JAMES BOND: LICENÇA PARA MATAR (E PARA NÃO MORRER)
No escurinho do cinema, os
primeiros acordes de um tema musical famoso (reconhecido por gerações de
espectadores) antecedem uma cena familiar: um agente secreto caminha pela tela,
volta-se para o público e dispara. E quando uma cortina de sangue gráfico turva
o nosso olhar, estamos prontos para aceitar o “inaceitável”. É de boa vontade
que mergulhamos no absurdo e glamouroso
mundo de James Bond, onde as mulheres são sempre belas e fatais, o suspense e o
romance coexistem com a ficção científica e vilões fabulosos conspiram para
subverter a ordem mundial.
Sim, é um jogo marcado. O
agente 007 sempre vence no final, independentemente dos venenos, chapéus com
abas mortais ou lasers industriais que os inimigos usem contra ele. Mas não há
porque se sentir culpado: um cinéfilo que jamais vibrou com pelo menos uma
aventura do superespião criado pelo escritor Ian Fleming (1908-1964) é como um gourmet que se recusa a reconhecer o
apelo de um bom fast-food, apenas
porque a comida é feita no esquema “linha de montagem”: não sabe o que está
perdendo.
A julgar pelo que se passa
em seus filmes, muitos poderão atribuir a invejável longevidade do cinqüentão
007 – na verdade, quase “sessentão”, se considerarmos o ano de publicação de
“Cassino Royale” (1953), primeiro romance de Fleming – à sorte e aos gadgets que ele usa em suas missões
(carros com assento ejetor ou equipados com desfibrilador; cigarros explosivos;
minissubmarinos em forma de jacaré; a lista é extensa!).
Mas, na verdade, a “arma
secreta” que mantém Bond eternamente jovem é o notável senso de adaptação do
personagem, que surgiu como um paradigma das ansiedades do Ocidente na época da
Guerra Fria e acabou se tornando um herói quase “apolítico” em tempos mais
recentes. Um espectador atento notará que os sotaques dos vilões mudam de
acordo com o cenário político de cada era: de inimigo dos russos e da China
Vermelha nos primeiros filmes, lançados na década de 1960, Bond passou a
trabalhar com agentes desses países nas aventuras dos anos 80 e 90, à medida
que os terroristas se configuravam uma ameaça mais atual e plausível para o
público.
Os produtores que criaram a
mais famosa série cinematográfica de todos os tempos – a dupla Albert Broccoli
e Harry Saltzman, que adquiriram os direitos sobre os livros de Fleming e
fundaram a EON Productions – também se mostraram hábeis em adaptar o conceito
original do personagem (e seu surreal universo) às demandas do público. Bond
foi idealizado por Fleming como um sujeito fisicamente semelhante ao cantor
Hoagy Carmichael – moreno, de cabelos pretos, com nariz longo e reto e 1,83m de
altura – mas, no cinema, encarnou em biótipos tão diferentes como os de Sean
Connery, Pierce Brosnan e, mais recentemente, Daniel Craig (de longe, o
intérprete que menos corresponde à ideia que Fleming fazia de Bond). Sempre
correspondendo aos ideais estéticos de cada tempo.
Da mesma forma, os filmes
(que criaram uma mitologia peculiar na década de 1960, com mulheres usando decotes
e penteados ousados e cenários dignos das aventuras de Julio Verne, como o
vulcão extinto que serve de base para o vilão Blofeld em “Só Se Vive Duas
Vezes”) foram incorporando tendências mais contemporâneas à medida que outros
ícones – como Rambo e Indiana Jones – passaram a disputar com Bond as atenções
da plateia.
Nos anos 1970, pegando
carona no êxito de “Operação Dragão” e “Star Wars”, James Bond aprendeu Kung Fu
e foi ao espaço (respectivamente, em “O Homem da Pistola de Ouro” e “O Foguete
da Morte”). Depois, já sob a influência de Spielberg e Stallone, foi um
“Indiana Jones dos ricos” em “Octopussy” e teve seu momento “exército de um
homem só” no violento “Permissão Para Matar” (a primeira tentativa de injetar
realismo e ultra-violência em um filme do herói, esforço, então, incompreendido
pela crítica e pelo público).
