segunda-feira, 13 de maio de 2013

Cinema - Entrevista / Zé do Caixão



ZÉ DO CAIXÃO (POR ELE MESMO)




Gênio ou maluco? Visionário ou impostor? Eu também estava na dúvida quando entrevistei José Mojica Marins para a "Zoom Magazine", na época do lançamento de Encarnação do Demônio (em agosto de 2008). Zé do Caixão foi um personagem icônico da minha infância. De lá para cá, se tornou (a um só tempo) uma referência “cult” e um ícone da breguice.

Antes de apedrejar o Zé, é preciso reconhecer que seus primeiros filmes (os quais muita gente NÃO VIU) são sensacionais (inclusive tecnicamente), apesar de Mojica jamais ter tido uma educação formal em cinema (para mais informações, leia o excelente “Maldito”, de André Barcinski e Ivan Finotti). Se ele banalizou seu famoso personagem desde então (por exemplo, transformando-o em host do extinto “Cine Trash”, apresentado pela TV Bandeirantes há alguns anos), isto se deveu à escassez de ofertas e de verbas para voltar a filmar.

O resto está aí, ó:
           
ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO FOI ACLAMADO NO FESTIVAL PAULÍNIA DE CINEMA. FINALMENTE, O SENHOR SE TORNOU (POSITIVAMENTE) UMA UNANIMIDADE DE CRÍTICA.
Você viu? Ganhei sete prêmios, inclusive, os de Filme e Fotografia. Não esperava por isso. Foram os “jovens” de quarenta anos que me defenderam lá. Meu produtor, Paulo Sacramento, tem 33 anos e muitos críticos que gostam dos meus filmes estão nessa faixa, de 30 a 40 anos. Quantos anos você tem?

TRINTA E OITO.

Então, é o que eu disse. Os críticos de hoje entendem os meus filmes.

ISTO NÃO SE DEVE AO FATO DE O SENHOR TER COMEÇADO A FAZER FILMES DE TERROR QUANDO ESTE GÊNERO SEQUER EXISTIA NO BRASIL?
Nos anos 60 e 70, sofri muita perseguição de caras que (descobri depois) tinham feito curso de cinema, mas cujos projetos estavam engavetados. Enquanto isto, eu – que nunca estudei cinema e que me criei nos fundos de um cinema –, conseguia fazer e lançar meus filmes. Até montei uma escola de cinema no Brasil. 

O LEGAL DESTE NOVO FILME É QUE, APESAR DOS RECURSOS TÉCNICOS, ENCARNAÇÃO TEM A SUA CARA. NÃO É UM FILME METIDO A BESTA.
A luta era esta! Quando Paulo Sacramento e o roteirista Dennison Ramalho me procuraram, queriam exatamente isso. Os dois são fãs das minhas fitas e queriam que eu mantivesse as características do Zé do Caixão. Mas o personagem nunca saiu da minha cabeça. No filme novo, é o mesmo personagem, só que mais violento e envelhecido. É preciso ter em mente que o mundo também está mais violento.

O RÓTULO DE “DIRETOR TRASH” O INCOMODA?
Isto é o que me revolta no Brasil. Lá fora, ninguém diz que minhas fitas são trash. Mas há jornalistas, principalmente mulheres, que volta e meia me chamam de “Rei do Trash”. Eu não gosto disso. Apresentei filmes trash na TV Bandeirantes durante uma época, mas isto não significa que faço filmes trash. Se eu fizer uma fita sobre um problema social, por ser eu, logo vão dizer que o filme é trash. Enquanto isso, os americanos enaltecem o meu trabalho. Ontem, dei uma entrevista de três horas para a “Fangoria”, a maior revista especializada em filmes de terror dos EUA. Mas, aqui, insistem nessa história de trash. Um dia vou pegar esses caras e perguntar se eles sabem o que significa trash...

E POR QUE ESTA OBSESSÃO POR TERROR, HEIM?
Quando eu era criança, vi uma cena que nunca esqueci: o cara que vendia batatas lá no meu bairro faleceu. Eu e outros três garotos fomos ao velório. A esposa do defunto se debruçava sobre o caixão e gritava: “Por quê?! Por quê?! Por que eu não fui no seu lugar?” Os filhos do morto me disseram que devíamos rezar para que ele voltasse à vida e achei aquilo legal. De repente, o homem mexeu a mão e todo mundo correu para a calçada. O defunto se sentou no caixão e queria saber onde estava, o que tinha acontecido... O cara era cataléptico. Resultado: ele voltou da morte, mas ninguém nunca mais comprou batatas na quitanda dele...

SÉRIO?
Sério. A esposa pediu o divórcio e o cara enlouqueceu, foi parar em um manicômio. Foi aí que comecei a me interessar pelo que existia depois da morte – assim surgiu o meu interesse por assuntos macabros. Mas só depois que fiz meus filmes descobri que existiam o Boris Karloff, o Lon Chaney, todos aqueles atores famosos de filmes de terror. Eu nem tinha ideia das comparações que faziam entre os meus filmes e aquelas produções. Quando finalmente pude assisti-las, gostei muito. Inclusive, tenho um anel que ganhei da filha do Boris Karloff, sabia?

