terça-feira, 23 de abril de 2013

Cinema - "O Besouro Verde" / Cinema VIP Shopping Cidade Jardim



POR ALGUNS DÓLARES A MAIS...




Se a vida é um filme, como dizem os sonhadores, a máxima para os tempos que correm é uma só: ninguém mais quer ser figurante.

O importante é se destacar – mesmo que, paradoxalmente, “se destacar” implique em abdicar de sua personalidade. Pouco importa se você tem pudores e um código moral anacrônico: mais vale se expor e bancar o idiota em atrações de gosto duvidoso, como o Big Brother Brasil e o SuperPop, do que ser um otário anônimo.

Mais vale, também, gastar o que você tem (e o que não tem) em um ingresso do Cirque du Soleil (mesmo que você deteste trapézios e tenha trauma de palhaços) e poder dizer a todos do escritório que assistiu ao espetáculo do que investir seu rico dinheirinho em qualquer outra coisa que, individualmente, lhe daria mais prazer: uma pescaria, uma garrafa de pinga, um livro – sei lá.

Todos os mandamentos anteriores foram suplantados por um novo (e não me refiro ao batido “amai teu próximo como a ti mesmo”; esse aí também dançou): “o importante é ser prime.”

* * *

Prime é não pegar fila. Prime é ter sossego. Prime é ter assegurados todos aqueles direitos de que você sempre ouviu falar e que deveriam ser seus de graça – mas que, na prática, não são. É preciso pagar mais para ser tratado como gente, amigo. A vida se tornou uma questão da FUVEST com duas alternativas (e quem investir um pouco mais poderá assinalar a resposta correta): atendimento em pronto-socorro do SUS ou uma semana de relaxamento no spa Sete Voltas?

(...)

Quer dois minutos pra pensar na questão, grande?

* * *

No último sábado, fui prime. E no cinema, o que é ainda melhor.

Por cortesia de um amigão de infância, Rogério Berni (que conseguiu os ingressos e que ainda me deu carona à cena do crime), fui conhecer o chiquérrimo cinema VIP do Shopping Cidade Jardim.

Até então, em meu parco conhecimento, o Shopping Iguatemi era o “shopping dos ricos” de São Paulo. Não é mais: shopping de rico, agora, é o Cidade Jardim – que, inclusive, fica em um daqueles bolsões arborizados da zona sul. Ali, pobre não chega – só se cair do ônibus ou se for colhido por uma tromba d’água. Ou se ganhar ingresso VIP e uma caroninha, como eu ganhei. 

Acho, inclusive, que essa foi a intenção dos criadores do empreendimento quando escolheram sua localização: isolar o Shopping Cidade Jardim da gentalha, gentalha, gentalha.

* * *

Há outros mecanismos “anti-pobres” no Shopping Cidade Jardim, além da distância. Por exemplo: não há praça de alimentação. Isso evita que a muvuca se forme e que os maloqueiros de plantão se abasteçam de canudinhos e torrem a paciência do cinéfilo amigo com aqueles assobios estridentes de quarta série.

Outra coisa que o Shopping Cidade Jardim não tem é o bom e velho “balcão de informações”. Ô, coisa de pobre – “balcão de informações”! Neste shopping a gente descobre onde é o banheiro (ou onde se valida o tíquete do estacionamento) no Concierge.

Que, na verdade, é um balcão de informações.

Só que é prime...

* * *

O cinema VIP fica no topo do shopping. É um tipo de “Jardim Suspenso da Babilônia”, mas cheio de gente falando no celular.

Na bomboniére, um choque: a boa e velha pipoca, combustível obrigatório de qualquer cineminha, vem com cobertura e sabor de alecrim, alho ou trufa. Nem pense em fazer o que eu fiz: pagar, pegar a pipoca e sair andando. Isso denunciará suas origens plebeias.

Além do mais, isso não é necessário: basta fornecer o número da poltrona que eles levam o rango até você. Um casal ao nosso lado pediu champanhe – e levei um puta susto ao ver, de trás dos meus potentes óculos 3D, um atendente do cinema se materializar na minha frente com uma bandeja de prata na mão, como se fosse um daqueles GIFs animados do CQC.

Pedir champanhe no cinema é um pouco demais, sim...

Mas é prime!

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De minha parte, o melhor de ser prime – além, é claro, de não ter que aguentar os farofeiros, coisa que realmente me dá no saco – foi a poltrona.

Ela se transforma em uma chaise longue – é como se você estivesse assistindo TV na sala de casa. É possível esticar egoistamente as pernas sem medo de quebrar a rótula de um lanterninha ou fraturar o crânio de outro espectador, já que os corredores entre as poltronas são vastíssimos. Bem legal.

* * *

O filme a que assisti – O Besouro Verde – foi a cereja do bolo em minha noite prime. Estou de saco cheio de filmes de super-heróis. Acho que todos os filmes de super-heróis são iguais. E se você quiser saber, embora seja uma informação inútil, nunca gostei de super-heróis.

Assim, O Besouro Verde foi o melhor filme do gênero a que eu poderia ter assistido no sábado passado. Afinal, é uma comédia escrachada que reduz a pó de traque todas as convenções dos filmes de super-heróis.

O mocinho é um bobalhão (ainda que seja muito engraçado; lembra aquele comediante, Will Ferrell, mas sem ser irritante como ele), enquanto o motorista, Kato (expert em Artes Marciais e em mecânica), é o verdadeiro herói do filme. Mais que um remake, é uma reflexão divertida sobre a clássica série de TV homônima (que, em minha infância, costumava passar junto com Batman e Robin).

O roteiro tem um viés revisionista: o fato de Kato ser o principal protagonista parece um “calaboca” retroativo nos produtores da série original – que, nos anos 60, reduziram um ícone como Bruce Lee (intérprete do Kato original) à condição de coadjuvante, só porque ele era oriental. É o tipo de comentário subliminar e elegante que raramente vemos em filmes de super-heróis “autênticos” (eles se levam cada vez mais a sério e, consequentemente, são cada vez mais ridículos; vide o novo Thor, dirigido por Kenneth Branagh e coestrelado por Anthony Hopkins...).

* * *

Agradeço ao meu amigo, Rogério, que realizou um de meus grandes desejos: provar-me que ainda é possível ir ao cinema e se divertir, vivenciando uma experiência coletiva em que dezenas de pessoas trancadas em uma sala queiram assistir ao mesmo filme – e não ficar disparando torpedos pelo celular, conversando em voz alta, derrubando pipoca e refrigerante uns nos outros ou, em casos extremos, atirando excrementos nos ocupantes das poltronas de trás.

Gente burra é uma merda, mesmo – não tem nada que ir a esses lugares: cinemas, museus, teatros. Estarão muito mais felizes no Forró, no Baile Funk ou nos barzinhos e danceterias de Campos do Jordão. Com a separação, todos saem ganhando.

Por exemplo: houve um único momento tenso no cinema prime. Foi quando a indefectível musiquinha da Motorola (“Hello, Motto!”) se sobrepôs aos diálogos do filme. É que um jeca usando black-tie esquecera-se de desligar o celular quando a sessão começou.

O que me leva a outro de meus grandes desejos – este, infelizmente, ainda não atendido.

O de que, um dia, todos os ricos sejam prime...