Quando analisamos James Bond
no microscópio, notamos que um único elemento de seu “DNA” original se mantém
virtualmente intocado após tantas aventuras e romances atribulados: a imortalidade.
O mundo se tornou mais efêmero e urgente desde 1962 (ano em que “O Satânico Dr.
No” chegou aos cinemas). Mas duas coisas se mantém eternas: os diamantes e 007.
FILMOGRAFIA: JAMES BOND ATRAVÉS DOS TEMPOS
007 CONTRA O SATÂNICO DR. NO
(Dr. No, 1962)
Direção: Terence Young. Com Sean Connery,
Ursula Andress, Joseph Wiseman, Jack Lord e John Kitzmiller.
James Bond vai à Jamaica combater
o Dr. No, industrial que opera sob as ordens da organização Spectre e que
pretende sabotar o Programa Espacial estadunidense. Feito com orçamento modesto
(US$ 1 milhão) e estrelado por um ator ainda desconhecido (Sean Connery, quem
mais?), o filme definiu o “tom” das aventuras de 007 no telão (mais pautadas
pela fantasia que os livros originais). E o mundo nunca esqueceu a imagem de
Ursula Andress emergindo do mar, de biquíni branco e faca na cintura.
MOSCOU CONTRA 007
(From Russia With Love, 1963)
Direção: Terence Young. Com Sean Connery, Daniela Bianchi, Robert Shaw,
Pedro Armendariz e Lotte Lênya.
A Spectre promove a
hostilidade entre ingleses e soviéticos em uma intriga que envolve uma bela
desertora russa, uma máquina decifradora de códigos e um mirabolante plano para
assassinar Bond no Expresso do Oriente. Um dos melhores filmes da série, fiel
ao romance em que se inspirou e com um genuíno clima de “Guerra Fria”. O ponto
alto é uma luta entre Bond e o carrasco da Spectre, Grant (Robert Shaw, ótimo),
orquestrada com maestria pelo diretor Young.
007 CONTRA GOLDFINGER
(Goldfinger, 1964)
Direção: Guy Hamilton. Com Sean Connery, Honor Blackman, Gert Froebe,
Harold Sakata e Shirley Eaton.
Patrocinado pela China
Vermelha, o milionário Auric Goldfinger tenta explodir uma bomba atômica dentro
do Fort Knox, onde estão estocadas as reservas em ouro dos EUA. Aqui, a fórmula
estabelecida nos filmes anteriores chegou à perfeição – méritos para o diretor
Hamilton, que adicionou pitadas de humor sardônico à mistura. Destaque para os
vilões fenomenais: Goldfinger (um sociopata obcecado por ouro) e seu
lugar-tenente Oddjob, que despacha os desafetos do patrão degolando-os com uma
cartola mortal.
007 CONTRA A CHANTAGEM ATÔMICA
(Thunderball, 1965)
Direção: Terence Young. Com
Sean Connery, Claudine Auger, Adolfo Celi, Luciana Paluzzi e Rick Van Nutter.
A Spectre se apodera de
bombas atômicas e ameaça explodir duas cidades do Ocidente, a menos que receba
um resgate astronômico. James Bond enfrenta o vilão Emilio Largo (Adolfo Celi,
usando um tapa-olho), nada desarmado em uma piscina cheia de tubarões (e
coberta por placas de metal!) e seduz a sexy amante de seu oponente, vivida
pela escultural Claudine. Quase tão divertido quanto “Goldfinger”, mas, às
vezes, um pouco arrastado nas cenas submarinas.
COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES
(You Only Live Twice, 1967)
Direção: Lewis Gilbert. Com sean Connery, Mie Hama, Donald Pleasence,
Akiko Wakabayashi e Tetsuro Tamba.
No Japão, 007 finalmente
encontra seu nêmesis: Ernst Stavro Blofeld, chefão da Spectre, agora refugiado
dentro de um vulcão extinto e prestes a inaugurar a Terceira Guerra Mundial.
