terça-feira, 7 de maio de 2013

Crônica - Internet II



A SENHA




O mundo se expandiu, se integrou, ficou mais inteligente. Obrigado, Internet, por diminuir distâncias imensuráveis. Por me permitir bater papo com amigos da Holanda ou da Inglaterra todos os dias, aproveitando aqueles quinze minutinhos que sobraram do horário de almoço. Ou enquanto espero a janta ficar pronta.

Comprar, então, nunca foi tão fácil! Tenho contas em lojas virtuais que operam em países cujos idiomas eu desconheço. Mas isto é apenas um detalhe. “Are you ready to buy, Eduardo?” “Oh, yeah – let’s do it!”.

* * *

Em contrapartida, tenho que conviver com o inferno das senhas.

Houve tempo em que “senha” era apenas um lance de filme de espionagem. “Tem fósforos?” / “Só uso isqueiro” / “Melhor ainda!” / “Enquanto não falha.” Era assim nos filmes de James Bond. Senha e contrassenha, missão secreta em andamento. No máximo, a gente tinha uma senha pra acessar a conta do banco.

Não que fosse fácil. Às vezes não era.

* * *

Definir senhas com base (por exemplo) nas datas de nascimento dos filhos podia ser um problema se o sujeito tivesse conta em mais de um banco. E, digamos, um menino e uma menina em casa.

Rosana – nascida a 03/05/86 – seria a chave de acesso à MaxiConta Itaú ou à Superpoupança Bamerindus? Não, que idiotice! Rogerinho (05/09/89) é que era o acesso à Superpoupança. Afinal, Rogerinho sempre foi “fortinho” e (lembra?) foi nisso que você pensou quando definiu a senha da Superpoupança.

Eventualmente, descobria-se que tanto a MaxiConta Itaú quanto a Superpoupança Bamerindus tinham, como senha, o nome do cachorro da família, "Mike Tyson", falecido dois anos antes!
 
* * *

Se administrar esses anagramas já era um estresse quinze anos atrás, imagine como ficou a vida depois do e-mail, do Facebook, do Orkut e do Mercado Livre.

Chegou um ponto em que nossos smartphones – e outros gadgets futuristas que carregamos nos bolsos – logo precisarão ter folders para o acondicionamento de senhas. Por enquanto, me viro com uma versão pré-histórica deste sistema: crio pastas virtuais com os nomes de instituições bancárias, sites, lojas e pentelhações sazonais, como a inspeção obrigatória do Controlar, e as deixo bem no meu nariz, flutuando ludicamente na área de trabalho do Windows. Não é uma visão inspiradora, mas funciona.

Mesmo assim, me sinto um mentecapto – tanto por constatar a limitação de espaço livre em meu HD de massa encefálica como por saber que, se me furtarem o computador, deixarei de ser um indivíduo respeitável e me tornarei um párea virtual. Descobrirão o quanto fui burro e farão “memes” com a minha cara. Serei compartilhado no “Facebaaaak” e twittado sem dó. Crianças e pré-adolescentes rirão de mim...

* * *

Pior é quando o inimaginável acontece: quando você esquece sua senha.

É direito inalienável do cidadão ser acometido por “brancos” – aqueles ataques de amnésia que tínhamos na escola, especialmente nas provas de História ou de Química. Mas as grandes corporações e seus braços virtuais ignoram as idiossincrasias humanas. Querem a perfeição, não toleram falhas. Sem digitar a senha, você não passará! (sobe a música dramática).

Há alguns dias – habituado que estou a acessar minha conta de e-mail “no automático” (o endereço fica na memória do Google Chrome; ou do computador; ou sei lá do quê), fiquei paralisado diante da tela ao ser intimado a fornecer minha senha.

Uai – que novidade era aquela?! Aí, percebi tudo: eu tentava acessar minha conta de outro computador, o que faço muito raramente. E, é claro: não tinha a menor ideia de qual era a minha senha.

* * *

“E agora?”, pensei, calculando a distância que separava minha casa do computador do trabalho (onde estão minhas pastinhas virtuais com os nomes dos sites que costumo acessar) – uns quatro bairros e cinco pontes da Marginal do Tietê.

Puxei pela memória, não veio nada. Tamborilei os dedos na mesa do escritório, tentando adivinhar que associação fizera ao definir a senha do serviço em questão. Nomes de filmes? Talvez. Não, não podiam ser nomes de filmes... Nomes de filmes são muito extensos para configurar boas senhas. Iniciais de filmes + datas de produção? Tipo: EVL1939 (“E O vento Levou, 1939”). Não, não... Idiota demais.

Ano em que o Palmeiras ganhou pela primeira vez o Campeonato Brasileiro? Dia, mês e ano do ataque terrorista às Torres Gêmeas? A placa do meu carro? O número do meu celular (dúvida: o número original do celular ou a versão mais recente, acrescida de um “9”?). Gotas de suor começaram a se acumular em minha face. Eu não estava chegando a nada.

* * *

E então – presto!

Um ícone no cantinho da página me perguntava: “Usuário, esqueceu sua senha?” “Sim”, pensei em voz alta, clicando no ícone salvador. Outra mensagem surgiu na tela: “Pronto para responder a pergunta secreta?”.

(...)

Pergunta secreta? Que pergunta secreta?!

QUE RAIO DE PERGUNTA SECRETA É ESSA, PORRA?!

* * *

Bati os olhos em outro ícone: “O usuário gostaria de solicitar uma nova senha?” “Sim, sim”, pensei berrando. “Isto é que é falar!” Cliquei no botão virtual. Outra mensagem surgiu na tela: “Gostaria que uma nova senha fosse enviada a outro e-mail cadastrado?”

Esmurrei a mesa. Uivei.

Outro e-mail cadastrado? Que outro e-mail cadastrado?!

SÓ TENHO UM E-MAIL E ESTÁ AÍ DENTRO DESSA JOÇA, DEIXA EU ENTRAR, DEIXA EU ENTRAR, DEIXA EU ENTRAAAAAR!

* * *

Para encurtar a história: é claro que não pude acessar minha conta. Exceto quando cheguei ao trabalho e abri minhas pastinhas flutuantes. Descobri que a senha do e-mail era um número de telefone antigo da casa de minha mãe. Por que escolhi esse número? E eu que sei, rapaz?

Não, péra...

Acho que esta era resposta para a minha “pergunta secreta”.