UM CASAMENTO E UM FUNERAL
O mercado nacional de DVDs é tão vasto quanto estapafúrdio:
há muitos títulos à disposição, é verdade – em contrapartida, há omissões
constrangedoras e difíceis de explicar. Onde está, por exemplo, a edição de
aniversário daquele clássico do suspense, Amargo Pesadelo (Deliverance, 1972),
que em seu tempo disputou o Oscar de Melhor Filme com O Poderoso Chefão e
Cabaret? Pois é – nem a Warner (distribuidora do referido título) sabe dizer.
Esta é apenas uma das pérolas que permanecem inéditas ou “fora de catálogo” em
nosso país.
Mas, às vezes, a luz se faz...
Dois marcos em seus respectivos gêneros acabam de desembocar
em nossas locadoras e megastores (redes como a “2001 Vídeo”, “Livraria Cultura”
e afins): o cândido (ainda que transgressor) Ensina-me a Viver, dirigido por
Hal Ashby em 1971; e a ficção científica Sepultura Para a Eternidade (em nossos
cinemas e televisão, passou como Uma Sepultura na Eternidade), de 1967, a última produção
“Classe A” da extinta produtora inglesa Hammer. O primeiro sai pelo selo
Paramont e o segundo, pela Cult Classic.
* * *
Ensina-me a Viver foi uma das obras que impulsionaram a era
mais criativa de Hollywood: a do “cinema pop de autor”, representada por
diretores que roubaram dos produtores a liderança dos estúdios. Período, este,
capitaneado pelos geniais Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Peter
Bogdanovich, Steven Spielberg e – sim – Hal Ashby (ele também fez A Última
Missão, Amargo Regresso e Muito Além do Jardim, todos expoentes dos anos 1970 e
1980), falecido precocemente, em 1988.
Todos os filmes de Ashby – Ensina-me a Viver não é exceção –
eram imbuídos de um humanismo genuíno, além de serem simpáticos porta-vozes dos
ideais de rebelião civil em voga naquele período. Dos valores sociais e
políticos à sexualidade, tudo podia ser questionado. Bons tempos, infelizmente,
sucedidos pelos anos 90, que restituíram o poder aos burocratas (alô, alô,
Jerry Bruckheimer, aquele abraço!) e apagaram as chamas do questionamento e da
indignação.
Sabe como é: hoje, temos Transformers...
* * *
A história de Ensina-me a Viver gira em torno de um
estranho, mas irresistível casal: Harold (aos 20 anos, ele é obcecado pela
morte; seu passatempo predileto é simular horripilantes suicídios, para desgosto
da mãe perversa e castradora) e uma velhinha de 80 anos, Maude, que – ironia
pouca é bobagem – é apaixonada pela vida. Os proverbiais opostos se atraem, mas
o mérito do filme é levar esta excentricidade até o fim: os dois vão para a
cama, apaixonam-se para valer e decidem se casar.
Nesse meio tempo, Maude tenta encontrar um jeito de afastar
Harold dessa mórbida atração por caixões, carros fúnebres e suicídios gráficos
– de certa forma, o rapaz é seu grande “projeto”: Maude, uma ativista da vida,
quer convencer o jovem amante de que a existência é curta demais para ser
desperdiçada assim. Se a premissa já parece boa, imagine-a encenada por dois
grandes atores (Bud Cort e Ruth Gordon) e musicada por uma antológica trilha de
Cat Stevens (“If You Want to Sing Out, Sing Out”, “Don’t Be Shy”, “Where Do The
Children Play?” e outros petardos “setentistas” sensacionais). Fucking cool!
* * *
Já Sepultura Para a Eternidade é o tio-avô de Arquivo X (e
de uma infinidade de produções do gênero que beberam inspiração no filme sem
dar-lhe o devido crédito, o que é uma coisa muito feia...). Enredo: durante
escavações para a ampliação do metrô londrino, operários acham carcaças de
hominídeos inteligentes que teriam existido bem antes de nossos primeiros
ancestrais catalogados. Também é desenterrada uma nave antiquíssima (obviamente
extraterrestre), o que leva os cientistas a estruturar uma hipótese
desconcertante: os homens, longe de serem o “centro do universo”, são o mero
resultado de uma experiência genética conduzida há milênios por marcianos,
antes que aquela avançada civilização perecesse...
As implicações metafísicas não são ignoradas – o filme
sugere que nossa obsessão pelo diabo (aquela entidade mítica e dotada de
chifres que, originalmente, talvez fossem antenas...) é apenas uma lembrança
ancestral dos seres que nos colocaram aqui: criaturas semelhantes a gafanhotos
que, apesar de extintas há milênios, ainda habitam nosso inconsciente e exercem
uma perversa influência sobre nós – Brrrrrr!
Os dois filmes estão nos magazines e locadoras à espera do
cinéfilo interessado. Eu, por exemplo, já adquiri minhas cópias. E é bom
avisar, porque o combinado não sai caro: não dou, não troco e não empresto.
Quer moleza, meu filho? Senta no colo do Jô Soares.