Rendendo-se totalmente à fantasia (o que justifica o visual deliciosamente
absurdo da aventura, a primeira de Bond a chegar ao espaço), o filme teve
roteiro assinado por Roald Dahl (autor do livro “A Fantástica Fábrica de
Chocolate”) e bebeu pouquíssima inspiração na obra de Fleming. Boa música-tema
(cantada por Nancy Sinatra).
CASSINO ROYALE
(Casino Royale, 1967)
Direção: John Huston, Ken Hughes, Val Guest, Robert Parrish e Joseph
McGrath. Com Peter Sellers, Ursula Andress, David Niven, Orson Welles, Woody
Allen e Deborah Kerr.
Já aposentado, “sir” 007
(interpretado por David Niven) entra em ação para frustrar os planos da
organização Smersh. Para confundir o inimigo, o Serviço Secreto Britânico
delega o nome “James Bond” a vários agentes e colaboradores, entre eles, o
escritor Evelyn Tremble (Peter Sellers), um expert em jogos de cartas. Usando a
identidade de Bond, Tremble é seduzido por Vesper Lynd (Ursula Andress) e
enfrenta o jogador Le Chiffre (Orson Welles) na mesa de Bacará. Também na mira
do MI6 está o baixinho Dr. Noah (Woody Allen), que desenvolveu um bacilo que
transformará todas as mulheres do mundo em beldades e destruirá todos os homens
altos da Terra (!). Assim como “Nunca Mais Outra Vez”, esta comédia-maluca é um
filme “não-oficial” de 007, ou seja: não foi produzido pela EON Productions.
007 A SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE
(On Her Majesty’s Secret Service, 1969)
Direção: Peter Hunt. Com George Lazenby, Diana Rigg, Telly Savalas, Ilse
Steppat e Gabriele Ferzetti.
James Bond volta a enfrentar
Blofeld – desta vez, na Suíça, de onde o vilão articula uma guerra biológica
que poderá extinguir a vida no planeta. Pela primeira vez, o mulherengo 007 se
apaixona de verdade e sobe ao altar. Pena que a esposa em questão, a
temperamental Condessa Tracy di Vicenzo, esteja fadada a ter um destino
trágico. Primeiro filme de Bond não estrelado por Connery, o projeto foi um
injusto fracasso de crítica e decepcionou nas bilheterias. Mas George Lazenby
não se saiu mal como 007 (apesar de não ter o carisma de seu antecessor).
007 – OS DIAMANTES SÃO ETERNOS
(Diamonds are Forever, 1971)
Direção: Guy Hamilton. Com Sean Connery, Jill St. John, Charles Gray,
Bruce Glover e Putter Smith.
Blofeld volta a atacar,
agora, usando os proventos de uma gangue de contrabandistas de diamantes para
equipar um super-refrator de laser e chantagear as superpotências. Após a
frívola recepção ao projeto anterior, Connery (visivelmente desinteressado e
acima do peso) voltou a viver Bond neste filme, visualmente curioso e com
algumas boas ideias, mas cujas cenas de ação, quase sempre, são sabotadas por
intervenções de humor.
COM 007 VIVA E DEIXE MORRER
(Live and Let Die, 1973)
Direção: Guy Hamilton. Com Roger Moore, Jane Seymour, Yaphet Kotto,
Julius W. Harris e David Hedison.
James Bond precisa impedir
que um diplomata corrupto, Dr. Kananga, despeje uma tonelada de heroína no
submundo dos EUA, obtendo o monopólio do mercado de entorpecentes. Filme que
marcou a estreia de Roger Moore no papel de 007. Influenciada pela
Blackexploitation (“onda” de filmes direcionados ao público afro-descendente),
esta aventura tem cenas bacanas filmadas em Nova York e em Nova Orleans, além
de uma Bond Girl lindíssima (Jane) e uma música-tema memorável (“Live and Let
Die”, composta por Paul McCartney). Mas falta aquela centelha de tensão e
erotismo dos longas anteriores.
