"HELP!"
Foi manchete no site “Vírgula” (www.virgula.uol.com.br):
“Luan Santana aparece na frente dos Beatles em ranking da
Billboard.”
Choque! Comoção! Surpresa!
* * *
Como salientou um amigo deste escriba, ao tomar conhecimento
da notícia: “Sem contar que pesquisas recentes mostraram que a influência do
Chimbinha e do Furacões do Forró no cenário 'pop' mundial superou de longe os
Rolling Stones.”
* * *
A julgar pela manchete inspirada, podemos pensar que todos
aqueles clássicos inesquecíveis – “Yesterday”, “Michelle”, “I Want To Hold Your
Hand” e “Yellow Submarine”, só para citar alguns exemplos – que elevaram os
Beatles à condição de mitos são coisa do passado.
Doravante, a humanidade – em todas as línguas, em todos os
continentes – entoará outros hinos quando quiser reverenciar o passado musical
“pop” da espécie, seja no “American Idol”, seja em uma apresentação da
Orquestra Filarmônica de Berlim: “Sempre Com Você”, “Tô Jogando Verde”, “A
Louca” e (claro!) aquela do meteoro da paixão, que parece música-tema de
super-herói japonês.
Saem de cena os buttons de Paul, George, Ringo e John,
entram em cena as camisetas e artigos colecionáveis com a cara de Luan Santana,
menino vesgo e de cabelo espetadinho nascido em Campo Grande (MS).
“Explosão de sentimentos
Que eu não pude acreditar
Aaahh...
Como é bom poder te amar!”
(...)
* * *
Antes de pegar uma espingarda de sal e dar um tiro na bunda
do Luan Santana (o que seria muito engraçado, é preciso reconhecer), é melhor
comprar munição mais pesada e apontar para os sites, blogs e revistas de
celebridades que publicam e divulgam esses disparates.
Sim – porque a própria notícia é “explicada” mais tarde,
depois que você experimentou um choque de 400 Volts, desmaiou e recobrou a
consciência, achando que o Apocalipse havia chegado.
O tal “tanking social 50” da revista Billboard compilou o que seriam
os “artistas mais populares do mundo” a partir de uma análise de seu desempenho
em redes sociais e sites de compartilhamento de música. Foi neste cenário
(predomínio dos adolescentes, que, a rigor, não fazem e nem escrevem a
história) que Luan-Meteoro-da-Paixão-Santana deixou para trás o “Fab Four” de
Liverpool e suas canções imorredouras.
Por conseguinte: se os Beatles são menos populares que Luan
Santana no Facebook, Orkut e YouTube, imagine que inglória posição ocupariam os
ainda mais ilustres Mozart, Chopin e Wagner, se estivessem no páreo da
Billboard. Afinal: apesar de se logar todos os dias na Internet, o típico fã de
Luan Santana deve pensar que “Chopin” é uma tradução para o francês de
“Choppinho”, aquilo que a gente toma com os amigos em festas de rodeio ou
domingueiras do Vila Country...
* * *
Infelizmente, “explicar a notícia” no terceiro ou quarto
parágrafos não é o bastante para neutralizar a precipitação radiativa de uma
manchete como esta.
Na Internet, mais do que em qualquer mídia, a manchete é o
que conta – ninguém se detém muito tempo em palavras escritas quando há tanto
estímulo visual ao redor (banners, filminhos, fotos, musiquinhas, pop-ups).
O que fica é a informação incompleta. O que se passa à
frente é a “desinformação”.
Neste bizarro “telefone sem fio” que é a comunicação sem
freios, já deve ter gente por aí jurando de pés juntos que “as pesquisas
comprovam: Luan Santana é melhor que os Beatles”.
Se você duvida, problema seu.
Deu no “noticiário”!
* * *
A Internet é uma incrível aquisição e transformou para o bem
a comunicação. Ocorre que, como qualquer novidade tecnológica, ainda é um
engenho que corre por aí sem freios, em caráter experimental – e talvez já seja
hora de impor-lhe alguns critérios.
Ninguém está falando de “censura”, claro. Mas sim, de
“filtro”. Quanto mais livre se torna a Web, maior é a necessidade de
profissionalização (e de bom senso) por parte de quem cria seus conteúdos.
Um revólver .38 na mão de um policial treinado pode salvar
vidas. Já nas mãos de um chimpanzé, é melhor nem imaginar...
“Explosão de sentimentos que eu não pude acreditar”!
* * *
Em tempo: com certo atraso, assisti ao tão falado “A Rede
Social”, cinebiografia de Mark Zuckerberg (interpretado por Jesse Eisenberg), o
criador do “Facebook”. A exemplo da maioria dos filmes de David Fincher
(exceções feitas a “O Curioso Caso de Benjamin Button” e “Seven”) é uma produção
bem-cuidada e com narrativa original, mas vazia como o Sambódromo carioca em
feriado de Páscoa.
Talvez seja herança dos tempos em que o diretor fazia apenas
comerciais de TV, mas os filmes de David Fincher não têm alma, não têm
mensagem, não carregam uma ideia além dos créditos finais.
Quando se vê um filme do Martin Scorsese, temos a impressão
que o italianinho estava na sala com a gente o tempo todo, nos cutucando e nos
incentivando a prestar atenção na história. Quando se vê um filme de David
Fincher, somos notificados por e-mail que o diretor não compareceu à sessão,
pois estava muito ocupado idealizando seu próximo “grande projeto”, que dará o
que falar na mídia.
Seja como for: apreciei a ironia de darem o papel de Sean
Parker (o bandido que criou o Napster) a Justin Timberlake, celebridade
midiática que representa bem o principal segmento afetado pelo compartilhamento
de arquivos na Internet: a indústria fonográfica. Também há uma conclusão
emotiva (sem ser piegas) que reforça aquela ideia: “o topo do mundo pode ser um
lugar incrível, mas também é um dos mais solitários” – quando Zuckerberg
recorre à sua invenção para tentar se reaproximar da garota que inicialmente o
inspirou a vencer, e que ele perdeu por ser um babaca.
Esta, a meu ver, é a grande lição que o filme nos ensina: a
mais bem-sucedida “rede social” foi criada por um sujeito que indiscutivelmente
era um “idiota social”.
O que nos resta?
A esperança de que, ao som de um “hit” de Luan Santana, não
sigamos, todos nós, o mesmo caminho que o “mestre” Zuckerberg trilhou.