quinta-feira, 9 de maio de 2013

Crônica - Comportamento / Barracos Urbanos



A INVASÃO




Cidadão!

Este é um pronunciamento público e diz respeito a você e a seus familiares.

Não troque de canal, não mude de estação, não desligue o telefone.

Esta frequência é segura, mas estamos sob ocupação já há uma década e, a essas alturas, o inimigo penetrou em nossas trincheiras, se instalou no governo e monopolizou as comunicações.

Agora mesmo, existe o risco desta mensagem ser interceptada...

... ser interceptada...

... ser interceptada...

Aaaaaaaaah... Lelek lek lek lek lek lek lek lek lek lek!

“Esse é o novo passinho / pra geral se amarrar /
Ele é muito maneiro / qualquer um pode mandar!”


* * *

Esqueça os zumbis e os vampiros, meu filho.

O apocalipse bateu à nossa porta, sim, mas não foi do jeito que Hollywood previu. O ano 2000 passou batido por nós e saímos comemorando cedo a catástrofe que nunca aconteceu.

Olha aí: assinamos atestado de otários.

Ligue o rádio, agora mesmo. Veja os modos do seu vizinho. Olha o que está passando na TV. Converse com um professor da rede pública sobre o universo e as perspectivas de seus alunos, peça licença e vá se sentar na calçada. Chore.

Foram os boçais, meu chapa.

Os boçais é que dominaram o mundo.

* * *

Outro dia, eu e a rapaziada da redação fizemos um happy hour no Bar da Imprensa, botequinho familiar e bem ajeitado das redondezas. Sem aviso prévio, o invasor chegou: eram vários. Tomaram conta de uma mesa ao lado, sacaram seus celulares (“Fazer ‘fotinha’! Fazer ‘fotinha’!”), largaram as blusas e as bolsas no chão e o Armaggedon ficou solto.

Ou já estavam bêbados ou tomaram umas e outras via “intravenosa”. Porque, em poucos instantes, todo mundo já estava pra lá de Bagdá. No modo “dançar-sensualizar-destruir”, a mulherada do grupo (nada que se salvasse ali, garanto) começou a se expandir pelo recinto feito massa de pão, usando o seu espaço e os dos outros. Dançaram na calçada – chique! – e o inevitável aconteceu: uma delas, que deveria pesar uns 150 quilos (sem meias e sapatos e em jejum), deu uma bundada nas garrafas e petiscos da mesa, espalhando tudo pelo chão.

“Mano! Põe mais cervêêêêja!”

“Mano! Tira ‘fotinha’!”

“Mano! Que vontade de mijar da porra!”

(Esta era uma das moças).

* * *

A galera do boteco aumentou o tom de voz, pois era impossível qualquer entendimento em meio àquela algazarra. O desconforto piorou quando um dos farofeiros manobrou o carro para a calçada próxima ao bar e PÁ! Ligou a porra do som nas alturas.

A vontade era sair esmurrando, mas um gigante do nosso grupo (meu colega Vitor Giglio, que já jogou rugby e que poderia quebrar suas costelas com um peteleco) manteve a cabeça fria e, com um autocontrole invejável, foi lá parlamentar com eles. A contragosto, os joselitos-sem-noção baixaram a música – pero no mucho. Só reinou a paz, mesmo, quando um garçom veio pedir que o som fosse totalmente desligado, pois os clientes que estavam dentro do restaurante não conseguiam ouvir o show do artista contratado pela casa.

* * *

E é isso.

O cara paga pra tomar um choppinho e ouvir um pouco de MPB e leva um repertório de Funk e de Forró nos ouvidos. Cortesia do babaca-mor da vizinhança, que comprou um kit de som a 400 prestações e (“Câmera em mim! ‘Fotinha’!”) acha que está abafando.

Idiota.

* * *

Que será que aconteceu?