007 CONTRA O HOMEM COM A PISTOLA DE OURO
(The Man with the Golden Gun, 1974)
Direção: Guy Hamilton. Com Roger Moore, Britt Ekland, Christopher Lee,
Maud Adams e Herve Villechaize.
Scaramanga, o assassino
profissional mais caro do mundo (representado pelo Drácula mais “pop” do
cinema, Lee) se apodera de um agitador Solex (aparelho que produz energia
solar) e tenta leiloar a nova tecnologia entre as superpotências. Um filme
cheio de altos e baixos que, apesar da proposta bacana e dos ótimos vilões (o
anão Villechaize quase rouba o filme como o lugar-tenente de Scaramanga) não
chega a ser memorável pela inconsistência da realização.
007 – O ESPIÃO QUE ME AMAVA
(The Spy who Loved Me, 1977)
Direção: Lewis Gilbert. Com
Roger Moore, Barbara Bach, Curt Jurgens e Richard Kiel.
Quando a Inglaterra e a Rússia
passam a ter submarinos atômicos seqüestrados em pleno mar, James Bond e uma
agente soviética unem forças contra o responsável pela conspiração: o magnata
Karl Stromberg, que mora em uma cidadela submarina e pretende – simples assim –
destruir o mundo e criar outra civilização nas profundezas. O melhor Bond de
Roger Moore, memorável por vários fatores: o vilão Jaws (Kiel), cujos dentes de
aço esmigalham tudo o que há pela frente; a direção de arte inspirada; e um
time de Bond Girls para ninguém botar defeito.
007 CONTRA O FOGUETE DA MORTE
(Moonraker, 1979)
Direção: Lewis Gilbert. Com Roger Moore, Lois Chiles, Michael Lonsdale e
Richard Kiel.
Bond volta a enfrentar Jaws
– agora, sob as ordens de outro megalomaníaco, o neonazista Hugo Drax. O roubo
de um ônibus espacial coloca 007 na pista do vilão, cuja ambição é destruir a
humanidade e repovoar a Terra com uma raça de humanos perfeitos. O esconderijo
de Drax é uma estação espacial – a deixa para o filme imitar “Star Wars” e
outros sucessos do gênero que bombavam nos cinemas da época. Única produção de
Bond com cenas ambientadas no Brasil (o ponto alto é uma luta entre o herói e
Jaws no bondinho do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro). Não é tão legal quanto
“O Espião que me Amava”, mas diverte.
007 SOMENTE PARA SEUS OLHOS
(For Your Eyes Only, 1981)
Direção: John Glen. Com Roger Moore, Carole Bouquet, Julian Glover e
Topol.
Bond tenta recuperar um
sistema capaz de ativar mísseis britânicos à distância, arma que, nas mãos dos
russos, poderá colocar a Inglaterra de joelhos. O vilão é um agente-duplo que,
apesar das boas relações com a Coroa, pretende localizar o dispositivo antes de
007 e vendê-lo aos soviéticos. Uma estranha mudança de rumo da série, que vinha
apostando na fantasia descarada nos longas anteriores e, aqui, retomou o
espírito dos livros de Fleming, em uma trama de espionagem tão realista quanto
a de “Moscou Contra 007”. O filme teve uma das melhores músicas-temas da série
(“For Your Eyes Only”, interpretada por Sheena Easton).
007 CONTRA OCTOPUSSY
(Octopussy, 1983)
Direção: John Glen. Com Roger
Moore, Maud Adams, Louis Jordan e Steven Berkoff.
Um príncipe afegão e um
extremista russo se unem em um plano para detonar uma bomba atômica
norte-americana dentro das fronteiras da Alemanha Oriental, o que criará um
embaraço diplomático incontornável e forçará potências como a Inglaterra e os
EUA a se desarmar, deixando o território livre para um levante soviético.
Obviamente influenciado por “Caçadores da Arca Perdida”, este filme lembra um
seriado dos anos 1940, com perseguições rocambolescas na Índia e 007 fazendo de
tudo para impedir o pior, até vestir-se de palhaço. Mas o roteiro é inventivo,
o elenco é ótimo e as piadas funcionam.
