O HOMEM SÓ
O programa Larica Total (um estranho cruzamento de TV Pirata
e A Cozinha Maravilhosa da Ofélia) é atualmente uma das grandes diversões do
mantenedor deste blog. Descobri esta atração (exibida no Canal Brasil) há cerca
de três anos, época em que namorava. Se eu gostava de acompanhar as desventuras
do solteirão vivido pelo ator Paulo Tiefenhaler (que, em um apartamento
infecto, inventa receitas para lá de estapafúrdias com sobras de comida)
naquelas circunstâncias, imagine hoje, quando vivo só.
Sim – porque contrariando Darwin, ouso dizer que o homem
opera em dois módulos evolutivos distintos (alternando-se entre um e outro ao
longo da vida): selvagem ou comprometido.
* * *
Contando apenas consigo, o selvagem não tem ciclos de
acasalamento programados (um privilégio do homem comprometido; talvez o único,
afirmam algumas correntes de pensamento). Guerreiro, precisa mentir, fazer bico
doce ou investir em carros e aparelhagens de som da pesada para conquistar suas
parceiras e espalhar sua semente. Vive aquela eterna incerteza: "será que
os deuses me presentearão com uma 'motelada' no próximo sábado?" Afinal,
profissionais de sexo “fora”, o futuro (infelizmente) a Deus pertence.
Mas a questão do sexo não é o tópico primordial (esta
necessidade fisiológica, por curtos períodos de tempo, pode ser sublimada pelo
Campeonato Paulista, uma coleção de selos ou o canal Sexy Hot). Difícil, mesmo,
é viver civilizadamente sem uma mulher ao lado.
Sim – nós dividimos o átomo e conquistamos o Everest. Mas sejamos
francos: somos incapazes de arrumar nossas camas todos os dias; colocar o lixo
pra fora com regularidade; ou organizar um brunch para os amigos que não se
resuma a salgadinhos “Torcida” ou (se você for um cara sofisticado!) batatas
“Pringles” sabor Select Gourmet.
E é aí que entram as mulheres...
* * *
Um choque que todo homem experimenta ao ir morar sozinho é
descobrir que suas cuecas e meias, displicentemente largadas no chão antes do
banho matinal, permanecem no mesmo lugar e posição quando ele retorna do
trabalho para casa, à noite.
De repente percebemos que essas coisas não são
biodegradáveis; não retornam aos seus elementos e “desaparecem” na natureza
quando deixamos de olhar para elas. Batizei o fenômeno de “o levante das
cuecas”. De uma hora para outra elas deixam de ser as melhores amigas de suas
partes pudendas e demandam que você se ajoelhe, que tenha a decência de
catá-las e conduzi-las ao roupeiro. É uma humilhação!
Falando em roupeiro: comprei um modelo incrível para meu
apartamento. É grande, feito de plástico e tem capacidade para abrigar uma Hong
Kong de cuecas. Mas, como não tenho máquina de lavar (recorro a métodos
alternativos para mantê-las limpas; lavanderias terceirizadas, a casa de minha
mãe etc.), o roupeiro se imbuiu de um estranho peso moral, normalmente não
encontrado em objetos inanimados.
O roupeiro me culpa, me cobra. Parece agitar o dedinho
energicamente sobre o relógio, impaciente, me lembrando: “estou cheio há quatro
dias, você precisa me esvaziar, você precisa lavar suas roupas!” O maldito me
assombra como aquele coelho estressado que "pilhava” a Alice do País da
Maravilhas. Além do mais, quando está cheio, parece-me hostil, agressivo.
Tenho medo que ele me ataque.
* * *
O lixo é outra questão complicada. Cheguei à conclusão de
que a indústria faturaria os tubos se projetasse e vendesse sacos de lixo com
“fundo falso”. Sabe como é: para nos dar a impressão de que sua durabilidade é
maior.
É um porre chegar em casa na “madruga” de sábado, ficar à
vontade e, então, ter que calçar novamente sapatos e meias – após descobrir que
o cesto está prestes a transbordar (bastando, para isso, adicionar àquela
confusão toda uma carteira vazia de Marboro box). A lixeira do prédio parece
mais longe de madrugada. E não me pergunte a razão. Certas coisas a gente
simplesmente tem que aceitar.
* * *
E ainda há o problema da cama...
Veja: sou um sujeito higiênico. Até aceito dormir no meio da
sujeira se não houver alternativa, mas, em circunstâncias normais, não admito
poeira, restos de comida ou embalagens vazias de biscoitos no sacrossanto lugar
onde descanso meu esqueleto. Não obstante, sejamos francos: que homem solteiro
arruma imaculadamente a própria cama todos os dias, com exceção do Padre
Marcelo?
O homem é um ser prático – e práticos são seus processos.
Pra que arrumar a cama todos os dias se nem sempre dormimos acompanhados? Eu,
por exemplo, fiz dos meus lençóis e edredons autênticos origamis. Meus métodos
para reorganizar dobras de pano e reinventar o posicionamento de travesseiros
superam a mais fértil imaginação. Convenço-me de que estou dormindo em uma cama
perfeitamente arrumada e – PIMBA! Durmo com a sensação de que sou um hóspede do
Buckingham Palace. Está tudo na mente, campeão. Você só precisa acreditar.
A ingrata tarefa de desencostar a cama da parede e arrumá-la
de fato só deve ser levada a cabo em casos extremos. Ou seja: quando você puxar
o lençol para cobrir o ombro e, estranhamente, descobrir a nuca ou o cotovelo.
Isto é sinal de que a roupa de cama atingiu um tamanho grau de desordem que há
o risco de você morrer enforcado durante o sono. Aí sim, é hora de agir!
* * *
Felizmente, tenho a Alaíde.
Alaíde é a diarista que torna o meu “cafofo” genuinamente
habitável de quinze em quinze dias. Alguns seguem o Alcorão. Outros, o Novo
Testamento.
Eu sigo a Alaíde.
Se a Alaíde disser: “preciso de cândida e de mais perfex!”,
lá estou eu, obediente, na fila do supermercado. É um filme sobre mim – mas,
paradoxalmente, sou um figurante, cabendo à Alaíde o papel principal.
* * *
No último domingo, em um momento Larica Total, vi-me
almoçando três pedaços de pizza que haviam sobrado do sábado retrasado.
Antes de uma refeição, o homem casado encara o prato de
comida e filosofa: “Este linguado combina melhor com vinho branco ou tinto?”
São outras as angústias de um homem solteiro.
Em um domingão sombrio, descalço e prestes a almoçar na
beira da pia, ele respira fundo e se pergunta: “Será que essa coisa que acabou
de sair da minha geladeira pode me matar?”
Alaíde, Alaíde. Olhai por mim!