BIG IN JAPAN
Almoçava eu no boteco da esquina quando a velha TV Phillips do estabelecimento foi invadida por atléticos heróis usando uniformes justinhos – eu os definiria como um meio-termo entre uma roupa de balé e um traje de mergulho. Rááá! Rúúú! Ióóóóóóó! Pelos gritos e movimentos frenéticos, logo percebi que eram japoneses, embora usassem aqueles elmos futuristas para manter em segredo suas identidades.
Eram os Power Rangers, claro! Não são da minha época (sou
mais contemporâneo do Ultraman e do Ultra-Seven), mas quem não conhece os Power
Rangers? Eles estão em qualquer saldão de brinquedos no centro da cidade, em
promoções inseridas em embalagens de gomas de mascar e – dia sim, dia não – em
reprises da TV aberta.
São recicláveis como o lixo moderno e suas roupas têm as
mesmas cores dos cestos seletivos contemporâneos: azul (papel/papelão), amarelo
(metal), verde (vidro) e marrom (restos orgânicos). Nada mais moderno e
paradoxalmente anacrônico, portanto, que um super-herói japonês!
* * *
Desde a minha infância os super-heróis japoneses levam a
fama de fodões, mas quer saber? Eles nada seriam sem seus super-inimigos –
aquelas aberrações que vinham de nebulosas ou galáxias desconhecidas (ou,
quando o orçamento da série não permitia tamanha extravagância, do laboratório
de algum cientista maluco a quem negaram um Prêmio Nobel ou verbas para
experimentos militares). Com uma e outra variação no currículo, todos os
“Doutores Goris” e “Karras” do mundo são assim.
Digo que os heróis nipônicos devem sua glória aos vilões
porque, no fim das contas, não lembramos dos nomes de batismo, pratos
prediletos ou signos astrológicos dos Ultramen, Ultra-Sevens e Power Rangers da
vida. Só sabemos que eles eram os caras de collant, máscaras de Carnaval e
abdomes definidos. Em contrapartida, lembramos dos trejeitos e até das frases
de efeito dos vilões. “ZEEEERROOOOO!”, gritava o arquiinimigo do Fantomas,
célebre cartoon japonês exibido nos anos 70.
“ZEEEERROOOOO!” – também gritávamos nós, sempre que um
colega era pego colando e tinha a prova confiscada, sendo sumariamente
condenado à recuperação.
TV é cultura, meu irmão!
* * *
O pouco que vi deste episódio dos Power Rangers mostrou-me
que os filmes de monstros japoneses continuam fiéis a si mesmos, resistindo heroicamente
à onda de efeitos especiais “moderninhos”.
Os produtores de hoje poderiam usar recursos de modelagem 3D
triviais para compor criaturas razoavelmente verossímeis. Mas o fato é que os
monstros destes filmes ainda são toscos e desengonçados – exatamente como eram
em minha infância. É isso aí: o autêntico monstro japonês tem que ter zíper nas
costas e movimentos letárgicos, tipo aqueles bonecões de Olinda ou Joões-Bobos
que chamam a freguesia nas portas das borracharias. O bicho tem que ser falso –
senão não é monstro japonês!
Outra tradição mantida desde aquele tempo é a pronta
identificação que o monstro causa na população de Tóquio, tão logo emerge da
baía soltando raios psicodélicos pelas ventas e derrubando prédios de papelão.
“É o terrível Godzilla!”, gritam os populares a caminho do
metrô, como se tivessem visto o Ozzy Osbourne fazendo compras em Midtown. Ou:
“Oh, não! É o poderoso Mothra! Os testes nucleares o acordaram! Corramos para
os abrigos subterrâneos!”
Ou seja: a aparição “surpreendente” do monstro nunca é “tão
surpreendente assim”. O monstro é um velho conhecido da vizinhança. Cada novo
ataque a Tóquio é apenas a mais nova turnê do “astro”. Francamente, não me
surpreenderia se, antes de um novo strike contra o Japão, Rodan ou Ghidorah
(eis aí outra convenção “imexível” do gênero: os monstros japoneses sempre têm
nomes que lembram remédios para o fígado) explicassem pacientemente suas
más-intenções por meio de uma coletiva de imprensa.
* * *
Veja, não estou minimizando o rico folclore destas
criaturas. Sei que os monstros japoneses – ao menos os originais, que
inspiraram os incontáveis Ultramen e Ultra-Sevens que vieram depois – eram
metáforas da bomba atômica (usada militarmente contra o Japão no ápice da
Segunda Guerra). Tais filmes carregam, portanto, uma simbologia válida e muito
interessante.
Mas é divertido rir deles hoje em dia – até porque me
tiravam o sono quando eu usava calças curtas.
E depois: considerando a onda de remakes que assola o cinema
americano há uma década e trá-lá-lá, é um alívio constatar que, no Japão,
certos sustentáculos continuam em seus devidos lugares. Que venham os
terremotos, vazamentos nucleares ou o terrível Mothra (pausa dramática...
exclamação).
Os japoneses não se rendem fácil!