007 – NUNCA MAIS OUTRA VEZ
(Never Say Never Again,
1983)
Direção: Irvin Kershner. Com
Sean Connery, Max von Sydow, Klaus Maria Brandauer, Kim Bassinger e Barbara
Carrera.
Maduro e às vésperas da
aposentadoria, 007 precisa voltar à ativa quando Ernst Stavro Blofeld (desta
vez, vivido pelo grande Max von Sydow, o tipo de ator que ninguém espera ver em
um filme de James Bond) decide chantagear a Terra com bombas nucleares
roubadas. Esta é uma refilmagem de 007
Contra a Chantagem Atômica e, portanto, não faz parte da série oficial do
personagem (produzida pela EON). Destaque para a sensual Barbara Carrera, no
papel de uma assassina da Spectre, e para Kim Bassinger (no auge da beleza),
que interpreta a mocinha Domino.
007 NA MIRA DOS ASSASSINOS
(A View to a Kill, 1985)
Direção: John Glen. Com Roger Moore, Tanya Roberts, Christopher Walken e
Grace Jones.
O vilão da vez é outro
milionário sociopata, o magnata Max Zorin (Walken, sempre uma atração nesses
papéis), cujo objetivo é destruir o Vale do Silício, nos EUA, e dominar o
mercado de componentes para computadores. A cantora Grace Jones rouba muitas
cenas como a assassina May Day. Apesar de movimentado e simpático, o filme não
empolga (exceto na abertura, musicada por um sucesso da banda Duran-Duran, “A
View to a Kill”, e no clímax apoteótico, com direito a uma luta no alto da
Ponte Golden Gate, em São Francisco, EUA).
007 MARCADO PARA A MORTE
(The Living Daylights, 1987)
Direção: John Glen. Com Timothy Dalton, Maryam d’Abo, Jeroen Krabbe e
Joe Don Baker.
Um militar russo e um
comerciante de armas lucram com os conflitos gerados pela ocupação soviética no
Afeganistão. Para detê-los, 007 se associa a radicais islâmicos que lideram a
resistência no país. Timothy Dalton assumiu o papel de 007 nesta aventura, uma
das melhores e mais consistentes da série, que renovou o fôlego do personagem e
da franquia. A música-tema também fez sucesso (é interpretada pela banda norueguesa
A-Ha).
007 PERMISSÃO PARA MATAR
(Licence to Kill, 1989)
Direção: John Glen. Com Timothy Dalton, Carey Lowell, Robert Davi,
Talisa Soto e Anthony Zerbe.
007 se desliga do Serviço
Secreto de Sua Majestade para vingar o melhor amigo, Felix Leiter, mutilado
pela organização de um senhor das drogas, Franz Sanchez. Muito violento e sem o
verniz das aventuras anteriores (mas ainda preservando a elegância do
personagem), o filme dividiu opiniões. Dalton está muito bem no papel e Robert
Davi interpreta um oponente memorável, mas o tom excessivamente casual da
trama, às vezes, lhe confere um ar de episódio de “Miami Vice”.
007 CONTRA GOLDENEYE
(GoldenEye, 1995)
Direção: Martin Campbell. Com Pierce Brosnan, Izabella Scorupco, Sean
Bean, Famke Janssen e Judi Dench.
À frente da organização
criminosa Janus, um agente renegado do M.I.6, Alec Trevelyan (vulgo “006”),
obtém acesso ao satélite militar GoldenEye, relíquia da Guerra Fria que ele
pretende utilizar para aniquilar a Inglaterra. Pierce Brosnan estreou como 007
em um filme charmoso, que reinventou com estilo os mais sagrados clichês da
série, mas com uma “pegada” contemporânea. A lamentar, só a trilha eletrônica
de Eric Sierra, que combina tanto com os filmes de Bond quanto o Rap combinaria
com a trilogia “O Senhor dos Anéis”.
