terça-feira, 7 de maio de 2013

TV - Rede Globo / "O Livro do Boni"



DECADENCE SANS ELEGANCE




Deu na coluna de Cristina Padiglione no “Estadão” esta semana: a Rede Globo de Televisão registra, atualmente, o pior Ibope nacional de sua história. É um handicap bem diferente da Globo dos tempos áureos – aquela que o Clodovil costumava chamar de “Vênus Platinada” e que era regida com mão-de-ferro por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

Trabalhei na TV Globo em 1990/1991. Fui estagiário do Departamento de Promoções, subordinado ao grande (em todos os sentidos, pois tinha uma pança estratosférica!) Jorge Moreno, então, Gerente de Produção da emissora em São Paulo. Tenho saudade do tempo que passei naquele predinho no centro, bem ao lado do Minhocão, onde virava as tardes assistindo a filmes e séries e criando chamadas promocionais para essas atrações.

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A Globo da época ainda era o “Monstro Sist” citado por Raul Seixas em seus discursos e músicas. Uma emissora incrivelmente influente que manipulava eleições, proibindo a inserção de bandeiras vermelhas ou de personas non-gratas em seus telejornais e chamadas. Dois anos antes de assinar minha carteira, a Globo mexera os pauzinhos para eleger o Collor, de longe, o mais ridículo dos presidentes brasileiros (isso é, descontando-se o Milton Gonçalves naquele filme Segurança Nacional).

No papel de “Monstro Sist”, a Globo era adepta daquelas baboseiras autoritárias que fazem a alegria dos tiranos: qualquer deslize era motivo para demissão sumária. Errar até podia ser humano, mas não era condizente com o “Padrão Globo de Qualidade”.

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Eu que o diga.

Um dia (ih, que burro, dá nota zero pra mim!), quebrei uma “Cópia A” do filme “Tubarão 2” na moviola da Promoções enquanto selecionava imagens para uma chamada do referido longa-metragem. Passei duas horas escondido em um banheiro do andar térreo, abraçado a um rolo de celulóide, esperando por uma oportunidade de entrar no almoxarifado de películas ao lado da recepção, onde, finalmente (cinco quilos mais magro, por conta da sudorese), pude emendar os fotogramas danificados usando uma seladora especial. Se tivesse sido pego, eu teria sido demitido. Simples assim, "chefia".

Duvido que esse tipo de terrorismo corporativo ainda tenha lugar no mundo. É algo a ser exposto e admirado em um museu, tanto quanto os índices de audiência absolutos que a Globo obtinha naquela época. São histórias que nunca mais se repetirão.

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Havia, porém, uma coisa admirável na Globo daquele tempo – desde que você abstraia das questões ideológicas e se fixe, apenas, em sua capacidade de proporcionar diversão: o “Padrão Globo de Qualidade” funcionava mesmo. E, cá pra nós, acho que aquele clima militar tinha tudo a ver com a eficácia do sistema. Basta rever uma das boas novelas da época (como “Roque Santeiro” e “Vale Tudo”) para constatar que, em suas cenas, não havia uma folha fora de lugar, uma interpretação recalcitrante, uma concessão à auto-indulgência com a qual a “Vênus Platinada” se policia atualmente.

E, sem dúvida, ele – o temido Boni, inventor do “padrão” – era o homem certo para liderar o exército naquele tempo. Não só por suas atitudes enérgicas, que fizeram escola e transformaram uma emissora de televisão em uma versão moderna do Senado Romano (antes de se demitir ou ser “fritado”, acho que era direito do funcionário beber cicuta...): mas por ter sonhado (e sabido implementar) uma TV que podia ser de qualquer país, que “não tinha sotaque” (palavras textuais) e que, sim, conquistou uma parte significativa do mundo com sua teledramaturgia “tipo exportação”.

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Antes do Boni, a Globo era uma emissorazinha regional que pensava pequeno e agia como tal (basicamente o que é hoje, apesar do pedigree e do alcance nacional). Depois do Boni, tornou-se uma rede – uma potência em seu segmento, tanto quanto a CBS e a NBC nos EUA. E creio que, sob o comando do “gordinho”, teria resistido melhor aos sucessivos nocautes que foram desconstruindo sua invencibilidade, ano a ano (não por coincidência, depois de Boni abdicar do cargo): a fúria dos pastores eletrônicos, o advento da Internet e das redes sociais e a decadência pública de seu casting áureo. Alguém ainda aguenta olhar para a cara da Susana Vieira? Alguém ainda se impressiona com as atuações “magistrais” do Stênio Garcia? Bah – vá ver se eu estou na esquina.

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A trajetória da Globo nos anos 60, 70, 80 e 90 é contada em primeiríssima pessoa no legal “O Livro do Boni”(Casa da Palavra, 464 páginas), que estou lendo atualmente e que recomendo a todos por aqui. Olha: não é uma narrativa excepcional, porque o Boni, como contador de histórias, é um ótimo empresário de TV. Mas os relatos são curiosos, tanto quanto a descoberta de que outros ícones locais das telecomunicações foram fundamentais para a consolidação da Globo (sempre por intermédio do Boni, que passou por esses lugares antes de ir tocar a emissora da Família Marinho): as TVs Tupi e Excelsior, a Rádio Bandeirantes e até a Record dos festivais, na era “pré-evangelização”. Pra matar o tempo e relembrar en passant momentos divertidos da telinha, não há pedida melhor.

Em tempo: o tal do “Viva” (na grade da NET, Canal 36) andou reprisando, com sucesso, alguns hits da emissora produzidos nos anos 1980, como as já mencionadas novelas “Roque Santeiro” e “Vale Tudo”. Entretanto, anda forçando a barra ao tentar vender a ideia de que “Top Model” e “Barriga de Aluguel” foram importantes marcos da cultura pop nos anos 90. Rá, rá – que balela! “Barriga de Aluguel” era tão ruim na época como é hoje; e ninguém (nem a mãe do Taumaturgo Ferreira) se lembrava mais de “Top Model” e de seus personagens caricatos.

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Recordar é viver, sim!

E mentir é um hábito muito feio. 

Duas lições que aprendi com minha avó.