sócrates – não o grande jogador do Corinthians, que Deus o tenha; o outro Sócrates, grego de nascença e pensador de profissão – jamais existiu. Ele teria sido uma invenção de seus discípulos, um tipo de “avatar”, uma idealização do pensamento humano.

O que quer dizer o seguinte: se aqueles gregos folgazões (que passavam o dia enrolados em togas a brincar com os "pipis" uns dos outros) não estivessem tão ocupados fazendo mind games com a humanidade, o Facebook, o Google e o Twitter teriam sido inventados dois mil e quatrocentos anos atrás.

Não quero nem imaginar o que teria sido do mundo em face dessa aterradora possibilidade.