AMORES BRUTOS
O sanduíche de mortadela é uma inspiração em estado bruto.
Assim como o biju, que a gente compra no farol. Os dadinhos Dizioli, que são
pura (e boa!) gordura hidrogenada. E o sonho de valsa, que um amigo meu já
definiu como “o chocolate perfeito”.
Portanto, que ninguém – eu disse ninguém – ouse perverter as
qualidades essenciais de um gordo, insalubre sanduíche de mortadela.
E que a mortadela propriamente dita jamais deixe de ser esse
obsceno embutido de carnes suínas, bovinas e (dizem as más línguas) jornal
picado, pois aí reside seu charme, seu primitivismo fascinante, sua divina
originalidade.
* * *
Sim!
O mantenedor deste blog se levanta contra a hipocrisia que
contaminou nossas mesas, livros de culinária e até a editoria de saúde do
“Fantástico”, cujas reportagens alertam: “Não faça da mortadela uma arma, a
vítima pode ser você!”
Vamos gritar: “Morte ao Dr. Bactéria!”
Vamos às ruas, às praças, às seções de frios dos
hipermercados! Juntos, marcando o passo e brandindo nossos cartazes e tochas!
Vamos erradicar de vez o preconceito contra o bom e velho
“sanduba” de mortadela!
Isso é uma guerra – uma cruzada!
E a única concessão que este movimento revisionista fará aos
críticos de plantão será permitir que eles nos corrijam quando “derraparmos” na
fonética do termo, pois, aí sim, é preciso dar razão aos caretas:
É “MOR-TA-DE-LA”, sua besta. E não “MOR-TAN-DELA”!
* * *
O leitor pode achar exagerado criar um movimento para a
preservação do “sanduba” de mortadela. Ah – mas é porque não sabe o que eu sei!
Estão querendo domesticar o sanduíche de mortadela! Duvida?
Então, veja o que achei no site daquele padeiro fashion (e habitué da Revista
“Caras”), Olivier Anquier:
RECEITA DE SANDUÍCHE DE MORTADELA COM ABACATE E MAIONESE DE
MANJERICÃO
Preparo:
• Faça a maionese. Acrescente, em fio, o óleo de
girassol, batendo até formar uma emulsão. Acrescente à maionese o manjericão,
ligeiramente picado;
• Monte o sanduíche: sobre uma fatia de pão, coloque uma
camada de maionese, uma de mortadela, fatias de abacate e rúcula.
Passe maionese na outra fatia de pão e feche o sanduíche.
* * *
Rúcula?
Maionese de Manjericão?
Tá doida, bicha?!
* * *
Onde já se viu macular o caráter hardcore de um autêntico
“sanduba” de mortadela com esses ridículos periféricos extraídos da terra? Ou
das árvores, sei lá... E o que dizer da
horrenda, impura maionese? E o abacate, meu Jesuscristinho, como foi parar
nessa equação?
Se isto fosse uma suruba, não uma receita de sanduíche de
mortadela, a rúcula, o abacate e a maionese de manjericão seriam a Madre Teresa
de Calcutá, o Palhaço Tiririca e a Bruxa de Blair, plantados ao lado da cama
enquanto nove casais experimentam, em ordem randômica, todas as posições do
Kama Sutra.
Tipo assim, nada a ver.
* * *
Cada vez mais me convenço que tudo isso é um ataque
estratégico e maledicente à pureza das coisas; ao nosso encantamento com
símbolos que são naturalmente belos, apesar de engordarem pra cacete ou (vá
lá!) terem uma gordurinha aqui, outra ali...
O “sanduba” de mortadela é apenas a bola da vez. No passado,
aconteceu o mesmo com os biscoitos Cream Cracker. Onde estão aqueles bolachões
farinhentos da minha infância, que faziam CRUNCH! a cada dentada e que valiam
cada centavo gasto na vendinha da esquina? Eu lhe digo onde estão eles,
companheiro: mortos!
Hoje, me contento em ruminar versões pocket dos velhos Cream
Cracker; esses micro-biscoitos para donzelas de regime, com nomes tão ridículos
quanto pomposos: “Levíssima”, “Folhata” etc.
* * *
O “sanduba” de mortadela e os velhos biscoitos Cream Craker
(CRUNCH!) são como a bunda da Mulher-Melancia (adorei esse cacófato:
“como-a-bunda-da-Mulher-Melancia”; diga isso em voz alta, é legal!); o Programa
do Chaves (e aqui me refiro à nostálgica atração mexicana do SBT, não à agenda
política do ditador venezuelano); e os velhos pirulitos Dip n' Lik – aqueles
que, diziam as autoridades médicas dos anos 80, davam câncer, apesar de serem
tão saborosos.
São amores “brutos” e assim devem ser preservados. Tanto
quanto o Pantanal, a juba do leão e o azul dos oceanos.
Que o mundo se modernize, sim...
Desde que não perca o paladar!
* * *
E agora, vamos agir!
Eu mato o Dr. Bactéria e você resgata o sanduíche de
mortadela!