A TV QUE O TEMPO ESQUECEU
Há coisa de um mês, li um post bem interessante sobre a TV dos velhos tempos no blog do colega de redação Ademir Pernias (www.blogdocidadelas.blogspot.com) – uma reflexão nostálgica sobre a importância desse ilustre eletrodoméstico nos lares dos anos 1960 e 1970, quando as telas ultrafinas e de alta-definição ainda eram delírios da ficção científica.
Valvulados e “sentimentais”, os televisores de outrora –
quadradões e limitados em sua programação retrô – definiam TODA a nossa noção
de entretenimento (lembre-se: não existia o “home vídeo” e muito menos o
YouTube e as redes sociais). Quando eram mandadas para o conserto, era um
xororô generalizado – crianças, velhos e adultos lamentavam a sorte das
moribundas, entregues aos técnicos e às suas bancadas cheias de parafusos,
fusíveis e chaves Philips.
“Será que ela resiste a essa? Está tão velhinha, coitada”,
perguntavam-se todos, melancólicos, reunidos na hora do jantar. Quase o mesmo
que ter um ente querido internado em estado grave. Tanto quanto os cães e
gatos, as TVs eram “membros da família”.
E sem televisão, meu amigo, “no” Perdidos no Espaço, “no”
Terra de Gigantes e “no” Rin-Tim-Tim!
* * *
Após ler o post do “Cidadelas”, fiquei me perguntando que
fim levaram os programas que frequentavam o “hit parade” da minha infância e
adolescência. Os já referidos seriados de Irwin Allen – esqueci de mencionar os
igualmente famosos Viagem ao Fundo do Mar (“Controle de danos, fala Nelson:
informe!”) e Túnel do Tempo – ainda estão por aí, em reprises esparsas na TV a
cabo ou mesmo em DVD (no Brasil, saíram pelo Clube Vídeo Séries, que faz um
trabalho e tanto preservando a memória da “TV a lenha” em nosso país).
Mas onde estão as infindáveis edições de O Homem do Sapato
Branco (semanalmente apresentado por Jacinto Figueira Júnior, uma espécie de
precursor do Ratinho e de todo o mondo cane que hoje impera na telinha)? Onde
estão as pornochanchadas que passavam na Sala Especial (“Patrocínio:
Uemura!”), devidamente “picotadas” pelos censores (cenas de sexo, ainda que
simuladas, só passaram a ser exibidas na TV após 1985)? Onde estão Don e Ravel,
os menestréis do Governo Militar que monopolizavam os programas de auditório
vespertinos com seus hits detestáveis, como “Obrigado ao Homem do Campo”?
Sumiram, escafederam-se nos turbulentos labirintos desse
“infecto tubo de elétrons” (copyrights: Marcelo Tas), junto com o Astros do
Ringue (estrelado por Fantomas, Michel Serdan, King Kong e o filho deste
último, “King Konguinho”).
* * *
Outra coisa: não há como explicar isso a um cinéfilo da
atualidade – mas houve tempo em que esperava-se meses, às vezes um ano, para se
curtir um grande clássico da Sétima Arte na TV.
No início dos anos 80, antes do videocassete, a única forma
de assistir a Jesus Cristo Superstar ou Superman era entrar em uma máquina do
tempo e regressar à época em que a produção fora exibida no cinema – ou então,
esperar que a mesma passasse na Globo. Fatalmente, seria em uma noite de sábado
– e no horário nobre. Havia quem desmarcasse viagens para não perder o
espetáculo (afinal: antes da TV a cabo, talvez fosse virtualmente impossível
sintonizar a Globo em uma cidadezinha do interior). Na praia, então, nem
pensar: não havia bombril na antena que operasse esse milagre!
Não se trata de mera “figura de linguagem”, visto que deixei
de viajar para o interior, em março ou abril de 1984, só para assistir a
Superman na televisão.
Plim-plim!
* * *
Dependendo de nosso grau de empatia com a atração em
destaque, apelava-se até a um recurso desesperado para prolongar a sensação de
apreciar um bom filme ou seriado na telinha: alguns (inclua-me nessa!)
registravam o som do filme utilizando pequenos gravadores analógicos
posicionados ao lado da TV. Mais ou menos o que ainda faço em coletivas de
imprensa, mas para gravar as falas de CEOs, cineastas e patrocinadores
culturais.
Bons tempos, mesmo – ainda que um pouco estranhos...
* * *
Também me pergunto onde estão as celebridades que inspiravam
as pessoas naquele tempo. Gretchen, do “Conga, Conga, Conga” (e habitué do meu
banheiro na pré-adolescência) ainda está por aí – de fato, acaba de sair de seu
14º casamento. Mas Gretchen é figurinha carimbada, como o Sidney Magal
(“Te-nho! Mil olhos para olhar-te!”) e Hebe Camargo. Pertence à estirpe dos
highlanders brasileiros, que não morrem e nem desaparecem com tsunamis,
vazamentos nucleares ou mesmo hiper-epidemias de dengue.
Refiro-me à Kate Hansen, que tinha coxas poderosas (elas
sempre escapuliam de um robe ou minissaia em uma cena sensual) e
invariavelmente fazia papéis de alemãs, suecas ou milionárias sem-vergonhas; à
Nádia Lippi, musa de Pecado Rasgado e As Três Marias, além de capa da “Playboy”
em 1981 (ou seja, também frequentou o meu banheiro); e àquele cantor, Dalto
(assim mesmo, sem sobrenome conhecido), que torrou nossa paciência cantando o
hit “Muito Estranho” no Programa Raul Gil, no Globo de Ouro e em qualquer
atração obscura que, nas priscas eras, cumpria o papel hoje desempenhado pela
MTV. Nunca mais ouvi falar dele.
Ninguém sabe, ninguém viu...
* * *
De vez em quando, no YouTube ou no UOL Vídeos, tropeço
nessas preciosidades que marcaram minha infância e adolescência. E chego a
ficar emocionado ao constatar que realmente existiram – não são delírios de um
quarentão prestes a entrar na “fase do esquecimento”.
Por exemplo: no finalzinho dos anos 70 e início dos 80, as
Festas eram precedidas por exibições sazonais do Natal da Turma da Mônica – um
dos primeiros (senão “o” primeiro) curtas de animação veiculados nacionalmente
em nossa TV. Era sempre a mesma coisa –
“pra Mônica um coelhinho, novinho e bem limpinho / Anjinho está contente,
ganhou uma harpinha nova” –, mas dava um sabor especial ao fim do ano.
É isso aí, telespectador.
O mundo gira e a Lusitana roda!