terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica - "O Choque do Futuro"



O CHOQUE DO FUTURO




No último dia 17 de fevereiro, uma das profecias de minha infância se cumpriu. Não é que os americanos (sempre eles... ô, raça!) apresentaram ao mundo o primeiro braço biônico controlado pelo pensamento – capaz, inclusive, de reproduzir ao paciente amputado algumas sensações de pele?

Pois é: para quem foi criança nos anos 70, é notícia velha. O Homem de Seis Milhões de Dólares (no R.G., Coronel Steve Austin; para os íntimos, Cyborg) ganhou um desses após se acidentar em um teste com um avião da NASA. A diferença é que, 40 anos atrás, os recursos disponíveis só permitiram construir um homem biônico (isto é, até que o programa fizesse um sucesso danado e os roteiristas espichassem a ideia com a “Mulher Biônica”, o “Menino Biônico” e até com um infame “Cão Biônico”!).

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A realidade do presente foi além e produziu Steves Austins no atacado: há nada menos que 50 cyborgs de verdade andando pelos EUA (muitos deles, veteranos de guerra). Todos foram beneficiados com braços biônicos criados pelo médico estadunidense Todd Kuiken. Nenhum, é claro, consegue saltar a altura de um prédio ou demolir uma parede com suas próteses (na série, elas eram alimentadas por baterias nucleares, o que supostamente explicava a superforça do Homem de Seis Milhões de Dólares). Mas é impossível negar que se trata de uma conquista e tanto.

Sim – porque de toda aquela balela pseudo-científica do seriado, o que mais me impressionava era o fato de uma máquina ser controlada pelo pensamento. Até hoje isso me parece bruxaria. Mas a TV também é um enigma além da minha compreensão (imagens fragmentadas em sua fonte geradora, que cruzam o ar e se recompõem em um receptor do outro lado do mundo? Ah, tá bom...). O que ilustra o grau de nossa ignorância em relação ao que “pode” e ao que “não pode ser” e, também, explica por que a ficção científica é um gênero fascinante (inclusive para cépticos de todas as idades).

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Em criança, perguntei ao meu pai se todos aqueles absurdos que eu via na TV (inclusive, os pulos do Cyborg) eram uma bobajada completa ou se tinham um fundo de verdade.

Meu velho – que nunca foi um aficionado por televisão, sendo um sujeito muito mais prático e pró-ativo do que jamais serei – me surpreendeu com sua ponderação. Usando como exemplos os antigos seriados de Flash Gordon (que ele assistia no único cinema de Tambaú, em sua infância), me fez entender que os aparelhos de TV também eram uma ideia ridícula quando primeiramente apareceram em Flash Gordon no Planeta Mongo (1936) e Flash Gordon Conquista o Universo (1940); mas que – veja só – agora tínhamos um em nossa sala.

Munido desta consciência, passei a observar com menos cepticismo o andamento do progresso – e não é que vi se materializarem o intercomunicador do Capitão Kirk (hoje conhecido como “telefone celular”)? A nave Discovery (de 2001 – Uma Odisséia no Espaço)? A clonagem de seres vivos (Hello, Dolly!)? E até as salas mecanizadas dos vilões de James Bond, que pareciam ter vida própria e eram comandadas por controles-remotos (leia-se: “automação residencial”)?

Diante de antecedentes assim, convenhamos: um braço biônico sequer chega a ser uma “Brastemp”...

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Por obra do acaso, ao ler a nota sobre os braços biônicos do Dr. Todd Kuiken na Internet, o mantenedor deste blog terminava uma maratona em DVD das séries O Homem de Seis Milhões de Dólares e A Mulher Biônica. Venho fazendo isso de um tempo para cá, não sei bem por quê: revisitando os clássicos da minha infância, pela simples curiosidade de ver como envelheceram.

Reencontrar o Coronel Steve Austin e Jamie Sommers (o nome de batismo da Mulher Biônica, que também era tenista profissional e professora primária em Ohio, EUA) foi como rever tios queridos. Minhas matinês eram embaladas por suas aventuras rocambolescas – e gostei de constatar que, apesar dos efeitos especiais modestos (mas que davam para o gasto no contexto das histórias), as duas séries eram excelentes, com personagens humanos, tramas engenhosas e algumas sacadas bem legais.

Há alguns anos, a TV tentou produzir um remake da Mulher Biônica, mas o projeto naufragou. Como outras preciosidades daquele tempo, tais programas devem ser apreciados e entendidos no contexto de sua época. Melhor que não “bulam” com Steve e Jamie – até porque não é preciso “re-imaginar” seus feitos, que estão aí, ao alcance da mão, para serem relembrados.

Afinal: outro milagre da ciência moderna é esse disquinho magnético chamado “DVD”. Se me dissessem, em 1976, que no futuro seria possível ter todos os episódios de Cyborg e A Mulher Biônica acondicionados em vinte caixinhas de plástico, isto me pareceria mais absurdo que um braço biônico comandado pelo pensamento.

Às vezes é bom estar errado.

E até citar Caetano Veloso:

“Quem é ateu e viu milagres como eu 
Sabe que os deuses sem Deus 
Não cessam de brotar.”