"I LOVE NU IORKI!"
Caro primo Anthony, how do you do?
Sei que o meu Inglês é sofrível e que eu nem deveria
exercitá-lo nesta cartinha, cujo objetivo é apenas lhe perguntar como vão as
coisas aí na América e, na via contrária, contar-lhe como vão as coisas aqui em
“Sampa”, apelido carinhoso dado à maior cidade do país. Rapaz, escreva o que
digo: vamos de vento em popa! Parece que a determinação dos nossos governantes
é transformar São Paulo, que um dia se contentou em ser a terra da garoa, na
“Nova York brasileira”. Temos muito chão pela frente, mas posso afirmar com
segurança: pelo menos ao Bronx nós já chegamos!
* * *
O primo sabe que sou um cidadão cumpridor das leis. Não me
meto em encrenca, tenho a cabeça no lugar. Daí porque tenho penado ao fazer
minha parte na hercúlea tarefa de construir a Manhattan tupiniquim com que
sonham os nossos líderes! Veja: eu dirijo veículo automotivo. Não é nenhum
Jaguar ou BMW. De fato, não é grande porcaria, embora seja limpinho e me leve
aonde eu quero. Em compensação, por ser um modelo popular, não dou trabalho!
Sou peixe pequeno. E não é que, mesmo assim, elegeram-me o vilão do filme? A
KGB do trânsito “encrespou” com a numeração da minha placa. Não conta pra
ninguém, mas ando pensando até em consultar uma numeróloga em busca de uma
combinação de caracteres com melhor astral. Porque não é possível, a atual está
zicada!
* * *
É com o meu “possante” que eles estão preocupados. Sou eu o
elemento-chave nas aferições do sucesso ou fracasso da inspeção veicular obrigatória.
O engraçado é que o cara à minha esquerda (aquele pilotando uma Kombi cujo
motor “fuma” mais que o Kate Richards e o Humphrey Bogart juntos) e o cara à
minha direita (o caminhoneiro mal-encarado que parece o Toecutter do “Mad Max”)
não estão nem aí pra light. Expelem mais porcariada no ar do que aquela usina
japonesa que deu “tilt” no ano passado, mas seguem impávidos por aí.
* * *
Também puseram minha cabeça a prêmio porque uns imbecis
daqui andaram atropelando pedestres e ciclistas, o que é mesmo um horror. Eu
apoio a causa – pedestres e ciclistas devem ter prioridade em eventuais
situações de confronto no trânsito, não é preciso ter feito curso na Sorbonne
pra saber disso, dãããã..! Mas, mesmo assim, gostaria que constasse nos autos:
não fui quem os atropelou! Esses episódios levaram a uma série de ações
desastradas que, por sua vez, resultaram em uma guerra campal: antes, era um
mata-mata organizado: motoristas de carros contra motociclistas (e todos contra
os motoboys). Hoje, por obra de medidas e campanhas de “Primeiro Mundo”
(excelentes em teoria, mas aplicadas de forma estabanada), o que era “MMA”
virou “Rollerball”. Na disputa se engalfinham motoristas de carro, motoboys,
motociclistas, pedestres e ciclistas. Tenho medo de que até os pipoqueiros
entrem na peleja. De certa forma, os carroceiros já entraram...
* * *
Nossos líderes tiveram boa intenção quando criaram aquela
campanha “Respeite a Faixa de Pedestres”. Mas esqueceram de avisar aos
pedestres que eles também deveriam respeitar a faixa (sem mencionar o bom e
velho semáforo!) – ou, antes, avisaram, mas no “timing” errado, muito depois de
a campanha para os condutores de veículos ter sido implementada. O estrago
estava feito e, agora, tudo pode acontecer! Em plena Avenida Consolação,
pessoas atravessam a rua onde e quando bem entendem. Se bobear, fazendo o passo
“Moonwalking”, do Michael Jackson. Afrontam os carros e motos, olham feio para
a gente – e despertam a fúria dos condutores e pilotos mais exaltados, que
partem para o contra-ataque no maior revanchismo. Tsc, tsc.
* * *
Semana passada, em plena Avenida Pacaembu, vi um ciclista
disputar espaço com os carros, talvez pensando que era um X-Men ou um daqueles
heróis japoneses. Os carros e motos seguiam a uma velocidade que nenhum
ciclista poderia desenvolver, mas nosso herói não se emendava: lá ia ele, em
velocidade de cruzeiro: “a segunda pista é nossa, u-hu, ninguém tasca, eu vi
primeiro!” Então, me lembrei da faixa de conscientização (estamos ficando
“experts” em faixas de conscientização, primo; conscientização é com a gente
mesmo!) estendida em outra avenida da zona norte da cidade, a Cruzeiro do Sul,
com os seguintes dizeres: “Motorista, dê prioridade ao ciclista!” Olha, não sou
de perder a fé... Mas já ouvi uns e outros por aí ironizar: “Se eles
descobrirem que bandido dá voto, as próximas faixas que veremos sobre as
avenidas e ruas terão os seguintes dizeres: ‘Motorista, dê prioridade ao
assaltante!’”
* * *
Não será responsabilidade demais sobre nossos ombros?
Afinal, somos apenas os atores do filme! Esperamos que um diretor nos posicione
no set de filmagem e que delimite as respectivas áreas de cada um no drama
encenado. Claro que priorizarei o pedestre e o ciclista, primo! Que tipo de
monstro eles pensam que eu sou?! Mas ainda acho que a tarefa de estabelecer
limites e garantir que estes sejam cumpridos deveria ser delegada a quem de
direito. É para isso que os pagamos, não é, primo? Não para pendurar faixas!
Mas deixa estar: até a Copa do Mundo, São Paulo será a nova Manhattan que, por
enquanto, só existe na cabeça dos nossos eleitos. Do Bronx, chegaremos ao
Queens – e aí, “moleque”, ninguém nos segura!
Trust in we! (É nóis!)
Seu estimado primo,
Eduardo Torelli
(P.S.1) Para uma lúcida e fundamentada discussão sobre tópicos que,
nesta crônica, foram abordados de modo meramente satírico, leia o artigo do meu
amigo Nenad Djordjevic na seção “Performance” da “Moto Adventure” deste mês
(“Mudanças no Horizonte?”). Parafraseando o Emerson Fittipaldi: “eu recomendo,
nêgo!”