terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica - Relacionamentos



AMOR, ESTRÁBICO AMOR




Encontros às escuras são um flagelo da evolução. Pronto, falei.

No princípio, eram apenas o homem, uma tanga de lã e uma lança.

Solto nos campos, o macho era livre para escolher a fêmea que lhe aprouvesse. O amor era “bruto” (no sentido literal do termo) e ninguém precisava discutir a relação. Afinal, nossa linguagem se resumia a dois ou três vocábulos e a uma biblioteca de grunhidos...

Mas a festa acabou lá por volta de 40.000 anos atrás, quando começamos a racionalizar os princípios da atração e da convivência entre os sexos. Os coitados dos homens de Neanderthal foram os primeiros a participar de rudimentares terapias de casal.

Funcionava assim: o indivíduo mais forte da tribo, com um pedregulho de três quilos na mão, incutia juízo na cabeça do cônjuge indeciso ou infiel dando-lhe pancadas no cocuruto. Enquanto isso, a sogra da vítima – macaca temperamental e com o dorso coberto de pelos grisalhos – aplaudia com as quatro patas, dando cabriolas frenéticas. Era seu modo de dizer: “Tá vendo, filha? Eu disse que esse traste não servia pra você...”

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Dar presente de Dia dos Namorados, abrir a porta do carro, pagar a conta do restaurante (ao menos no primeiro encontro, seu pão-duro!), discutir a relação – todas essas coisas foram mesmo avanços notáveis na arte de se relacionar. Do contrário, Átila o Huno teria ganho a vida como conselheiro sentimental e publicado artigos tão sutis quanto iluminadores: “Estupro: Por Que Não?””; “Quem Ama, Escalpela”; “Estacas: o Método Mais Rápido Para Chegar ao Coração de uma Mulher”; e por aí vai...

Mas, em nome do bom-senso, quero reiterar: encontros às escuras são o “ó do borogodó”.

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O problema de ser solteiro é que todos os seus amigos comprometidos, a certa altura do campeonato, vão querer te arrumar uma esposa. Se não for ideia do amigo, será da mulher do amigo. “Ah, mas ele é um cara tão legal! Precisa de uma esposa e de um filho! Toda panela tem a sua tampa!”

De fato, o cartão de crédito resolve esse problema, rapidinho. Por meio dele, pode-se adquirir tampas das mais variadas formas e tamanhos. Tampas orientais, mignons, oxigenadas ou “do tipo americana”; tampas para serem usadas uma única vez e outras que o acompanham em festas e até em viagens ao exterior. Hoje, as tampas vêm de táxi à sua casa (cobram um pequeno adicional para isso). Algumas moram em flats em Moema. E eu conheço duas que “hablan español”.

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Esta visão cínica das coisas nem sempre funciona, claro. Todo solteirão já se sentiu meio amargurado em um Dia dos Namorados. É ridículo, eu sei – mas, às vezes, um comercial da Renner pode deixá-lo na pior... Aquela gente feliz, trocando presentes e correndo no parque ao som de “Unforgettable” (BLEARGGGHHH!), pode ser um soco na auto-estima de qualquer lobo solitário (especialmente, se o lobo não estiver em uma boa fase).

A sensação passa no dia seguinte – de fato, passa no mesmo dia: basta avistar os barzinhos lotados e se dar conta (ao som de “Also Sprach Zarathustra”, tema de 2001 – Uma Odisseia no Espaço) que, este ano, você não precisará encarar aquelas filas. Mas, até lá, a coisa pode ser sombria... 

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Ao longo desses 40 anos, tive um monte de “encontros às escuras”. Dois acabaram bem: assim conheci minha primeira e minha última namoradas, que me fizeram muito feliz e que, de um jeito estranho, viverão para sempre neste velho e combalido coração (Oi, Ju! Oi, Mel!). Mas essas são histórias de sucesso, não de fracasso – portanto, a tendência é a gente apagar o prólogo e guardar apenas as highlights do espetáculo.

