quarta-feira, 24 de abril de 2013

Crônica - Vida de Solteiro



O HOMEM SÓ




O programa Larica Total (um estranho cruzamento de TV Pirata e A Cozinha Maravilhosa da Ofélia) é atualmente uma das grandes diversões do mantenedor deste blog. Descobri esta atração (exibida no Canal Brasil) há cerca de três anos, época em que namorava. Se eu gostava de acompanhar as desventuras do solteirão vivido pelo ator Paulo Tiefenhaler (que, em um apartamento infecto, inventa receitas para lá de estapafúrdias com sobras de comida) naquelas circunstâncias, imagine hoje, quando vivo só.    

Sim – porque contrariando Darwin, ouso dizer que o homem opera em dois módulos evolutivos distintos (alternando-se entre um e outro ao longo da vida): selvagem ou comprometido.

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Contando apenas consigo, o selvagem não tem ciclos de acasalamento programados (um privilégio do homem comprometido; talvez o único, afirmam algumas correntes de pensamento). Guerreiro, precisa mentir, fazer bico doce ou investir em carros e aparelhagens de som da pesada para conquistar suas parceiras e espalhar sua semente. Vive aquela eterna incerteza: "será que os deuses me presentearão com uma 'motelada' no próximo sábado?" Afinal, profissionais de sexo “fora”, o futuro (infelizmente) a Deus pertence.

Mas a questão do sexo não é o tópico primordial (esta necessidade fisiológica, por curtos períodos de tempo, pode ser sublimada pelo Campeonato Paulista, uma coleção de selos ou o canal Sexy Hot). Difícil, mesmo, é viver civilizadamente sem uma mulher ao lado.

Sim – nós dividimos o átomo e conquistamos o Everest. Mas sejamos francos: somos incapazes de arrumar nossas camas todos os dias; colocar o lixo pra fora com regularidade; ou organizar um brunch para os amigos que não se resuma a salgadinhos “Torcida” ou (se você for um cara sofisticado!) batatas “Pringles” sabor Select Gourmet.

E é aí que entram as mulheres...

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Um choque que todo homem experimenta ao ir morar sozinho é descobrir que suas cuecas e meias, displicentemente largadas no chão antes do banho matinal, permanecem no mesmo lugar e posição quando ele retorna do trabalho para casa, à noite.

De repente percebemos que essas coisas não são biodegradáveis; não retornam aos seus elementos e “desaparecem” na natureza quando deixamos de olhar para elas. Batizei o fenômeno de “o levante das cuecas”. De uma hora para outra elas deixam de ser as melhores amigas de suas partes pudendas e demandam que você se ajoelhe, que tenha a decência de catá-las e conduzi-las ao roupeiro. É uma humilhação!

Falando em roupeiro: comprei um modelo incrível para meu apartamento. É grande, feito de plástico e tem capacidade para abrigar uma Hong Kong de cuecas. Mas, como não tenho máquina de lavar (recorro a métodos alternativos para mantê-las limpas; lavanderias terceirizadas, a casa de minha mãe etc.), o roupeiro se imbuiu de um estranho peso moral, normalmente não encontrado em objetos inanimados.

O roupeiro me culpa, me cobra. Parece agitar o dedinho energicamente sobre o relógio, impaciente, me lembrando: “estou cheio há quatro dias, você precisa me esvaziar, você precisa lavar suas roupas!” O maldito me assombra como aquele coelho estressado que "pilhava” a Alice do País da Maravilhas. Além do mais, quando está cheio, parece-me hostil, agressivo.

Tenho medo que ele me ataque.
          
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O lixo é outra questão complicada. Cheguei à conclusão de que a indústria faturaria os tubos se projetasse e vendesse sacos de lixo com “fundo falso”. Sabe como é: para nos dar a impressão de que sua durabilidade é maior.

É um porre chegar em casa na “madruga” de sábado, ficar à vontade e, então, ter que calçar novamente sapatos e meias – após descobrir que o cesto está prestes a transbordar (bastando, para isso, adicionar àquela confusão toda uma carteira vazia de Marboro box). A lixeira do prédio parece mais longe de madrugada. E não me pergunte a razão. Certas coisas a gente simplesmente tem que aceitar.

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E ainda há o problema da cama...

Veja: sou um sujeito higiênico. Até aceito dormir no meio da sujeira se não houver alternativa, mas, em circunstâncias normais, não admito poeira, restos de comida ou embalagens vazias de biscoitos no sacrossanto lugar onde descanso meu esqueleto. Não obstante, sejamos francos: que homem solteiro arruma imaculadamente a própria cama todos os dias, com exceção do Padre Marcelo?

O homem é um ser prático – e práticos são seus processos. Pra que arrumar a cama todos os dias se nem sempre dormimos acompanhados? Eu, por exemplo, fiz dos meus lençóis e edredons autênticos origamis. Meus métodos para reorganizar dobras de pano e reinventar o posicionamento de travesseiros superam a mais fértil imaginação. Convenço-me de que estou dormindo em uma cama perfeitamente arrumada e – PIMBA! Durmo com a sensação de que sou um hóspede do Buckingham Palace. Está tudo na mente, campeão. Você só precisa acreditar.

A ingrata tarefa de desencostar a cama da parede e arrumá-la de fato só deve ser levada a cabo em casos extremos. Ou seja: quando você puxar o lençol para cobrir o ombro e, estranhamente, descobrir a nuca ou o cotovelo. Isto é sinal de que a roupa de cama atingiu um tamanho grau de desordem que há o risco de você morrer enforcado durante o sono. Aí sim, é hora de agir!

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Felizmente, tenho a Alaíde.

Alaíde é a diarista que torna o meu “cafofo” genuinamente habitável de quinze em quinze dias. Alguns seguem o Alcorão. Outros, o Novo Testamento.

Eu sigo a Alaíde.

Se a Alaíde disser: “preciso de cândida e de mais perfex!”, lá estou eu, obediente, na fila do supermercado. É um filme sobre mim – mas, paradoxalmente, sou um figurante, cabendo à Alaíde o papel principal.

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No último domingo, em um momento Larica Total, vi-me almoçando três pedaços de pizza que haviam sobrado do sábado retrasado.

Antes de uma refeição, o homem casado encara o prato de comida e filosofa: “Este linguado combina melhor com vinho branco ou tinto?”

São outras as angústias de um homem solteiro.

Em um domingão sombrio, descalço e prestes a almoçar na beira da pia, ele respira fundo e se pergunta: “Será que essa coisa que acabou de sair da minha geladeira pode me matar?”

Alaíde, Alaíde. Olhai por mim!