ANATOMIA DE UM PICARETA
“O mundo é dos espertos”, reza uma máxima muito popular no Brasil. Que, não por acaso, também inventou aquele famigerado bordão: “o importante é levar vantagem em tudo.”
Fato é que alguns exportam Petróleo e outros, armas de grosso
calibre. Quanto a nós, bem... Nós exportamos picaretagem.
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De fato, vamos além: quando há uma “baixa” no mercado
interno temos o topete de importar picaretagem de fora. É extensa a lista de
celebridades falidas, estelionatários foragidos e terroristas internacionais
procurados que já vieram tomar água de coco em nossas praias. Mudam os governos
e as eras, mudam os cortes de cabelo e os modismos, mas uma coisa não muda, meu
chapa: picaretagem é com a gente mesmo.
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Logo algum brasileiro terá o insight de publicar o “manual
do picareta”.
Tipo assim, um livro de auto-ajuda às avessas. Ou antes, o
livro definitivo de “auto-ajuda”, já que ninguém visa mais o próprio bem-estar
do que um autêntico picareta. Eterno otimista, ele não se recrimina por ser
menos brilhante ou trabalhador que seu vizinho de porta. Ao contrário: é um
pró-ativo e passa a vida empenhado em mudar este score. Um golpinho aqui, um
cambalacho acolá e presto! As compensações falam por si.
Seria ideal que o pretendido livro tivesse uma seção
descrevendo os muitos tipos de picaretas. Mais ou menos como aqueles testes das
revistas femininas, que segregam os homens em cinco ou seis tipos psicológicos
distintos, com os quais as leitoras supostamente devem se identificar ou se precaver.
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Mas aí temos um problema: a coisa mais difícil do mundo é
identificar um picareta. Lembre-se: a dissimulação é sua arma; quando quer, ele
é mais mimético que um camaleão tímido. Os mais observadores conseguem enxergar
sua áurea malévola, identificando ali um sujeito (ou “sujeita”, pois não
queremos discriminar ninguém) do qual nunca se deveria comprar uma moto, carro
ou fígado de segunda-mão. Não obstante, são uma minoria. As massas são
enganadas facilmente pelo picareta.
Sim! É um fato da vida que todo picareta, mais dia menos
dia, encontra sua plateia. Sempre haverá alguém disposto a comprar seu
currículo falso e a coroá-lo com um régio salário (mais comissão) por um pacote
fechado de incompetência, canastrice, falta de comprometimento com o negócio e
omissão. E, por ser um vírus corporativo, o picareta continuará a ocupar sua
mesa mesmo quando a companhia já tiver ido para as cucuias.
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Outra ideia interessante seria um documentário da National
Geographic sobre o modus operandi do picareta. Câmeras diminutas espalhadas em
um escritório mostrariam o predador sonso em ação – até veríamos, em câmera
lenta, suas vítimas estrebucharem. Um show de realidade e tanto, anote aí o que
lhe digo...
Em uma reunião entre o picareta e a chefia (ao som daquelas
risadas gravadas que ouvimos nas sitcoms do Canal Sony), veríamos nosso “herói”
ludibriar a patronagem com frases de efeito mal e porcamente pinçadas da
revista “Isto é Negócios”:
_Decididamente espero uma atitude pró-ativa de minha equipe
(o picareta fingindo conhecer a fórmula mágica para transformar uma pastelaria
de bairro na principal concorrente do McDonald’s).
_Quero provocá-los e estimulá-los – então, lhes farei
perguntas óbvias sobre a empresa em que trabalhamos, de modo a conhecer seus
pontos de vista sobre o negócio (o picareta lançando mão de uma estratégia
básica para coletar informações vitais sobre o emprego para o qual foi
designado a peso de ouro; e para o qual, é claro, não tem nenhuma aptidão).
De certa forma, temos que tirar o chapéu para o picareta:
ele é, acima de tudo, um sobrevivente!
* * *
A exemplo de outras temidas criaturas do reino animal, o
picareta é duro de matar. Sua tenacidade fenomenal só se equipara às das
baratas (que, dizem, seriam as únicas testemunhas oculares de um apocalipse
atômico). Então, leitor amigo, não há alternativa: acostume-se a ele!
A menos que o referido vilão cometa um deslize grave (o que
só acontece com trainees de picareta, nunca com um picareta sênior), o que o
fará ser sumariamente demitido, o mais provável é que ele seja seu companheiro
de trabalho por muito e muito tempo. Isto, se não se tornar seu chefe... E até
ter um tórrido caso de amor com sua esposa!
Contra o picareta, há uma única defesa: as pessoas de
“mentes simples”, que não julgam seus semelhantes pelo curriculum vitae ou
pelas fotos que postam no Facebook; ou seja, as que reagem instintivamente à
estupidez e, portanto, são “detectoras” natas de picaretas. E o que é melhor:
por não estarem subordinadas a eles, podem se dar ao luxo de tratá-los como
tal.
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Veja o caso daquele notório picareta que, certa feita, se
convidou para almoçar com os colegas de trabalho em uma lanchonete da moda
(apesar de ser um grande pão duro e gabar-se de nunca gastar mais de R$ 15,00
em uma refeição).
Todos pediram pratos modestos, coerentes com seus salários,
mas o picareta, não: optou por um sanduíche de Presunto de Parma no pão
Ciabatta. Percebendo o golpe, a turma contra-atacou com agilidade: decidiu que
as comandas seriam pagas individualmente, ao invés de se ratear a conta. E de
repente, não mais que de repente, o picareta viu-se em um mato sem cachorro.
Ao saber o quanto custava um sanduíche de Presunto de Parma
no pão Ciabatta, o protagonista de nossa fábula surtou: mandou chamar a pobre
da garçonete e, agitando a comanda diante da moça, perguntou, com um misto de
superioridade e indignação:
_ Este presunto por acaso é de ouro, para custar tão caro?
Ao que a garçonete respondeu, muito coquete:
_Não é de ouro, não sinhô. É de Parma...