As histórias realmente engraçadas são as de encontros às escuras que acabaram em blackout total.

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Como esquecer aquele blind date de 1993, coestrelado pela ex-cunhada de um amigo (ela acabara de sair de um casamento fracassado e, mesmo assim, quis me conhecer – burra!). Era uma morena de lábios finos e belos. Tive tempo de sobra para observá-los, já que, travada, ela não abriu a boca durante duas horas – e olha que fiz de tudo para entabular conversa.

Espere, puxe uma cadeira, peça uma cerveja. A coisa fica pior.

O encontro foi no Bar Brahma, centro de São Paulo, onde se apresentava uma pianista de 120 anos de idade (declarados). O repertório era o “hit parade” completo da época de Don João VI (adivinhe quem sugeriu o lugar? Não fui eu...).

No fim da noite, o gelo derreteu um pouco – o bastante para que a moça de lábios finos e belos se abrisse (infelizmente, no sentido figurado) e desse início a um infindável blá-blá-blá sobre seu malogrado casamento. Sou um profissional treinado e sei sorrir cordialmente diante dos maiores descalabros – veja, já entrevistei o Alexandre Frota e uma Miss São Paulo. Mas, intimamente, minha imaginação voava: visualizava a mim mesmo enfiando a dita cuja dentro do piano da velhinha. Em meu delírio homicida, eu a enforcava com as cordas do piano, só para me certificar de que aquela anta chorona nunca mais caminharia sobre a terra...

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A Internet é outro “campo minado” em se tratando de blind dates. Na época em que tinha conta naquele site de relacionamentos, o Orkut me ensinou a diferença entre “profile” e realidade.

Certa vez – marcado um encontro com determinada fulana no Shopping Morumbi (a premissa: apenas um agradável almoço, todo mundo vestido, coisa bem tradicional), vi-me em uma inusitada fuga pelos corredores do estabelecimento. Com a malandragem adquirida em outras experiências do gênero, prudentemente marquei o encontro em um dos elevadores e perguntei o que minha acompanhante estaria vestindo.

Ao vê-la de trás de uma coluna – e me certificar que o Photoshop faz milagres –, tratei de me escafeder dali rapidinho. Não foi um dos meus melhores momentos, mas – hei! Eu sobrevivi!

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Errar é humano, apesar de não ser recomendável, correto, lógico e sequer aceitável se houver vidas humanas em risco; mas o fato é que tenho outro blind date nos próximos dias. De fato, não sei se vou; pode ser que eu fuja de novo, como um ladrão, já que gato escaldado tem medo de água fria (copyrights: minha avó).

Pode ser uma catástrofe, mas pode ser uma coisa boa. É um daqueles momentos em que a gente se sente o Pensador, de Rodin, perdido em elocubrações. Should I stay or should I go?

Mas, independentemente do que der, talvez seja a hora de baixar a guarda e novamente dar algum crédito àquela máxima adorada pelas mulheres (e também, por alguns fanáticos religiosos): “o amor nos libertará.” 

Palpitando em um tema no qual não sou nenhuma autoridade – veja meu currículo, parcialmente descrito acima –, creio que o amor (o verdadeiro amor, não o das lojas Renner) pouco tem a ver com filhos e casamentos. Talvez seja mais um contraponto fundamental para o torno que nos esmaga dia a dia.

O torno da apreensão, da desconfiança e (principalmente) do isolamento que nos auto-impomos, sempre com os punhos fechados e a guarda levantada.

Parafraseando David Bowie e o Queen naquele hit de 1982, "Under Pressure": o amor é uma palavra antiquada (eu iria até mais longe: "constrangedora"). Mas, em um mundo de tristeza, brutalidade e indiferença, também é algo que nos desafia a ir em frente e a nos importar.

Ok, é ridículo porque sou eu que estou dizendo.

Mas olha o que acontece quando o David Bowie e o Freddie Mercury (saudosa bichona!) assumem o vocal.

É isso aí: “Why can't we give love one more chance?

That’s our last dance!”