"SALVEM JORGE!"
Novela das oito costuma
acabar em casamento. “Salve Jorge” quebrará esta tradição: ao invés de casório,
haverá uma avaliação rigorosa de danos e prejuízos.
É que a novela de Gloria Perez está
chegando à reta final com o pior Ibope em toda a história da TV Globo na faixa
das 21h00. Um feito e tanto, considerando que a emissora vem perdendo
progressivamente sua audiência cativa neste horário (nos anos 80, em picos de
audiência, as grandes novelas da casa chegavam a 60 pontos; hoje, quando muito,
conseguem 30).
Perdeu, Gloria Perez... Perdeu.
* * *
Também, quem manda viajar na maionese?
Como noveleira, Dona Gloria
é uma comediante de mão cheia. Chegou a afirmar que os críticos ganhavam
propina pra descer a lenha na novela, como se fosse preciso qualquer ajuda
externa pra fazer esse Titanic (cada capítulo custa R$ 950 mil) afundar. Na
ficção e no mundo real, Gloria Perez delira “forte”. Não tem censo de
realidade.
* * *
Antes que o amigo me avacalhe:
juro perante a Bíblia que não vejo novela. A menos que a novela seja ruim. Mas
eu quero dizer ruim mesmo. Quanto
pior, melhor!
Também curto uns programas
de auditório ruins – aqueles que promovem encontros românticos entre gente feia
ou que discutem temas estranhos (“Transei com minha ovelha”; “amo lamber
sabão”; “faço escultura de Bom-Brill”; daí pra baixo). Teste de DNA no Ratinho
e programa evangélico com exorcismo ao vivo, então, não perco por nada. Tô
dentro!
Mas é raríssimo uma novela
da Globo pisar no tomate desse jeito. A emissora carioca tem uma tradição respeitável
em folhetins eletrônicos. Vê-la errar tanto em uma novela é tão bom quanto ver o
Ridley Scott dirigir uma bomba como “Prometheus”. Não dá pra não ver!
O que é passível de
discussão é: como “Salve Jorge” pode ser tão ruim? Eu, que não sou expert no
assunto, arrisco uns palpites.
* * *
Pensa que escrever ficção é
brinquedo?
Né brinquedo não, muleeeeke!
Tem muito jornalista bom que
se embananaria todo se tivesse que escrever um filme, romance ou novela. Pra
começar, nada daquilo é verdade – está-se lidando com acontecimentos
imaginários, o que facilmente leva à contradição; e se lida com muito mais
personagens do que em uma matéria impressa ou televisiva. Ah, e também é
preciso pesquisar muito bem os assuntos em pauta, pra não cair no ridículo.
* * *
Dona Gloria acha que é
possível escrever sobre a Capadócia (ou sobre os morros cariocas) fazendo
pesquisa no Google. Pra você ter uma ideia: o vocabulário estrangeiro de
“Salve, Jorge” se resume a Güle Güele (“tchau!”) e AllahAllah (“Ai, meu Deus!”).
E a realidade do morro? A
favela fashion da novela lembra o
cenário do “Esquenta”: só tem funkeiro “família” e periguete que, apesar de
descer até o chão e mostrar a bunda pra geral, está à procura de um grande amor,
é “moça pra casar”.
Pior são as bandeiras que
“Salve Jorge” levanta (se de propósito ou sem querer, eu não sei). A mais surreal é: “vender o corpo na Capadócia não pode,
mas vender o corpo na favela pode, porque isto é Cultura.”
Não sei o que Dona Gloria bebe
antes de escrever tanta papagaiada, mas de uma coisa eu sei: quero um gole,
meu irmão!
* * *
E também tem os “núcleos”.
A Globo inventou essa moda
de “núcleos” pra parecer que suas novelas têm a complexidade das séries que a
gente vê na TV por cabo, cheias de personagens e arcos narrativos.
Em “Salve Jorge”, o que não
falta é núcleo. Tem o núcleo da favela, o núcleo militar, o núcleo da
Capadócia, o núcleo dos ricos abastados, mas infelizes (Zzzzz...) e o núcleo da
polícia. Disparado, este último é o melhor: o Rio de Janeiro é uma cidade com
seriíssimos problemas de segurança, mas o único caso em andamento na delegacia
de Giovanna Antonelli é o de uma favelada chorona que foi obrigada a fazer
programa na Capadócia.
A lógica da novela não está nem
no núcleo da favela e nem no núcleo da Capadócia.
Está é pra lá de Marrakesh,
mesmo.
* * *
Veja bem: eu gosto de filme de
lobisomem e sobre viagem no tempo.
Eu estou lendo “Sob a
Redoma”, do Stephen King.
Eu era burro em Matemática
na escola e bombei duas vezes em Estatística na faculdade.
Que moral eu tenho pra
criticar quem assiste novela?
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O que estou dizendo é que,
se eu fosse um figurão na dramaturgia da Globo, jamais escalaria a Claudia Raia
pra fazer um papel de vilã. Porque a Claudia Raia não é ameaçadora; a Claudia
Raia é engraçada.
Jamais aprovaria uma novela
cujo mocinho é um babaca de 40 anos de idade que pede qualquer mulher que conheça
em casamento (e que prontamente a convida pra ir morar com ele na casa da mãe).
Jamais aprovaria uma novela cuja
mocinha se chama “Morena” (Morena do quê? Jambo, Tropicana ou Proibida?) – ainda
mais, interpretada por uma “mini-mim” de Solineuza com olhar de Cocker Spaniel abandonado.
E por fim: jamais aprovaria
uma novela com a Solineuza em pessoa – de longe a maior arroz-de-festa que o
audiovisual brasileiro já conheceu (depois da Camila Pitanga, é claro). Desculpe
citar a personagem e não mencionar o nome da atriz.
Não sei como se chama a moça.
* * *
Dizem que as novelas são
espelhos fidedignos da autoimagem e das ambições do povo brasileiro em cada
momento histórico.
Se isto for verdade, depois
de assistir a “Salve Jorge”, estou de malas prontas.
Rumo às colinas!