terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica - "Droga de Vida!"



DROGA DE VIDA!




Reza um antigo ditado (muito perspicaz, por sinal): “quer ver Deus dar risada? Conte-Lhe seus planos!”

Se, há alguns anos, alguém dissesse ao mantenedor deste blog que seu destino era se tornar um hipocondríaco crônico, o escriba em questão explodiria em gargalhadas.

Todavia, assim se fez.

Na bancada em que trabalho, vidros (no plural, mesmo) de Novalgina (também disponível em cápsulas, embora eu prefira o efeito certeiro da versão líquida) disputam espaço com o meu instrumental de trabalho. Inclusive suplantando-o, admito, com certo embaraço.

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Minha nova condição de hipocondríaco foi constatada por uma nova estagiária aqui da redação – Natália no R.G., “Natasha” para nós. Outro dia, “Natasha” veio à minha mesa buscar remédios para dor de cabeça. Algo preocupante, pois, como se vê, tornei-me a referência local no assunto. Sou o “Capitão Droga Raia” do pedaço; o “Homem Neosaldina”; o “Mister Saúde”, se isto fosse uma história em quadrinhos distribuída gratuitamente em drogarias.

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Logo eu – que, no passado, fui um fervoroso adepto das curas naturais. Tinha aquela ilusão romântica de que a mente cura tudo. A meu favor tenho a prerrogativa de nunca – nunquinha, never, jamé – ter consultado um médico por livre e espontânea vontade. Só fiz exames de sangue e eletrocardiograma quando me submeti a uma cirurgia, há alguns anos. Mas, aparentemente, ninguém consegue anular o destino. O meu é ter, na velhice, uma “farmacinha” caseira com itens catalogados em ordem alfabética. Alguns raros, como cartelas de Dorflex dos anos 1970 ou embalagens imaculadas de pastilhas “Mastiguinhas”, um “hit” da minha infância.

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Olhando retrospectivamente, acho que tudo começou com aqueles comprimidos de Passiflorine... Maldita a hora em que abri o vidrinho e, seduzido pela promessa de uma noite bem-dormida e sem sobressaltos, ingeri a droga redentora que, hoje, tem lugar cativo em meu criado-mudo.

Como em qualquer história sobre dependentes de drogas, o primeiro Passiflorine foi a “ponta do iceberg”; depois disso (parafraseando Renato Russo e Paulo Ricardo) “meu desejo se perdeu de mim”.

Logo descobri que tomar mais deles me fazia dormir mais rápido e melhor. Experimentei a agonia dos dependentes na primeira noite em que me vi sem os preciosos comprimidos. O supremo terror! Precisei apelar para três Dorflex para chumbar no sono... Dica, aliás, que me foi dada em “off” por um farmacêutico (que prefere ter a identidade preservada, por razões óbvias). “Dorflex é um relaxante muscular, grandêêê”, soprou-me o sujeito de jaleco, em tom confidencial. “Mando dois pra baixo antes de ir para a cama e durmo como um bebê.”

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Desde então, tenho essas conversas estranhas com atendentes de farmácias. Fico sabendo de “coisas”. Participo desse estranho círculo secreto, no qual são admitidas apenas pessoas de jaleco e dependentes. “Tem um genérico novo na praça, a clientela tem usado muito”, diz um, sacando do bolso a novidade; “este aqui tem o mesmo efeito do Calman, mas é sabor tutti-frutti”, garante-me outro.

Como se vê, fui oficialmente aceito na “tchurma”. Consumidor e cobaia desses experimentos, faço até avaliações críticas. “Olha, é quase um tarja preta, rapaz”, sentencio, com espantosa autoridade. Ou: “Fraquinho, fraquinho. Preço alto demais para um resultado tão medíocre.”

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No fim, é tudo culpa do cigarro. E da percepção que (uma salva de palmas para o óbvio ululante!) estou envelhecendo.

Acho que minha carcaça não passaria incólume em um “scan” dos laboratórios Delboni ou Lavoisier. Vêm-me à mente aqueles ovos de páscoa rejeitados pelo controle de qualidade da fábrica do Senhor Wonka, no emblemático filme de 1973: “este aí fumou a vida toda. Atirem-no na fornalha, Umpa-Lumpas!”

É por isso que me automedico. Mesmo sabendo que há 300 tipos de dores de cabeça nesse mundo (os dados são da Sociedade Internacional de Cefaleia) e que cada uma requer tratamento específico (sem mencionar a atenção de um especialista).

Meu medo é que o especialista em questão goste tanto de mim que queira me abrir, só para saber do que sou feito.

Eu garanto: o pobre homem vai ficar decepcionado.  

P.S.: O MINISTÉRIO DA SAÚDE ESCLARECE:

1) Dorflex: analgésicos muito populares no Brasil, utilizados para tratar desde incômodos nas costas até enxaquecas. Tornaram-se uma referência por serem os primeiros comprimidos a agregar dipirona e cafeína em sua fórmula. Apesar do que meu farmacêutico diz, não devem ser ingeridos como calmantes ou soníferos.

2) Umpa-Lumpas: pigmeus originários da Lumpalândia, região de Lumpa, uma ilha isolada do Oceano Atlântico. Umpa-Lumpas têm corpos pequenos, cabeças enormes e costumam rimar suas frases. Exemplo: “Umpa-Lumpa, doo-ba-dee-doo! I've got a perfect puzzle for you!”