terça-feira, 7 de maio de 2013

Crônica - Parks and Recreations



E FOMOS JUNTOS AO PLAYCENTER...




Ontem, o Playcenter fechou as portas. Para sempre.

Tenho certeza que, intimamente, muito marmanjo da minha idade suspirou com essa notícia. Dá para entender que, no ritmo do progresso – inclusive no que tange o entretenimento –, o bom e velho parque de diversões que decorou a paisagem de “Sampa” durante décadas ficou obsoleto. É hora, portanto, de ser aposentado e substituído.

Mas que adulto nascido ou criado nesta cidade não tem sua própria coleção de memórias afetivas do famoso logradouro onde viviam a Monga, as criaturas do “Castelo Assombrado” e os zumbis das “Noites do Terror” – sem mencionar os infames bichinhos mecânicos do “Show dos Ursos” e da “Montanha Encantada”?

Eu tenho uma porção!

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Na casa de minha mãe, pegando poeira em um armário de cerejeira, há slides tirados por meu falecido pai que mostram o Playcenter em diversas fases. O lugar era sempre um gigantesco e colorido cenário para as minhas peripécias e as do meu irmão, que nem conseguíamos dormir às vésperas de nossas visitas regulares ao parque.

Alguns desses slides são relíquias: neles, vemos o Playcenter em sua fase mais rudimentar. Datados de 1973 ou 74, os cromos mostram a gente em cima de potrinhos de verdade, que marchavam em volta de uma base de fibra de vidro (este foi o primeiro carrossel do parque, muito antes de toda aquela pirotecnia do “Enterprise”, do “Barco Viking” e da “Montanha Encantada” se concretizar).

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Isso também foi antes do “Passaporte da Alegria” – supostamente uma barganha, pela qual o visitante pagava um preço único e podia desfrutar de todas as atrações. Rá, rá – que lorota! Com filas que excediam os 40 minutos de espera, alguns dos brinquedos mais disputados eram virtualmente inacessíveis em dias de “casa cheia”. Você pagava, mas não tinha qualquer garantia de que brincaria no “Samba”, no “Bicho da Seda” ou na “Casa Maluca”.

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O Playcenter tinha um cheiro e uma atmosfera próprios. Era um odor de pipoca, de caramelo, de chocolate (este último, oriundo da barraca do favo holandês) e de asfalto quente, insinuando-se por nossas narinas enquanto percorríamos as quatro alas do parque.

Nessas andanças, aquela grande tenda marrom ao lado da “Montanha Encantada” (se não me falha a memória) era um tipo de “posto avançado”. Ali os garotos brincavam de soldados, atirando descerimoniosamente em cabeças imóveis de palhaços; ou perdiam algum dinheiro alegremente em joguinhos de azar muito mambembes, mas que cumpriam seu papel na mística do lugar.

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Sim, pois nem só de engenharia era feito o Playcenter. A simplicidade de certas coisas – a mediocridade das guloseimas e até as ocasionais falhas técnicas nos brinquedos – eram parte da brincadeira.

O Playcenter era legal assim: meio subdesenvolvido, meio imerso na poluição da Marginal, meio “cheio demais” e, mesmo assim, transcendente. Queríamos metralhar aqueles ônibus de excursões que atracavam no estacionamento logo cedo, triplicando a população do parque. E avacalhávamos a organização do empreendimento, comparando-o à Disney e afins.

Mas, no fundo, já tínhamos saudades do parque tão logo a “Super Jet” (a quem interessar, este era o “nome de batismo” da montanha-russa) se tornava um ponto distante nos retrovisores dos carros de nossos pais.

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A última vez que estive no Playcenter foi com uma garota que amei perdidamente nos tempos de faculdade. A sugestão – original, diga-se de passagem – partiu dela: passaríamos um dia no parque, comemorando meu aniversário de 20 anos.

Tinha tudo para ser uma curtição, mas não foi exatamente uma Brastemp: uma vez lá, ela jogou duro e, naquele dia, não me deu um beijinho sequer – e olha que fiz malabarismos pra conseguir meu prêmio (inclusive suportando heroicamente o horrível “show dos ursos”, que ela queria tanto assistir).

Bem, pouco importa: as lembranças daquele dia também são as últimas que tenho do parque. E, por extensão, de uma infância simples, mas feliz; e do meu pai – que tantas vezes abdicou de suas manhãs de domingo para nos proporcionar algumas horas mágicas no Playcenter.

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Ao longo dos anos, houve incidentes infelizes no parque – inclusive, alguns acidentes fatais. Mas creio que, no balanço geral, o Playcenter velho-de-guerra deixa um saldo positivo.

Igualzinho àquele meu amor de faculdade: o que é a dor de um beijo negado em comparação ao prazer dos que foram concedidos?

Acho que deveríamos ser gratos.

P.S.: Para fechar com chave de ouro: o “King Kong” do filme de 1977, que foi exibido no parque para deleite da criançada da época; a “Casa do Monstro”, cujas aberrações mecânicas tiravam o nosso sono; e a “Montanha Encantada”, que, noves fora, tinha lá seus encantos (isso é, até privarem o brinquedo daquela descida vertiginosa que encerrava o passeio, deixando todo mundo ensopado; bons tempos, “seu” menino; bons tempos).