O CURIOSO É QUE O ZÉ DO CAIXÃO É UM CARA CÉPTICO. NÃO ACREDITA EM DEUS E NEM NO DIABO...
Já me disseram que isto é contraditório, mas eu discordo. O que acontece é que o personagem exerce um domínio psicológico sobre os outros, que são suscetíveis a essas crendices – pragas, essas coisas. Zé utiliza este artifício a seu favor.

OUTRA COISA SOBRE O ZÉ DO CAIXÃO É QUE ELE NÃO É BEM UM “CAVALHEIRO”... ELE TORTURA E MALTRATA AS MULHERES. ALGUMA FEMINISTA JÁ QUIS TOCAR FOGO NO SEU CARRO POR CAUSA DISSO?
Ainda não, mas acho que, depois deste novo filme, vou ter problemas com elas. Mas tem uma coisa: o Zé é machista, faz de tudo com as mulheres, mas elas levam a melhor sobre ele. Afinal, o Zé precisa delas para ter o raio do “filho perfeito”.. Depois que ele encontrar a mulher certa, até dará a vida por ela.

EM ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO, VOCÊ REFEZ UMA CENA DE ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER QUE TINHA SIDO CENSURADA NOS ANOS 60...
Na época, eles me obrigaram a mudar tudo. No desfecho da fita, em 30 segundos, Zé se convertia e aceitava a cruz. A cena terminava até com música sacra! Mas, neste filme, refiz a cena como a imaginei nos anos 60. Ele não se converte e até mata o padre com a cruz. O dublê que faz o Zé do Caixão “jovem” em Encarnação é um dos meus fãs nos EUA. Ele veio ao Brasil por conta própria, só para aparecer no filme.

É ENGRAÇADA A PERSEGUIÇÃO AO ZÉ DO CAIXÃO, PORQUE SEU PERSONAGEM MAIS BLASFEMO É FINNIS HOMINIS, UM LOUCO QUE FOGE DO HOSPÍCIO E SE TORNA UM MESSIAS PARA O POVO IGNORANTE.
O Finnis é um louco inconsciente, enquanto o Zé do Caixão é um louco consciente. Quem queria ver esses dois personagens juntos em um mesmo filme era o Glauber Rocha. Eu tenho um roteiro que promove a união dos dois. Quem sabe não fazemos este filme, futuramente? Aliás, considero Finnis Hominis o meu melhor filme.

E O PROJETO DE O DEVORADOR DE OLHOS? HÁ CHANCES DE O FILME SER PRODUZIDO EM BREVE?
Vamos ver o que acontece. Se Encarnação do Demônio for um sucesso, faremos uma continuação, Sete Ventres Para um Demônio.O Devorador de Olhos tem um personagem ainda mais sádico que o Zé. Ele sofre de uma doença que o faz arrancar os olhos de mulheres. Às vezes, com saca-rolhas. É bem violento.

VOCÊ ASSISTE A FILMES DE TERROR?
Não. Meus filhos, às vezes, me falam de alguns filmes, mas não assisto para não dizerem que estou sendo influenciado. Até compararam Encarnação com Jogos Mortais. Mas eu nunca assisti a Jogos Mortais.

QUAL É O SEU FILME DE TERROR PREDILETO?
O Bebê de Rosemary. É uma fita assustadora, sobre uma coisa que pode acontecer. Nunca mais Roman Polanski conseguiu fazer um suspense tão perfeito! Quem sabe, Encarnação do Demônio não incentiva outros diretores do Brasil e da América Latina a realizarem mais fitas do gênero?

VOCÊ PASSOU POR TODAS AS FASES DO CINEMA NACIONAL. EM QUAL DELAS O ZÉ DO CAIXÃO ROGARIA UMA PRAGA?
Cada fase teve suas dificuldades. No passado, se eu não tivesse feito A Sina do Aventureiro, financiado por um sistema de cotas, o cinema talvez tivesse morrido. A Vera Cruz quebrou e, com isso, também a proposta de um cinema industrial. Mas aquele não era o fim. O sistema de cotas foi utilizado por mim, por (Carlos) Reichenbach e por (Rogério) Sganzerla. Depois, passei pelo cinema de sexo explícito pra sobreviver. E agora vivemos “a grande época”. Se bem que é preciso repensar algumas coisas: toda a verba disponível para o cinema, no Brasil, sai para a turma do Rio de Janeiro, o pessoal “Global”. Espero ganhar força com Encarnação, para juntar um grupo de representantes de vários estados e ir falar diretamente com o Lula. Também acho que é preciso um júri para definir a destinação desta verba. Pessoas com talento e histórico, já aposentadas, poderiam compor o júri. E também é importante que os diretores façam filmes para o povo, não para ganhar prêmios. Se ganhei aqueles prêmios em Paulínia, é porque fizemos um belo trabalho. Mas a minha alegria é o povo assistir aos meus filmes e gostar deles.

NÓS, DA REVISTA “ZOOM MAGAZINE”, LHE ROGAMOS UMA PRAGA: QUE ENCARNAÇÃO FAÇA MUITO SUCESSO.
Muito obrigado! Fiquem com Deus.

Artigo originalmente publicado em "ZOOM MAGAZINE", em agosto de 2008