Ainda boto fé no Homem, então, vamos considerar que o joselito-sem-noção (cada vez mais, o protótipo do brasileiro) não tem consciência do que faz... É tudo parte daquela conspiração mencionada lá em cima. Quem sabe, os paraguaios não lançaram algum bacilo ou vírus contagioso e idiotizante em nossa água, transformando o Brasil em uma nação de retardados? Olha, é algo pra gente considerar... Já vi um troço parecido em um filme do George Romero!

Por via das dúvidas, daqui pra frente, vamos observar atentamente os nossos próprios modos em público. Nunca se sabe: nós mesmos podemos já ter bebido a água. Talvez a nossa porção “joselito” esteja incubada e prestes a irromper no mundo. Já pensou?


* * *

Tem que ver isso aí, ó:

SOM: Ninguém precisa escutar o que você gosta de ouvir. Foi pensando nisso que, em 1958, os norte-americanos (ô, raça boa!) inventaram uma coisa chamada “fone de ouvido”, testada e aprovada em países desenvolvidos, mas que já está à venda em qualquer boa loja do ramo do Brasil há um tempão. Experimente: é joia.

FILAS: Tanto quanto a penicilina, elas são um sustentáculo da civilização. Não fure filas. Espere. Pode parecer uma besteira agora, porque você está estressado e não consegue pensar com clareza, mas uma coisa bacana sobre as filas (talvez, a única) é que elas andam. Um passo de cada vez... Devagar... Mas andam.

NEXTEL, SMARTHPHONE E CELULAR: A gente sabe que você está superorgulhoso de si pelo negócio que fechou ontem. A gente também sabe que você ama a Dani, e tudo, mas a real é que ninguém na praça de alimentação, elevador ou banheiro do shopping liga a mínima pra isso. Se o telefone tocar quando você estiver cercado por desconhecidos, baixe a voz para um sussurro e diga: “Dani, gata... Não posso atender agora. Te ligo em dois minutinhos, pode ser? Também te amo, mô.” E daí, atenda a ligação em outro lugar.

ÁLCOOL: Beba, fique alto, toque o terror. Mas não seja idiota. Não é nenhum segredo da CIA que só gente depressiva e fracassada bebe até vomitar. Excesso de euforia pode ser um sinal de que você é um loser – o tipo de informação que é bom guardar pra si, não espalhar pra geral.

FESTA NA RUA: A rua é pública, sim, mas você entendeu tudo errado. O fato de ser pública não significa que a calçada é uma extensão do seu quintal. Quer fazer festa? Faça dentro de casa. Não quer bagunça em casa? Não faça festa. Não sabe respeitar os vizinhos? Alugue uma chácara (de preferência, isolada). Já que a vizinhança não é convidada pra esses barracos que você chama de “festas”, ela não é obrigada a aturar os seus amigos.

LIMITE DE VELOCIDADE 1: Você comprou uma moto que faz 280 km/h? Comprou um carrão turbinado que, quando levado ao limite, rompe a barreira do som? Parabéns! Mas as vias públicas têm limite de velocidade e, no Brasil, são monitoradas com rigidez. Então, é o seguinte: 280 km/h você não vai poder fazer. E pare de colar na traseira do cara da frente! Ele é um cidadão comum, não é filho do Eike Batista (logo, é obrigado a respeitar as leis de trânsito). Por que razão ele deveria andar mais depressa, arriscando-se a levar uma multa? Só pra te fazer feliz? Vá se catar, vacilão.

LIMITE DE VELOCIDADE 2 – A MISSÃO: Supondo que você seja o oposto do babaca aí de cima e goste de passear pela cidade a 20 km/h, mesmo em vias públicas onde a média de velocidade é 60 km/h. Fica a dica: trafegue pela direita. Pra isso serve a direita: pra você tocar o carango tranquilão, ouvindo um CD do Richard Clayderman ou da Enya. Vá na sua, não se apresse – mas também não atrase o próximo. Dependendo do temperamento do “próximo”, a vítima pode ser você.

* * *

E está bom por hoje.

Com jeitinho e com bom-senso, os joselitos não prevalecerão.