E FOMOS JUNTOS AO PLAYCENTER...
Ontem, o Playcenter fechou as portas. Para sempre.
Tenho certeza que, intimamente, muito marmanjo da minha
idade suspirou com essa notícia. Dá para entender que, no ritmo do progresso –
inclusive no que tange o entretenimento –, o bom e velho parque de diversões
que decorou a paisagem de “Sampa” durante décadas ficou obsoleto. É hora,
portanto, de ser aposentado e substituído.
Mas que adulto nascido ou criado nesta cidade não tem sua
própria coleção de memórias afetivas do famoso logradouro onde viviam a Monga,
as criaturas do “Castelo Assombrado” e os zumbis das “Noites do Terror” – sem
mencionar os infames bichinhos mecânicos do “Show dos Ursos” e da “Montanha
Encantada”?
Eu tenho uma porção!
* * *
Na casa de minha mãe, pegando poeira em um armário de
cerejeira, há slides tirados por meu falecido pai que mostram o Playcenter em
diversas fases. O lugar era sempre um gigantesco e colorido cenário para as
minhas peripécias e as do meu irmão, que nem conseguíamos dormir às vésperas de
nossas visitas regulares ao parque.
Alguns desses slides são relíquias: neles, vemos o
Playcenter em sua fase mais rudimentar. Datados de 1973 ou 74, os cromos
mostram a gente em cima de potrinhos de verdade, que marchavam em volta de uma
base de fibra de vidro (este foi o primeiro carrossel do parque, muito antes de
toda aquela pirotecnia do “Enterprise”, do “Barco Viking” e da “Montanha
Encantada” se concretizar).
* * *
Isso também foi antes do “Passaporte da Alegria” – supostamente
uma barganha, pela qual o visitante pagava um preço único e podia desfrutar de
todas as atrações. Rá, rá – que lorota! Com filas que excediam os 40 minutos de
espera, alguns dos brinquedos mais disputados eram virtualmente inacessíveis em
dias de “casa cheia”. Você pagava, mas não tinha qualquer garantia de que
brincaria no “Samba”, no “Bicho da Seda” ou na “Casa Maluca”.
* * *
O Playcenter tinha um cheiro e uma atmosfera próprios. Era
um odor de pipoca, de caramelo, de chocolate (este último, oriundo da barraca
do favo holandês) e de asfalto quente, insinuando-se por nossas narinas
enquanto percorríamos as quatro alas do parque.
Nessas andanças, aquela grande tenda marrom ao lado da
“Montanha Encantada” (se não me falha a memória) era um tipo de “posto
avançado”. Ali os garotos brincavam de soldados, atirando descerimoniosamente
em cabeças imóveis de palhaços; ou perdiam algum dinheiro alegremente em
joguinhos de azar muito mambembes, mas que cumpriam seu papel na mística do
lugar.
* * *
Sim, pois nem só de engenharia era feito o Playcenter. A
simplicidade de certas coisas – a mediocridade das guloseimas e até as
ocasionais falhas técnicas nos brinquedos – eram parte da brincadeira.
O Playcenter era legal assim: meio subdesenvolvido, meio
imerso na poluição da Marginal, meio “cheio demais” e, mesmo assim,
transcendente. Queríamos metralhar aqueles ônibus de excursões que atracavam no
estacionamento logo cedo, triplicando a população do parque. E avacalhávamos a
organização do empreendimento, comparando-o à Disney e afins.
Mas, no fundo, já tínhamos saudades do parque tão logo a
“Super Jet” (a quem interessar, este era o “nome de batismo” da montanha-russa)
se tornava um ponto distante nos retrovisores dos carros de nossos pais.
* * *
A última vez que estive no Playcenter foi com uma garota que
amei perdidamente nos tempos de faculdade. A sugestão – original, diga-se de
passagem – partiu dela: passaríamos um dia no parque, comemorando meu
aniversário de 20 anos.
Tinha tudo para ser uma curtição, mas não foi exatamente uma
Brastemp: uma vez lá, ela jogou duro e, naquele dia, não me deu um beijinho
sequer – e olha que fiz malabarismos pra conseguir meu prêmio (inclusive
suportando heroicamente o horrível “show dos ursos”, que ela queria tanto
assistir).
Bem, pouco importa: as lembranças daquele dia também são as
últimas que tenho do parque. E, por extensão, de uma infância simples, mas
feliz; e do meu pai – que tantas vezes abdicou de suas manhãs de domingo para
nos proporcionar algumas horas mágicas no Playcenter.
* * *
Ao longo dos anos, houve incidentes infelizes no parque –
inclusive, alguns acidentes fatais. Mas creio que, no balanço geral, o
Playcenter velho-de-guerra deixa um saldo positivo.
Igualzinho àquele meu amor de faculdade: o que é a dor de um
beijo negado em comparação ao prazer dos que foram concedidos?
Acho que deveríamos ser gratos.
P.S.: Para fechar com chave de ouro: o “King Kong” do filme de 1977,
que foi exibido no parque para deleite da criançada da época; a “Casa do
Monstro”, cujas aberrações mecânicas tiravam o nosso sono; e a “Montanha
Encantada”, que, noves fora, tinha lá seus encantos (isso é, até privarem o
brinquedo daquela descida vertiginosa que encerrava o passeio, deixando todo
mundo ensopado; bons tempos, “seu” menino; bons tempos).