O CHOQUE DO FUTURO
No último dia 17 de fevereiro, uma das profecias de minha infância se cumpriu. Não é que os americanos (sempre eles... ô, raça!) apresentaram ao mundo o primeiro braço biônico controlado pelo pensamento – capaz, inclusive, de reproduzir ao paciente amputado algumas sensações de pele?
Pois é: para quem foi criança nos anos 70, é notícia velha.
O Homem de Seis Milhões de Dólares (no R.G., Coronel Steve Austin; para os
íntimos, Cyborg) ganhou um desses após se acidentar em um teste com um avião da
NASA. A diferença é que, 40 anos atrás, os recursos disponíveis só permitiram
construir um homem biônico (isto é, até que o programa fizesse um sucesso
danado e os roteiristas espichassem a ideia com a “Mulher Biônica”, o “Menino
Biônico” e até com um infame “Cão Biônico”!).
* * *
A realidade do presente foi além e produziu Steves Austins
no atacado: há nada menos que 50 cyborgs de verdade andando pelos EUA (muitos
deles, veteranos de guerra). Todos foram beneficiados com braços biônicos criados
pelo médico estadunidense Todd Kuiken. Nenhum, é claro, consegue saltar a
altura de um prédio ou demolir uma parede com suas próteses (na série, elas
eram alimentadas por baterias nucleares, o que supostamente explicava a
superforça do Homem de Seis Milhões de Dólares). Mas é impossível negar que se
trata de uma conquista e tanto.
Sim – porque de toda aquela balela pseudo-científica do
seriado, o que mais me impressionava era o fato de uma máquina ser controlada
pelo pensamento. Até hoje isso me parece bruxaria. Mas a TV também é um enigma
além da minha compreensão (imagens fragmentadas em sua fonte geradora, que
cruzam o ar e se recompõem em um receptor do outro lado do mundo? Ah, tá
bom...). O que ilustra o grau de nossa ignorância em relação ao que “pode” e ao
que “não pode ser” e, também, explica por que a ficção científica é um gênero
fascinante (inclusive para cépticos de todas as idades).
* * *
Em criança, perguntei ao meu pai se todos aqueles absurdos
que eu via na TV (inclusive, os pulos do Cyborg) eram uma bobajada completa ou
se tinham um fundo de verdade.
Meu velho – que nunca foi um aficionado por televisão, sendo
um sujeito muito mais prático e pró-ativo do que jamais serei – me surpreendeu
com sua ponderação. Usando como exemplos os antigos seriados de Flash Gordon
(que ele assistia no único cinema de Tambaú, em sua infância), me fez entender
que os aparelhos de TV também eram uma ideia ridícula quando primeiramente
apareceram em Flash Gordon no Planeta Mongo (1936) e Flash Gordon Conquista o
Universo (1940); mas que – veja só – agora tínhamos um em nossa sala.
Munido desta consciência, passei a observar com menos
cepticismo o andamento do progresso – e não é que vi se materializarem o
intercomunicador do Capitão Kirk (hoje conhecido como “telefone celular”)? A
nave Discovery (de 2001 – Uma Odisséia no Espaço)? A clonagem de seres vivos
(Hello, Dolly!)? E até as salas mecanizadas dos vilões de James Bond, que
pareciam ter vida própria e eram comandadas por controles-remotos (leia-se: “automação
residencial”)?
Diante de antecedentes assim, convenhamos: um braço biônico
sequer chega a ser uma “Brastemp”...
* * *
Por obra do acaso, ao ler a nota sobre os braços biônicos do
Dr. Todd Kuiken na Internet, o mantenedor deste blog terminava uma maratona em
DVD das séries O Homem de Seis Milhões de Dólares e A Mulher Biônica. Venho
fazendo isso de um tempo para cá, não sei bem por quê: revisitando os clássicos
da minha infância, pela simples curiosidade de ver como envelheceram.
Reencontrar o Coronel Steve Austin e Jamie Sommers (o nome
de batismo da Mulher Biônica, que também era tenista profissional e professora
primária em Ohio, EUA) foi como rever tios queridos. Minhas matinês eram
embaladas por suas aventuras rocambolescas – e gostei de constatar que, apesar
dos efeitos especiais modestos (mas que davam para o gasto no contexto das
histórias), as duas séries eram excelentes, com personagens humanos, tramas
engenhosas e algumas sacadas bem legais.
Há alguns anos, a TV tentou produzir um remake da Mulher
Biônica, mas o projeto naufragou. Como outras preciosidades daquele tempo,
tais programas devem ser apreciados e entendidos no contexto de sua época.
Melhor que não “bulam” com Steve e Jamie – até porque não é preciso “re-imaginar”
seus feitos, que estão aí, ao alcance da mão, para serem relembrados.
Afinal: outro milagre da ciência moderna é esse disquinho
magnético chamado “DVD”. Se me dissessem, em 1976, que no futuro seria possível
ter todos os episódios de Cyborg e A Mulher Biônica acondicionados em vinte
caixinhas de plástico, isto me pareceria mais absurdo que um braço biônico
comandado pelo pensamento.
Às vezes é bom estar errado.
E até citar Caetano Veloso:
“Quem é ateu e viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem Deus
Não cessam de brotar.”