quarta-feira, 8 de maio de 2013

TV - Desastre das Nove



"SALVEM JORGE!"




Novela das oito costuma acabar em casamento. “Salve Jorge” quebrará esta tradição: ao invés de casório, haverá uma avaliação rigorosa de danos e prejuízos.

É que a novela de Gloria Perez está chegando à reta final com o pior Ibope em toda a história da TV Globo na faixa das 21h00. Um feito e tanto, considerando que a emissora vem perdendo progressivamente sua audiência cativa neste horário (nos anos 80, em picos de audiência, as grandes novelas da casa chegavam a 60 pontos; hoje, quando muito, conseguem 30).

Perdeu, Gloria Perez... Perdeu.

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Também, quem manda viajar na maionese?

Como noveleira, Dona Gloria é uma comediante de mão cheia. Chegou a afirmar que os críticos ganhavam propina pra descer a lenha na novela, como se fosse preciso qualquer ajuda externa pra fazer esse Titanic (cada capítulo custa R$ 950 mil) afundar. Na ficção e no mundo real, Gloria Perez delira “forte”. Não tem censo de realidade.

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Antes que o amigo me avacalhe: juro perante a Bíblia que não vejo novela. A menos que a novela seja ruim. Mas eu quero dizer ruim mesmo. Quanto pior, melhor!

Também curto uns programas de auditório ruins – aqueles que promovem encontros românticos entre gente feia ou que discutem temas estranhos (“Transei com minha ovelha”; “amo lamber sabão”; “faço escultura de Bom-Brill”; daí pra baixo). Teste de DNA no Ratinho e programa evangélico com exorcismo ao vivo, então, não perco por nada. Tô dentro!

Mas é raríssimo uma novela da Globo pisar no tomate desse jeito. A emissora carioca tem uma tradição respeitável em folhetins eletrônicos. Vê-la errar tanto em uma novela é tão bom quanto ver o Ridley Scott dirigir uma bomba como “Prometheus”. Não dá pra não ver!

O que é passível de discussão é: como “Salve Jorge” pode ser tão ruim? Eu, que não sou expert no assunto, arrisco uns palpites.

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Pensa que escrever ficção é brinquedo?

Né brinquedo não, muleeeeke!

Tem muito jornalista bom que se embananaria todo se tivesse que escrever um filme, romance ou novela. Pra começar, nada daquilo é verdade – está-se lidando com acontecimentos imaginários, o que facilmente leva à contradição; e se lida com muito mais personagens do que em uma matéria impressa ou televisiva. Ah, e também é preciso pesquisar muito bem os assuntos em pauta, pra não cair no ridículo.

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Dona Gloria acha que é possível escrever sobre a Capadócia (ou sobre os morros cariocas) fazendo pesquisa no Google. Pra você ter uma ideia: o vocabulário estrangeiro de “Salve, Jorge” se resume a Güle Güele (“tchau!”) e AllahAllah (“Ai, meu Deus!”).

E a realidade do morro? A favela fashion da novela lembra o cenário do “Esquenta”: só tem funkeiro “família” e periguete que, apesar de descer até o chão e mostrar a bunda pra geral, está à procura de um grande amor, é “moça pra casar”.

Pior são as bandeiras que “Salve Jorge” levanta (se de propósito ou sem querer, eu não sei). A mais surreal é: “vender o corpo na Capadócia não pode, mas vender o corpo na favela pode, porque isto é Cultura.”

Não sei o que Dona Gloria bebe antes de escrever tanta papagaiada, mas de uma coisa eu sei: quero um gole, meu irmão!

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E também tem os “núcleos”.

A Globo inventou essa moda de “núcleos” pra parecer que suas novelas têm a complexidade das séries que a gente vê na TV por cabo, cheias de personagens e arcos narrativos.

Em “Salve Jorge”, o que não falta é núcleo. Tem o núcleo da favela, o núcleo militar, o núcleo da Capadócia, o núcleo dos ricos abastados, mas infelizes (Zzzzz...) e o núcleo da polícia. Disparado, este último é o melhor: o Rio de Janeiro é uma cidade com seriíssimos problemas de segurança, mas o único caso em andamento na delegacia de Giovanna Antonelli é o de uma favelada chorona que foi obrigada a fazer programa na Capadócia.

A lógica da novela não está nem no núcleo da favela e nem no núcleo da Capadócia.

Está é pra lá de Marrakesh, mesmo.

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Veja bem: eu gosto de filme de lobisomem e sobre viagem no tempo.

Eu estou lendo “Sob a Redoma”, do Stephen King.

Eu era burro em Matemática na escola e bombei duas vezes em Estatística na faculdade.

Que moral eu tenho pra criticar quem assiste novela?

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O que estou dizendo é que, se eu fosse um figurão na dramaturgia da Globo, jamais escalaria a Claudia Raia pra fazer um papel de vilã. Porque a Claudia Raia não é ameaçadora; a Claudia Raia é engraçada.

Jamais aprovaria uma novela cujo mocinho é um babaca de 40 anos de idade que pede qualquer mulher que conheça em casamento (e que prontamente a convida pra ir morar com ele na casa da mãe).

Jamais aprovaria uma novela cuja mocinha se chama “Morena” (Morena do quê? Jambo, Tropicana ou Proibida?) – ainda mais, interpretada por uma “mini-mim” de Solineuza com olhar de Cocker Spaniel abandonado.

E por fim: jamais aprovaria uma novela com a Solineuza em pessoa – de longe a maior arroz-de-festa que o audiovisual brasileiro já conheceu (depois da Camila Pitanga, é claro). Desculpe citar a personagem e não mencionar o nome da atriz.

Não sei como se chama a moça.

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Dizem que as novelas são espelhos fidedignos da autoimagem e das ambições do povo brasileiro em cada momento histórico.

Se isto for verdade, depois de assistir a “Salve Jorge”, estou de malas prontas.

Rumo às colinas!