segunda-feira, 22 de abril de 2013

Crônica - Copa do Mundo 2010


SOFRENDO DA BOLA




Vai começar tudo de novo.

Três horários de rush em um só dia (os dos jogos e os regulares, às 08h00 e às 18h00).

A musiquinha indigesta da Globo: “eu sei que vou / vou do jeito que eu sei! / De gol em gol / com direito a replay!”; é a mesma desde a Copa de 1994 (vamos investir uma graninha em promoção aí, gente!).

As bandeirinhas verde-amarelas nas antenas dos carros.

E as cornetas.

Ah, sim! As malditas cornetas...

* * *

Em tempos de Copa do Mundo, “ai” do brasileiro que não estiver nem aí para o maior evento futebolístico do planeta (somos milhares, mas viajamos incógnitos pela multidão e nos reconhecemos através de senhas e sinais, como os russos que questionavam os métodos de Stálin e da KGB nos tempos da Guerra Fria). Afinal, a polícia secreta futebolística está aí: infiltrada em todos os órgãos de comunicação, com olheiros e informantes em cada beco, rastreando os nossos pensamentos mais secretos...

Quem não vibra ou sacode a bandeira diante de um gol do Brasil só pode ser um traidor da causa... Deveria ser queimado e ter as bolas extirpadas (não necessariamente nesta ordem) para aprender a valorizar o que temos de melhor. Você caga e anda se não escalaram o Neymar? Tá louco, meu filho?! “A Copa é a coisa mais séria do mundo!” (palavras textuais de Galvão Bueno em 1994)

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É nada!

A Copa é só um torneio futebolístico em grande escala, com um monte de caras correndo atrás de uma bola de plástico. Olha, desculpe estragar a magia – dizer, sem cerimônia, que a Ilha no Topo do Mundo era feita de isopor e que ninguém morre de verdade no cinema.

Entendo sua conexão com o esporte bretão e respeito seu hábito de comprar figurinhas dos jogadores na banca da esquina, mas, olha só: não existe nada de realmente importante neste ritual. Alguns colecionam bonecos do Batman aos 30 anos de idade; outros, já sexagenários, acreditam que a Copa é a coisa mais séria do mundo. Só muda o endereço do hospício: na prática, todos vocês são loucos...

* * *

E já que as crônicas do futebol são o verdadeiro “hino” brasileiro, é difícil escapar à febre dos mundiais quando ela se instala. Em nosso país, dar de ombros para a “morte” da Seleção na Copa chega a ser uma gafe social... Pega mal. Pode até subtrair pontos em sua avaliação na empresa, desqualificando-o para aquela pretendida promoção.

Isto explica o fenômeno do “chefe nacionalista” em dia de jogo. Sim – o mesmo homem que só se hospeda em hotéis 5 estrelas quando vai renovar seu guarda-roupa em Milão, todos os anos, se enrola na bandeira do Brasil antes de o jogo começar, bate no peito e grita: “Eu sou brazuca! Sou maloqueiro! Sou do poooovo, hu-rú!!!”

E aquele executivo “bicho de goiaba” (ou seja, branco como uma vela, típico exemplar do gênero homo-carpetis, nascido e criado em condomínio de luxo) que, de repente, começa elaborar teorias futebolísticas intrincadas na mesa do bar com um ar de entendido (que sugere horas de sono perdidas estudando as deficiências do ataque e contra-ataque das seleções adversárias)?

“_O Brasil se segura se jogar sem estrelismos... Se bem que a Alemanha sempre é um perigo, por causa do ‘jogo aéreo’.”

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“Jogo aéreo”?

Eis aí outra daquelas definições pomposas que certos intelectuais/aficionados pelo esporte vêm criando nas últimas décadas para dar deferência a termos que, de outra forma, seriam rasos demais para justificar o espaço que o esporte ocupa em nossos jornais e revistas.

“Jogo aéreo” é o “intelectualês” para “bola alta”. Quando se diz que uma seleção tem “jogo aéreo”, isto significa que o time em questão é formado por galalaus com mais de 1,85m (normalmente, isto se aplica aos jogadores alemães) que, pela altura privilegiada, tendem a dar chutões estratosféricos na bola, deixando os craques gabirus do Brasil perdidões no meio do campo.

Também há uma tendência a se tomar “emprestado” termos de outras áreas para descrever o futebol, pois o esporte não conseguiu desenvolver um glossário próprio apesar da frequência com que é mencionado em nossa imprensa; sinal, talvez, de que os jornalistas especializados neste tema não primam muito pelo brilhantismo...

Portanto, “time” virou “elenco”. E um jogão entre dois times importantes é um “clássico” (no cinema, são necessários anos, às vezes décadas, para se produzir um clássico; no futebol isto acontece todas as semanas...). A apropriação indevida de termos prossegue com “equipamento” (uniforme), “claque” (torcida”) e por aí vai... Lembrando que estes últimos foram “surrupiados” do jargão lusitano do esporte por comentaristas brasileiros que, esbanjando “falta de noção”, acharam-nos bonitos e começaram a empregá-los por aqui, também.

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Talvez o “autêntico” comentarista de futebol esteja extinto. Sou da opinião de que ele foi substituído pelos terninhos azuis da Globo e por aquele intragável jargão “futebolístico-demagógico-nacionalista” (uma combinação infernal de ideias!) do Galvão Bueno.

Os comentários de futebol ainda deveriam ser na escola de Sílvio Luiz – que, entre outras irreverências maravilhosas, certa vez atendeu a uma ligação da mulher no celular em meio a uma transmissão importante...

Era mais engraçado, mais irresponsável, menos austero e menos demagógico. 

Bons tempos, aqueles!

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Se o leitor, como eu, não desgosta de acompanhar os jogos da Copa, mas acha um pouco demais querer decifrar científica e esotericamente uma coisa que se faz (literalmente!) “no chute”, eis aqui dois comentários para memorizar e repetir nas rodas de amigos até o fim do Mundial. E é bom memorizar mesmo, ou sua vida social será um fiasco – garanto que, até o meio de julho, nenhuma denúncia “mensalística” (ou de tráfico de influências), peladona da Playboy ou catástrofe ambiental conseguirá rivalizar com os boletins sobre a Seleção Brasileira na mídia:

“O Dunga é um jumento! O Brasil queria ver o espetáculo de Neymar e Ganso, mas terá que se contentar com o futebol burocrático e de resultados da Era Parreira. Pô, a gente deveria se unir e matá-lo!” (Versão radical, para ser recitada em companhia de xiitas da bola, entre um e outro gole de cerveja ou Pinga 51).

“Dunga acertou em manter os jogadores que vinha utilizando – são seus homens de confiança. Ele deveria ter convocado o Ganso e o Neymar e não entendo porque levou o Grafite, mas, agora que a bola está em jogo, vamos torcer para o Brasil mostrar o seu melhor futebol.” (Versão moderada, para ser recitada em debates futebolísticos regados a whisky Chivas Regal).  

Em qualquer caso, culpe o técnico!