007 – O AMANHÃ NUNCA MORRE
(Tomorrow Never Dies, 1997)
Direção: Roger Spottiswoode. Com Pierce Brosnan, Michelle Yeoh, Jonathan
Pryce, Teri Hatcher e Judi Dench.
Um empresário das
telecomunicações usa sua influência e poder para provocar uma guerra entre a
Inglaterra e a China. Assistido pela agente comunista Wai Lin (Yeoh), James
Bond tenta frustrar o esquema diabólico. Uma boa aventura do herói, repleta de
perseguições e absurdos, mas mantendo um pé na realidade. As armas secretas utilizadas
por Bond, como sempre, são surpreendentes – aqui, ele pilota uma BMW 750iL
equipada com “opcionais” mortíferos.
007 – O MUNDO NÃO É O BASTANTE
(The World is not Enough, 1999)
Direção: Michael Apted. Com Pierce Brosnan, Sophie Marceau, Robert Carlyle,
Denise Richards e Judi Dench.
No rastro do anarquista
Renard, responsável pela morte de um industrial, Bond descobre uma conspiração
para destruir as rotas convencionais de petróleo, o que dará a uma organização
criminosa o monopólio do setor. Um filme sóbrio para os padrões da série, com
vilões bem construídos e uma participação marcante da francesa Sophie, no papel
da misteriosa Elektra King. Tem, ainda, uma das aberturas mais criativas da
série (uma perseguição de tirar o fôlego pelo Rio Tamisa) e a despedida
“oficial” do personagem “Q” (inventor das armas secretas utilizadas por 007,
interpretado pelo falecido Desmond Llewelyn em quase todos os filmes).
007 – UM NOVO DIA PARA MORRER
(Die Another Day, 2002)
Direção: Lee Tamahori. Com Pierce Brosnan,
Halle Berry, Toby Stephens, Rosamund Pike e Judi Dench.
James Bond combate um
radical norte-coreano que literalmente “muda de cara” para orquestrar um plano
terrorista: utilizar um satélite bélico para destruir a zona desmilitarizada da
Coréia, criando um incidente que redundará no surgimento de uma nova potência.
A despedida de Brosnan do papel se deu em um filme nostálgico, cheio de
referências ao passado da série e bem-sucedido na maioria dos absurdos que
propõe – mas maculado por uma ridícula cena em que Bond “voa” sobre uma geleira
com um paraglider improvisado
(cortesia de um tosco efeito digital). Constrangedor.
007 – CASSINO ROYALE
(Casino Royale, 2006)
Direção: Martin Campbell. Com Daniel Craig, Eva Green, Mads Mikkelsen,
Judi Dench, Jeffrey Wright e Giancarlo Giannini.
Com sua “licença para matar”
recém-adquirida, Bond é enviado por M em uma missão “espinhosa”: descapitalizar
Le Chiffre (Mikkelsen, excelente) – banqueiro que financia terroristas –, em
uma partida de “Texas Hold 'Em”. Esqueça tudo o que você viu até aqui: neste
filme, por razões nunca suficientemente explicadas (a franquia ia bem quando
Brosnan deixou o papel), os produtores decidiram reiniciar a série e reinventar
o herói. Resultado: esta produção bem-realizada, mas discutível no que diz
respeito ao personagem, agora vivido por Daniel Craig e quase irreconhecível
sem suas características essenciais (o refinamento, o senso de humor e o
“donjuanismo”). A cena de jogo é devastadora (no bom sentido), assim como a da
tortura. Mas será que o mundo precisa de um 007 que se dispõe a matar um
inimigo com uma faca de cozinha? Próximo!
007 – QUANTUM OF SOLACE
(Quantum of Solace, 2008)
Direção: Marc Foster. Com
Daniel Craig, Olga Kurylenko, Mathieu Amalric, Judi Dench e Giancarlo Giannini.
Na pista da organização criminosa
que articulou os eventos do filme anterior (e ainda abalado com a perda de seu
interesse romântico naquela aventura, Vesper Lynd), Bond descobre um plano do empresário
Dominic Greene (Amalric) e de um general corrupto para levar à frente um golpe
de Estado. Mantendo o tom realista de “Cassino Royale”, o filme tem cenas de
ação de tirar o fôlego (a abertura é particularmente memorável). Mas o enredo e
a realização não são inspirados como os do longa de 2006.
