quarta-feira, 24 de abril de 2013

Crônica - Gastronomia



AMORES BRUTOS




O sanduíche de mortadela é uma inspiração em estado bruto. Assim como o biju, que a gente compra no farol. Os dadinhos Dizioli, que são pura (e boa!) gordura hidrogenada. E o sonho de valsa, que um amigo meu já definiu como “o chocolate perfeito”.

Portanto, que ninguém – eu disse ninguém – ouse perverter as qualidades essenciais de um gordo, insalubre sanduíche de mortadela.

E que a mortadela propriamente dita jamais deixe de ser esse obsceno embutido de carnes suínas, bovinas e (dizem as más línguas) jornal picado, pois aí reside seu charme, seu primitivismo fascinante, sua divina originalidade.

* * *

Sim!

O mantenedor deste blog se levanta contra a hipocrisia que contaminou nossas mesas, livros de culinária e até a editoria de saúde do “Fantástico”, cujas reportagens alertam: “Não faça da mortadela uma arma, a vítima pode ser você!”

Vamos gritar: “Morte ao Dr. Bactéria!”

Vamos às ruas, às praças, às seções de frios dos hipermercados! Juntos, marcando o passo e brandindo nossos cartazes e tochas!

Vamos erradicar de vez o preconceito contra o bom e velho “sanduba” de mortadela!

Isso é uma guerra – uma cruzada!

E a única concessão que este movimento revisionista fará aos críticos de plantão será permitir que eles nos corrijam quando “derraparmos” na fonética do termo, pois, aí sim, é preciso dar razão aos caretas:

É “MOR-TA-DE-LA”, sua besta. E não “MOR-TAN-DELA”!

* * *

O leitor pode achar exagerado criar um movimento para a preservação do “sanduba” de mortadela. Ah – mas é porque não sabe o que eu sei!

Estão querendo domesticar o sanduíche de mortadela! Duvida? Então, veja o que achei no site daquele padeiro fashion (e habitué da Revista “Caras”), Olivier Anquier:

RECEITA DE SANDUÍCHE DE MORTADELA COM ABACATE E MAIONESE DE MANJERICÃO

Preparo:

Faça a maionese. Acrescente, em fio, o óleo de girassol, batendo até formar uma emulsão. Acrescente à maionese o manjericão, ligeiramente picado;
• Monte o sanduíche: sobre uma fatia de pão, coloque uma camada de maionese, uma de mortadela, fatias de abacate e rúcula. Passe maionese na outra fatia de pão e feche o sanduíche.

* * *

Rúcula?

Maionese de Manjericão?

Tá doida, bicha?!

* * *

Onde já se viu macular o caráter hardcore de um autêntico “sanduba” de mortadela com esses ridículos periféricos extraídos da terra? Ou das árvores, sei lá...  E o que dizer da horrenda, impura maionese? E o abacate, meu Jesuscristinho, como foi parar nessa equação?

Se isto fosse uma suruba, não uma receita de sanduíche de mortadela, a rúcula, o abacate e a maionese de manjericão seriam a Madre Teresa de Calcutá, o Palhaço Tiririca e a Bruxa de Blair, plantados ao lado da cama enquanto nove casais experimentam, em ordem randômica, todas as posições do Kama Sutra.

Tipo assim, nada a ver.

* * *

Cada vez mais me convenço que tudo isso é um ataque estratégico e maledicente à pureza das coisas; ao nosso encantamento com símbolos que são naturalmente belos, apesar de engordarem pra cacete ou (vá lá!) terem uma gordurinha aqui, outra ali...

O “sanduba” de mortadela é apenas a bola da vez. No passado, aconteceu o mesmo com os biscoitos Cream Cracker. Onde estão aqueles bolachões farinhentos da minha infância, que faziam CRUNCH! a cada dentada e que valiam cada centavo gasto na vendinha da esquina? Eu lhe digo onde estão eles, companheiro: mortos!

Hoje, me contento em ruminar versões pocket dos velhos Cream Cracker; esses micro-biscoitos para donzelas de regime, com nomes tão ridículos quanto pomposos: “Levíssima”, “Folhata” etc.

* * *

O “sanduba” de mortadela e os velhos biscoitos Cream Craker (CRUNCH!) são como a bunda da Mulher-Melancia (adorei esse cacófato: “como-a-bunda-da-Mulher-Melancia”; diga isso em voz alta, é legal!); o Programa do Chaves (e aqui me refiro à nostálgica atração mexicana do SBT, não à agenda política do ditador venezuelano); e os velhos pirulitos Dip n' Lik – aqueles que, diziam as autoridades médicas dos anos 80, davam câncer, apesar de serem tão saborosos.

São amores “brutos” e assim devem ser preservados. Tanto quanto o Pantanal, a juba do leão e o azul dos oceanos.

Que o mundo se modernize, sim...

Desde que não perca o paladar!

* * *

E agora, vamos agir!

Eu mato o Dr. Bactéria e você resgata o sanduíche de mortadela!