terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica - "É o Canal!"



É O CANAL!




Tenho medo de dentista. Medo não, terror. A ida ao dentista (obrigatória a cada seis meses) é, para mim, um suplício. Queria ter o DNA dessa gente que dispensa a anestesia quando obtura um dente. Mas esta é uma façanha que está além dos meus poderes. Devo ser o único paciente que toma anestesia até para fazer uma insuspeita limpeza de dentes. Já viu uma coisa dessas? Nem eu.

Os cientistas tentam desvendar o genoma humano e querem enviar missões tripuladas a Marte. Mas a ordem de serviço está errada: primeiro deveriam inventar uma broca que não causasse dor. Vamos lá, pessoal, foco! Somos os maiorais! Fomos à Lua, dividimos o átomo, inventamos a penicilina, o míssil teleguiado e a pipoca de micro-ondas. E com todo esse currículo, com toda essa massa encefálica em funcionamento, ainda não banimos a dor dos consultórios odontológicos.

Onde é que nós erramos?!

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Meu trauma de “motorzinho” se deve, provavelmente, ao infame Dr. Naum. O bastardo foi meu primeiro dentista e agia em um consultório obscuro do Bom Retiro, em São Paulo (SP), no início dos anos 1970. Cabelos grisalhos e ensebados sobre a testa, olhar lupino, incapaz de sorrir – era praticamente um Dr. Mengele das próteses e dos boticões. Inclusive, como soube depois, prótese era com ele mesmo: apesar de dentista, Dr. Naum não tinha um dente na boca. Usava dentadura. E isso me faz pensar em um policial sem cacetete ou – sei lá –, um trapezista com fobia de altura.

Frija no inferno, Dr. Naum!

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Minha fobia foi atenuada pelo benevolente Dr. Dejair Rama – meu dentista desde os 12 anos de idade. O que é meio ridículo, mas que ilustra bem a irracionalidade com que encaro a questão (não resolvida desde a infância). Aos meus olhos, o Dr. Dejair é um tipo de X-Men: só alguém com superpoderes poderia obturar um dente sem provocar dor.

Desconfio que o Dr. Dejair, mesmo sem dizê-lo, pensa que sou meio retardado. Afinal, fala comigo como se eu ainda tivesse 12 anos. “Não vai doer nada, Edu... Se doer, a gente para!” Fico indignado quando pago a conta e vou embora, mas não posso negar: suas palavras são um bálsamo naquela hora de trevas, quando estou imobilizado na cadeira, olhos fixos em uma lâmpada, ouvindo versões instrumentais de “Mandy”, do Barry Manilow, ou de “Your Song”, do Elton John, que escapam sinistramente pelo som ambiente da sala.

Em noites de tempestade, apavorado, me pergunto: o que vai ser de mim quando o Dr. Dejair não estiver mais aqui?!

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Em favor dos dentistas “da antiga” (sejam maus ou bons, como os doutores Naum ou Dejair) é preciso dizer que eles eram mais comprometidos com o ofício. Pode ser minha impressão, mas a profissão já foi mais séria. Talvez porque os consultórios, hoje, tenham se tornado autênticas butiques estéticas, mais que ambulatórios ou postos de saúde.

Soube que já há até consultórios temáticos: um deles, em São José do Rio Preto (SP), tem o “look” de um filme de ficção científica. Na recepção os pacientes são saudados por réplicas do Darth Vader e outros personagens da Guerra nas Estrelas. Imagino que logo teremos consultórios inspirados nos Simpsons, nos alienígenas de Star Trek e até na Família Suplicy. O Céu é o limite!

Antes não era assim – não senhor! Dentistas eram sujeitos seriíssimos, autênticos militantes da profissão. Seus consultórios faziam jus a esta orientação: móveis em tons brancos, verdes e marrons; recepcionistas lacônicas; bebedouros antiquados; e no máximo uma marina na parede, se fosse para decorar a sala de espera. Personagens do imaginário “pop” poluindo esse cenário asséptico? Nem pensar!

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Saiba o senhor que conheço até um dentista da nova geração que trocou a broca e o boticão pela carreira de ator. Não é força de expressão – trocou mesmo!

Era um ótimo dentista e atendia no bairro de Santana (zona norte de São Paulo). Competente e atencioso, mantinha uma clientela fiel. Até que se cansou das tensões do consultório e dos pacientes paranóicos (oi, gente!) e, em busca de uma vida menos estressante, migrou para os palcos. Atualmente, pode ser visto em um comercial de creme dental veiculado na TV, no qual faz o papel de... um dentista!

Sorria, doutor!

O senhor está sendo filmado.