segunda-feira, 22 de abril de 2013

Cinema - "Ensina-me a Viver" / "Uma Sepultura na Eternidade"


UM CASAMENTO E UM FUNERAL




O mercado nacional de DVDs é tão vasto quanto estapafúrdio: há muitos títulos à disposição, é verdade – em contrapartida, há omissões constrangedoras e difíceis de explicar. Onde está, por exemplo, a edição de aniversário daquele clássico do suspense, Amargo Pesadelo (Deliverance, 1972), que em seu tempo disputou o Oscar de Melhor Filme com O Poderoso Chefão e Cabaret? Pois é – nem a Warner (distribuidora do referido título) sabe dizer. Esta é apenas uma das pérolas que permanecem inéditas ou “fora de catálogo” em nosso país.

Mas, às vezes, a luz se faz...

Dois marcos em seus respectivos gêneros acabam de desembocar em nossas locadoras e megastores (redes como a “2001 Vídeo”, “Livraria Cultura” e afins): o cândido (ainda que transgressor) Ensina-me a Viver, dirigido por Hal Ashby em 1971; e a ficção científica Sepultura Para a Eternidade (em nossos cinemas e televisão, passou como Uma Sepultura na Eternidade), de 1967, a última produção “Classe A” da extinta produtora inglesa Hammer. O primeiro sai pelo selo Paramont e o segundo, pela Cult Classic.

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Ensina-me a Viver foi uma das obras que impulsionaram a era mais criativa de Hollywood: a do “cinema pop de autor”, representada por diretores que roubaram dos produtores a liderança dos estúdios. Período, este, capitaneado pelos geniais Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Steven Spielberg e – sim – Hal Ashby (ele também fez A Última Missão, Amargo Regresso e Muito Além do Jardim, todos expoentes dos anos 1970 e 1980), falecido precocemente, em 1988.

Todos os filmes de Ashby – Ensina-me a Viver não é exceção – eram imbuídos de um humanismo genuíno, além de serem simpáticos porta-vozes dos ideais de rebelião civil em voga naquele período. Dos valores sociais e políticos à sexualidade, tudo podia ser questionado. Bons tempos, infelizmente, sucedidos pelos anos 90, que restituíram o poder aos burocratas (alô, alô, Jerry Bruckheimer, aquele abraço!) e apagaram as chamas do questionamento e da indignação.

Sabe como é: hoje, temos Transformers...

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A história de Ensina-me a Viver gira em torno de um estranho, mas irresistível casal: Harold (aos 20 anos, ele é obcecado pela morte; seu passatempo predileto é simular horripilantes suicídios, para desgosto da mãe perversa e castradora) e uma velhinha de 80 anos, Maude, que – ironia pouca é bobagem – é apaixonada pela vida. Os proverbiais opostos se atraem, mas o mérito do filme é levar esta excentricidade até o fim: os dois vão para a cama, apaixonam-se para valer e decidem se casar.

Nesse meio tempo, Maude tenta encontrar um jeito de afastar Harold dessa mórbida atração por caixões, carros fúnebres e suicídios gráficos – de certa forma, o rapaz é seu grande “projeto”: Maude, uma ativista da vida, quer convencer o jovem amante de que a existência é curta demais para ser desperdiçada assim. Se a premissa já parece boa, imagine-a encenada por dois grandes atores (Bud Cort e Ruth Gordon) e musicada por uma antológica trilha de Cat Stevens (“If You Want to Sing Out, Sing Out”, “Don’t Be Shy”, “Where Do The Children Play?” e outros petardos “setentistas” sensacionais). Fucking cool!

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Sepultura Para a Eternidade é o tio-avô de Arquivo X (e de uma infinidade de produções do gênero que beberam inspiração no filme sem dar-lhe o devido crédito, o que é uma coisa muito feia...). Enredo: durante escavações para a ampliação do metrô londrino, operários acham carcaças de hominídeos inteligentes que teriam existido bem antes de nossos primeiros ancestrais catalogados. Também é desenterrada uma nave antiquíssima (obviamente extraterrestre), o que leva os cientistas a estruturar uma hipótese desconcertante: os homens, longe de serem o “centro do universo”, são o mero resultado de uma experiência genética conduzida há milênios por marcianos, antes que aquela avançada civilização perecesse...

As implicações metafísicas não são ignoradas – o filme sugere que nossa obsessão pelo diabo (aquela entidade mítica e dotada de chifres que, originalmente, talvez fossem antenas...) é apenas uma lembrança ancestral dos seres que nos colocaram aqui: criaturas semelhantes a gafanhotos que, apesar de extintas há milênios, ainda habitam nosso inconsciente e exercem uma perversa influência sobre nós – Brrrrrr!

Os dois filmes estão nos magazines e locadoras à espera do cinéfilo interessado. Eu, por exemplo, já adquiri minhas cópias. E é bom avisar, porque o combinado não sai caro: não dou, não troco e não empresto.

Quer moleza, meu filho? Senta no colo do Jô Soares.