terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica - Ideologia e Atitude



ESQUERDA, DIREITA, VOLVER!




Assim que nascemos, já somos de Câncer, Touro ou Escorpião. Eis aí a vantagem da astrologia sobre a política: ninguém precisa decidir qual será seu signo astrológico, pois trata-se de um item de fábrica, pessoal e intransferível.

Já a orientação política é um fardo bem mais difícil de administrar. Afinal: ser de esquerda ou de direita é uma escolha do cidadão. Entendeu agora por que o horóscopo é uma das seções mais requisitadas do jornal, enquanto o primeiro caderno é para poucos?

Um indivíduo razoavelmente dotado de intelecto terá grandes dificuldades em escolher uma orientação política. Afinal: há bons e maus exemplos nos dois lados.

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Peguei-me refletindo sobre isso há alguns dias, acompanhando a ridícula “ocupação” da USP por uma malta de filhinhos de papai. Que patético, que triste, aquele gente posando de revolucionária e usando camisas GAP para esconder o rosto (protegiam as identidades de quem? Das mães intransigentes? Das avós cardíacas?) e usando caríssimos mobiles para registrar os bastidores do “conflito”.

É nessas horas que sou de extrema direita. Queria que aquela babaquice demagógica caísse por terra a golpes de cassetete. Queria ver um pouco de arbitrariedade, de ignorância comendo solta. Afinal, um burro só abaixa a orelha em duas ocasiões: quando outro burro fala ou quando é escoiceado por um burro mais forte.

Mas aí, entro em conflito: a rigor, não sou de direita. E mesmo assim, minha tolerância anda “zero” para esse blá-blá-blá auto-indulgente da esquerda.

Será que eu sou normal, doutor?

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Um de meus tios-avôs era de extrema direita.

Direita, não: direitíssima!

Era Mussolinista e me dava medo, embora nunca tenha me tratado mal. Longe disso, era a cordialidade em pessoa.

Nem imaginava o terror que me inspirava com aqueles olhinhos verdes e lupinos, que jamais sorriam e que às vezes se estreitavam como bocas de revólveres. Não era de propósito: meu tio-avô estava apenas “sendo de direita”.

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Sua imagem conjurava todos os clichês que passei a associar à direita: corte de cabelo antiquado (com pega-rapaz e tudo); camisas sociais de manga comprida (mesmo sob o sol inclemente do litoral paulista); cachimbo permanentemente abastecido com fumo sabor chocolate; e – o clichê master do conservadorismo! – meias pretas sociais em toda e qualquer situação.

Meu tio-avô usava meias pretas até à beira do mar. Suponho que também em outras situações, embora isso eu só possa intuir. Fiquei com essa ideia de que pessoas conservadoras usam meias pretas o tempo todo. Talvez por isso, prefira usar meias beges ou marrons. Meias pretas são para casamentos, recepções ou enterros.

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Em contrapartida, em 1994, conheci a versão encarnada da esquerda festiva. Era o noivo da amiga de uma ex-namorada – e acho que o detestei à primeira vista.

Tudo no sujeito era revoltante: o jeito blasé, o olhar de superioridade (uma contradição interessante da “ultra-esquerda” é a mania que seus advogados têm de se julgar intelectualmente superiores aos outros, apesar de propagarem a igualdade) e as intermináveis digressões sobre a “iniquidade do pensamento pequeno-burguês”.

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Obviamente, com tantas reservas quanto ao lado prático da vida, o sujeito não trabalhava. Estava na faculdade de História havia dez anos, sem produzir nada, sem sequer justificar o ar que respirava. Era o tipo de basbaque que encontrava “mensagens ocultas e idiotizantes” em filmes como “Rambo” ou “Duro de Matar” – um sonhador, enfim, que se acomodou nesta fantasia de “1984” para prolongar a infância, para justificar o “dolce far niente” que era sua vida.

Logo percebi que não queria ser aquele cara.

Tanto quanto não queria ser meu tio-avô...

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O que o Mussolinista e o Bolchevista me ensinaram foi que, em política, extremos são territórios a se evitar. O ato de votar nada tem a ver com a emoção de uma final de campeonato – fanatismo em futebol é algo lamentável, entretanto, compreensível, pois o futebol é uma paixão (tanto quanto o amor por motos, o interesse em vinhos ou a mania de viajar ou colecionar selos).

A política, por sua vez, não deve – não pode! – ser uma paixão.

Muito mais sábio é encará-la com a frieza de um cirurgião. Muito mais certo é manipulá-la com a medida exata de cuidado e desdém com que um enxadrista dispõe de suas pedras em um torneio importante.

No xadrez, um bom jogador não tem particular apreço pelo Bispo, pelos cavalos ou pelos peões. Ele os utiliza de acordo com a situação, sempre visando o melhor resultado. Se um bom enxadrista se apega à vitória, e não às pedras, por que o bom eleitor deveria se apegar à esquerda ou à direita, quando o foco deveriam ser os candidatos e propostas que, naquele momento histórico, são melhores para a sociedade como um todo?

Um eleitor consciente não é de esquerda e nem de direita. É as duas coisas – só que nunca ao mesmo tempo.

Tudo depende de “quem”.

Tudo depende de “onde”.

Mais ainda, tudo depende de “quando”.

O resto é conversa para ativista de butique dormir.