"BEM, INIMIGOS DA GLOBO..."
Para um brasileiro não-fanático por futebol, a Copa do Mundo é assim: em princípio, um saco; mas, com o tempo, a insistência dos noticiários e o som dos cornetões (desculpe, das “vuvuzelas”), a gente se acostuma e acaba até interessado no Mundial.
Foi assim na fatídica Copa “noturna” do Japão: do total
desprezo nos primeiros jogos, me vi acertando o despertador para as 04h00 da
matina já nas oitavas de final. No Brasil, futebol é como vírus em filme de
zumbi: o mocinho resiste enquanto dá, mas, eventualmente, também se torna um
morto-vivo comedor de cérebros...
* * *
Este interesse se intensifica quando surge um “barraco”
quente na mídia.
E nas últimas Copas, ninguém protagonizou melhores
“barracos” do que a Rede Globo de Televisão.
A emissora se assemelha cada vez mais à atriz Susana Vieira
(foto), que se autoproclamou a “porta-voz” informal da casa; como Susana, a
Globo insiste em ser o centro das atenções, mesmo quando se aventura em searas
com as quais tem pouca ou nenhuma intimidade.
Jornalismo, por exemplo.
* * *
A mais recente “videocassetada” global foi a peleja entre
sua reportagem e o técnico da Seleção, Dunga. Como se sabe, Dunga “peitou” um
repórter da emissora, Alex Escobar, em meio a uma coletiva de imprensa
realizada após o jogo “Brasil X Costa do Marfim”.
Dunga – que de “anão” só tem o apelido – virou um gigante:
pôs o emissário da Globo em seu lugar com uma frase lapidar, excluída dos
livros de etiqueta da Danuza Leão, mas sempre funcional em “tretas” de boteco
ou de trânsito. A clássica: “Que foi? Algum problema?”
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Isto foi o que todo mundo viu.
Mas as razões do quiproquó só vieram à tona dias depois.
Como noticiou o UOL Esporte, em 22/06/2010, a bronca de Dunga com a Globo não
era totalmente infundada.
Na hora da coletiva, enquanto Dunga expressava seu parecer
sobre o jogo, Alex Escobar conversava com Tadeu Schmidt (apresentador da Globo)
por telefone. O assunto era polêmico: a emissora havia passado por cima do
técnico e fora negociar diretamente com Ricardo Teixeira, presidente da CBF,
entrevistas exclusivas com jogadores da Seleção. Estas seriam exibidas no
programa mais “pensante” da TV, o Fantástico, apresentado pela dupla de prêmios
Nobel, Patrícia Poeta e Zeca Camargo.
Mas Dunga, nem aí para os interesses da Globo, vetou as
entrevistas e “melou” todo o esquema.
* * *
A emissora revidou prontamente, mas a emenda saiu pior do
que o soneto.
Ao se colocar como “vítima” em um constrangedor
depoimento/editorial/sei-lá-o-quê veiculado no Fantástico (a alegação: Dunga,
um sujeito grosso e mal-humorado, estaria dificultando o trabalho da imprensa),
a reportagem da Vênus Platinada atraiu a urucubaca para o seu próprio terreiro.
Como informou Ricardo Feltrin na coluna “OOOPS”, do UOL:
“Nas últimas 48 horas a Globo tem sentido na pele de que
lado está o torcedor. A emissora está recebendo milhares de e-mails e sendo
achincalhada em redes sociais por conta da briga que iniciou com o técnico
(...) Até dirigentes da emissora estariam divididos sobre o caso. Para alguns
diretores, há o risco de, em uma eventual derrota do time brasileiro, a
emissora ser responsabilizada pelo telespectador, angariando antipatia.”
* * *
Será que uma estranha conjunção astral ameaça mudar para
sempre o curso imutável das coisas?
Como assim: alguém disse “não” à Rede Globo?
Desse jeito, logo macacos estarão voando. E Luciana Gimenez
lançará uma autobiografia intitulada “Por que Einstein Estava Errado”.
A emissora carioca começa a sentir os efeitos de um fenômeno
que, até então, não parecia ameaçá-la diretamente: a democratização da
informação.
A Internet reduziu a pó de traque sua invencibilidade.
Tornou impossível a disseminação de “mitos” como o que escutávamos nos anos
1980 – “A Rede Globo é a terceira melhor emissora do mundo” (então, tá...). E
até transformou o maior “mala” de seu casting de subcelebridades, Galvão Bueno,
em um pateta planetário – o apresentador foi ridicularizado na hilariante
campanha “Cala a Boca, Galvão!”, que repercutiu adoidado no Twitter.
* * *
Não é à toa que a máxima “Fora, Rede Globo! O povo não é
bobo!” se inseriu de forma indelével em nossa cultura.
Não se discute que a Globo é uma “gigante” do ramo de
entretenimento. Tirando Manoel Carlos e Gloria Perez, a casa tem o melhor time
de “noveleiros” do planeta. Também criou programas bem legais (A Grande
Família, Sai de Baixo, Anos Rebeldes – a lista é imensa) e lidera nossa
evolução tecnológica no setor, investindo audaciosamente em novos equipamentos,
linguagens e formatos.
A Globo merece, portanto, os louros da vitória por ter
transformado positivamente nossa realidade audiovisual – e só um boçal de marca
maior a condenaria por proporcionar diversão de qualidade ao grande público.
O “Fora, Rede Globo!”, portanto, não é para o Luciano Huck;
para o Faustão; ou para o Tony Ramos. Não é sequer para a Ana Maria Braga,
apesar de a loura azedar o café da manhã de muita gente com sua antipatia
contagiante.
O “Fora, Rede Globo” é para o jornalismo da emissora, que
tem mesmo o péssimo hábito de se meter aonde não é chamado, transformando tudo
(do boto cor-de-rosa à fome no Terceiro Mundo) em uma novela ruim das 19h00.
Nos últimos anos, a Globo conseguiu “zicar” eleições, eventos esportivos,
plebiscitos e até o Carnaval. Sempre colocando os próprios interesses
comerciais acima da informação e, sim – algumas vezes –, da Democracia.
* * *
Ao menos há um lado positivo nesta tragédia.
A “batida de frente” com Dunga terá um efeito benéfico nas
“reportagens” da Vênus Platinada: doravante, a comissão de 500 “globais”
escalados para cobrir a Copa do Mundo 2010 (incluindo Fátima Bernardes e,
claro, Susana Vieira) precisará se virar para obter pautas interessantes e,
consequentemente, ter um bom lucro com inserções publicitárias.
A criatividade e o “faro jornalístico” terão que dar as
caras outra vez na tela da Globo, já que entrevistas “exclusivas” com grandes
astros do esporte (ou “furos” de reportagem mirabolantes) não estão mais à
venda. Ou deixaram de ser “negociáveis”.
Evoluir é Fantástico!