007 – OPERAÇÃO SKYFALL (Crítica / Lançamento do filme - 2012)
Durante décadas, os filmes
de James Bond se escoraram em uma fórmula infalível. Em alguns, predominava o
humor – em outros, a ação ou a fantasia. Porém, apesar de ligeiras variações, a
série "007" era um gênero em si. Mas em 2006 os produtores da
franquia optaram por deixar de fazer "filmes de 007" e passar a fazer
"filmes de ação" (mesmo que protagonizados por um indivíduo
identificado como "007"). Subitamente, Bond deixou de ser
sofisticado, inteligente, irônico e mulherengo. Com seu jeitão lacônico, Daniel
Craig fez sua parte para humanizar 007, mas logo se descobriu que reduzir um
personagem tão bacana a um mero agente de campo não era a melhor forma de se
reinventar a roda.
Entra em cena, então,
"007 – Operação Skyfall", que redime as intenções originais dos
produtores. A aventura reúne o melhor de dois mundos: não abdica do dinamismo e
da testosterona dos últimos filmes de Bond, mas promove o bem-vindo resgate de
algumas características essenciais de 007 que andavam esquecidas. Pela primeira
vez, o James Bond de Daniel Craig desperta simpatia no público. E, como se
constata, adicionar carisma e sagacidade àquela "persona" implacável
que Craig construiu em "Cassino Royale" em nada depõe contra a
modernização do mito. Ao contrário: agrega valor a esta leitura contemporânea
do herói e mostra que, talvez, o ator estivesse sendo subaproveitado, uma vez
que consegue imprimir maior latitude ao personagem quando o roteiro o exige.
É claro que, pela atual fase
da franquia ser comprometida com o realismo (e porque não seria inteligente
subverter a regra a essas alturas do campeonato), não foi possível alçar voos
igualmente surpreendentes no que se refere à trama. Este 007 continua a
enfrentar vilões de carne e osso – ninguém o verá combater um gigante com
dentes de aço ou um chefão do crime que eletrocuta subalternos com uma mão e
acaricia um gato angorá com a outra.
O vilão da vez é o
tecno-terrorista Raoul Silva (Javier Bardem, ótimo), que articula uma
conspiração contra o MI6 e, particularmente, contra a maternal chefe de Bond, M
(Judi Dench). No entanto, à sua maneira, Silva é mais uma daquelas criações
memoráveis que só a série Bond consegue entregar: tão cedo, ninguém esquecerá o
tipo esquisito e andrógino que põe em cheque a inteligência britânica e que
instaura o caos em Londres, com uma displicência digna do alucinado Coringa de
"O Cavaleiro das Trevas".
O que mais? Se o mocinho e o
vilão não forem suficientes para justificar o preço do ingresso, o espectador
(assim como os fãs inveterados do herói) ainda se deliciará com a fotografia
inspirada, a boa trilha sonora (capitaneada pelo tema musical de Adele, outro
acerto), as coreografias de ação de cair o queixo e um irresistível rasante na
mitologia original do personagem (extraída dos livros de Ian Fleming, que se
mantém inesgotáveis fontes de inspiração para os realizadores) – quando
"Skyfall" nos leva à Escócia e nos apresenta as origens de James
Bond.
O filme poderia ser melhor?
Talvez (o "Q" adolescente tem lá seu apelo, mas não deixa de ser uma
das mais pueris inovações propostas pela série; e as Bond Girls são tão
esquecíveis quanto as de "Quantum of Solace"). Mas não é todo dia que
uma superprodução destinada ao grande público (e inexoravelmente presa a um
passado de glórias, que projeta uma sombra imensa) obtém tamanho equilíbrio
entre inovação e tradição. Novamente, James Bond tem um jogo e tanto nas mãos.
Artigos e crítica originalmente veiculados no portal UOL